Proteção cruzada é trunfo no enfrentamento da monkeypox

Em conferência, especialistas da UFMG abordaram o status epidemiológico da doença e as estratégias de prevenção.


30 de setembro de 2022 - , ,


Unaí Tupinambás, Cristina Alvim, Sandra Goulart Almeida, Erna Kroon e Flávio Fonseca
Unaí Tupinambás, Cristina Alvim, Sandra Goulart Almeida, Erna Kroon e Flávio Fonseca. Foto: Foca Lisboa | UFMG

Apesar de ainda existirem algumas lacunas no conhecimento científico relacionadas ao monkeypox vírus, como a sua transmissibilidade entre pessoas assintomáticas e se os roedores são mesmo os seus hospedeiros definitivos, já há uma certeza: é improvável que o mundo esteja diante de uma pandemia como a da covid-19.

É o que afirmaram os professores da UFMG Unaí Tupinambás, médico epidemiologista da Faculdade de Medicina, Erna Geessien Kroon e Flávio Guimarães da Fonseca, integrantes da Câmara Técnica Temporária Pox-MCTI, durante a conferência Monkeypox: o que sabemos?, realizado nesta quinta-feira, 29, no auditório da Reitoria. O evento integrou a programação dos 95 anos da UFMG, no âmbito do ciclo de conferências Futuro, essa palavra.  

Diferentemente do vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, o monkeypox vírus é conhecido da ciência desde 1958, quando foi detectado em macacos (daí o nome), e até já poderia ter sido erradicado por meio de vacina, antes mesmo que ultrapassasse as fronteiras do continente africano, onde foi confirmado o primeiro caso em humanos, no Congo, em 1970.

O monkeypox pertence ao grupo dos Orthopox, do qual também fazem parte seus “primos”, os vírus da vaccínia bovina e da varíola humana, erradicada desde os anos 1980. “A mesma vacina que erradicou a varíola tem poder de neutralizar o monkeypox, assim como todos os vírus desse mesmo grupo”, explicou o professor Flávio Guimarães da Fonseca. Segundo ele, essa característica, denominada proteção cruzada, é garantida pela produção de 99 anticorpos de alto poder neutralizante, que garantiu o sucesso da vacina contra a varíola.

Vacina de terceira geração

O Brasil não tem estoque dessa vacina e nem poderia utilizá-la tal qual foi produzida, por questões de biossegurança. Flávio Fonseca explicou que as vacinas de primeira e segunda geração, como a da varíola, eram atenuadas por inoculação direta em animais, o que causava efeitos adversos na população.

O CTVacinas da UFMG já está trabalhando no desenvolvimento de parâmetros para a produção de um imunizante nacional, de terceira geração, semelhante à Jynneos/Imvanex, da empresa Bavarian Nordic A/S, que surgiu no fim da década de 70, quando a erradicação da varíola já estava próxima. A Bio-Manguinhos será a responsável pela produção da vacina, cujas “sementes” – dois frascos do vírus Vaccínia Ankara Modificado (MVA) – foram doadas pela agência de pesquisa médica norte-americana, a National Institutes of Health (NIH), por meio de acordo de transferência de material clínico firmado com a Rede Vírus do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). “Caso seja necessário vacinar a população, o Brasil terá seu imunizante”, afirmou o pesquisador.

Vírus complexo

A professora Erna Kroon destacou que esse grupo de patógenos vem sendo estudado pelo Laboratório de Vírus do ICB há três décadas, e essa base acumulada de conhecimentos contribui para a compreensão da nova doença, o que inclui os métodos de neutralização da infecção.

A transmissão do vírus ocorre pelo contato direto com secreções respiratórias, lesões na pele, fluidos corporais e objetos contaminados. Segundo a professora, embora o número de infectados cresça a cada ano e se aproxime de 66 mil casos, em 105 países, com 23 mortes (duas no Brasil), o vírus não resiste às condições ambientais de umidade e altas temperaturas. “A sanitização de superfícies com solução de hipoclorito a 0,1% — a água sanitária de uso doméstico —, a desinfecção com álcool iodado e a esterilização por meio de autoclaves são métodos eficientes contra o vírus”, indicou a professora.

O hábito ancestral de colocar as roupas de cama ao sol para receber raios ultravioletas é também uma estratégia eficiente. Mas Erna Kroon alerta: “O monkeypox vírus é resistente à dessecação (o ato de sacudir os lençóis para tirar a poeira). Isso mantém o vírus suspenso no ambiente, especialmente com baixa umidade, onde ele continua infeccioso”.

A professora discorreu ainda sobre as características complexas do monkeypox vírus, como seu grande tamanho — tem cerca de 300 nanômetros, frente aos 120 nanômetros do Sars-Cov-2 —, um genoma com cerca de 200 mil pares de base, ou 200 genes, e superfície coberta por envelopes e membranas também complexas.

Sem estigmatizar

A infecção por monkeypox vírus se caracteriza por sintomas como febre, dor de cabeça, dor no corpo, fadiga, inchaço dos linfonodos na região inguinal e lesões na pele e nos órgãos genitais. Segundo Unaí Tupinambás, seu período de incubação é de cinco a 21 dias, quando surgem os sinais visíveis na pele. Tupinambás reforçou ainda que é preciso atentar para o fato de que qualquer pessoa pode transmitir a infeção. “Não podemos incorrer no erro grave e horroroso de estigmatizar o grupo de maior vulnerabilidade à infecção, como ocorreu no caso do HIV, e deixar que o vírus chegue crianças e gestantes”, alertou.

Segundo dados da OMS, a doença afeta principalmente homens jovens, com 97,4% (31.295 de 32.125) de casos com idade média de 35 anos. Dos casos com orientação sexual relatados, 90,9% (13.940 de 15.339) identificaram-se como gays, bissexuais e homens que fazem sexo com homens.  

“Mas o que precisamos considerar é que esse grupo de maior vulnerabilidade tem a atitude positiva de recorrer aos serviços de saúde com frequência, o que serve de exemplo para todos nós”, ressaltou a professora e vice-diretora da Faculdade de Medicina, Cristina Alvim, que mediou o evento  

Os professores deixaram o recado final de que o autocuidado, a higienização dos ambientes e a vigilância para o diagnóstico precoce são fundamentais para manter o baixo risco de um surto na comunidade universitária e da disseminação da doença pelo país.

Na abertura da conferência, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida lembrou que sua realização atendia a um pedido do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e destacou o papel dos pesquisadores da UFMG no estudo e no enfrentamento da nova infecção. A íntegra da conferência está disponível no canal da UFMG no YouTube.


Teresa Sanches – Centro de Comunicação da UFMG