Repressão e penalidade: riscos de perda de direitos


25 de maio de 2015


Especialistas convidados propõem discussão sobre Estado penal no Brasil em seminário gratuito e aberto ao público

TV_MEDICINA_FINALIZADAO professor das Faculdades de Direito da UFMG e da PUC Minas, José Luiz Quadros de Magalhães, e a professora de história e militante do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, Heloísa Greco, participarão da mesa-redonda do seminário “Ética e direitos de todos à vida”, no dia 10 de junho, na Faculdade de Medicina da UFMG.

Ambos foram convidados pelo professor Dirceu Greco, coordenador do evento, que levou em consideração suas ligações com a luta pelo direito de todas à vida, tema do encontro. José Luiz trabalha, desde a graduação, com a teoria e prática dos direitos fundamentais. Sua dissertação de mestrado, que teve como tema estes direitos na Constituição de 1988, se transformou em um livro com quatro edições. Um de seus capítulos se destina ao debate de questões como a pena de morte, a eutanásia e o aborto no direito comparado e seus aspectos sociais e filosóficos.

Heloísa, por sua vez, é professora aposentada da rede estadual, doutora em História, e fala como militante política em prol dos direitos humanos. Sua militância começou durante a ditadura militar, no movimento estudantil, quando entrou na UFMG, em 1970. Ela destaca o combate contra a ditadura e pelo desmantelamento do aparato repressivo na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Tais questões se desdobraram na luta contra todas as formas de opressão e na continuidade da luta por memória, verdade e justiça, pela responsabilização e punição dos torturadores de opositores durante a ditadura militar e daqueles que cometem os mesmos crimes contra a humanidade nos dia de hoje. “Trata-se da luta pelo fim do aparato repressivo”, explica Heloisa, que é membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, um coletivo de militantes autônomo, independente e autogestionário, sem qualquer tipo de vínculo com a institucionalidade ou com qualquer aparato empresarial, governamental ou partidário. “A nossa luta é contra o terror de Estado e do capital”.

 

Estado penal e repressão
Segundo o professor José Luiz é preciso discutir com profundidade e seriedade o Estado penal implantado no Brasil, aquele que tem como princípio o encarceramento em massa, que corre o risco de se aprofundar com as posições conservadoras do Congresso e com a mídia, concentrada e parcial, que provoca geração e generalização do medo como formas de acuar as pessoas e ampliar o Estado repressivo existente. “Vamos discutir as razões do perigo e ineficiência do discurso de repressão na solução da criminalidade e, ao contrário, no risco que este discurso implica na perda de direitos relativos à liberdade, integridade e segurança”, declara.

Heloísa Greco concorda com o professor e complementa dizendo que o Estado penal de exceção permanente se naturalizou. Segundo ela, esta naturalização do Estado de exceção fica evidente nos seguintes dispositivos, componentes essenciais do Estado brasileiro: a tortura, o desaparecimento forçado, as execuções sumárias permanecem como instituições fortíssimas no país; a guerra generalizada contra os pobres; a politica de encarceramento em massa; o genocídio institucionalizado de jovens negras e negros, indígenas e pobres; a sistematicidade das chacinas periódicas; a impunidade de todos que cometem crimes contra a humanidade, mais uma herança da ditadura militar.  Heloisa chama atenção para o fato de que a Polícia Militar brasileira é a que mais mata entre todas as polícias do planeta. Para ela, assim sendo, é preciso lutar pelo fim da Polícia Militar. “Esta consolidação do Estado de exceção permanente foi levada a cabo com muita desenvoltura pelo neoliberalismo, ou totalitarismo de mercado. A imprensa ajuda a fortalecer essa consolidação”, prossegue. “No debate, buscaremos aprofundar esta denúncia e radicalizar a análise sobre esta situação de barbárie vigente. O documentário que será exibido [À queima roupa] mostra bem as chacinas periódicas e o genocídio institucionalizado”, completa.

Ela enfatiza o fato de que o Brasil é o segundo país com maior população negra do mundo e que apresenta número de mortes até maiores do que de países em zona de guerra. O Brasil é também o campeão mundial em concentração de renda e desigualdade social. As vítimas, em sua maioria são negros jovens e pobres. “Nossa avaliação é que nos últimos 30 anos, desde a saída do último general do poder, houve uma normalização defeituosa (Irene Cardoso), uma normalização da exceção brasileira (Thales Ab’Saber). Nossa luta, então, é contra este Estado que adota uma política de campo de concentração em cima dos dois terços da população que vivem no limiar da linha da miséria”, explica. “Estão aí as UPPs com sua política sistemática de extermínio e segregação para comprovar este quadro”, conclui.

Ética, violência e Saúde

“Esta sociedade desigual e violenta gera não só pacientes vítimas diretas de crimes, com graves lesões corporais, como pacientes com grave sofrimento mental mergulhados na insanidade da sociedade de ultra consumo e, ainda, vítimas de um sistema socioeconômico que degrada de maneira rápida o meio ambiente e escraviza o trabalho”, argumenta José Luiz Magalhães. Desta forma, ele defende a relevância da realização deste Seminário dentro de uma Faculdade de Medicina. “Profissionais da saúde são cidadãos e, assim como qualquer outro cidadão, precisam se situar no mundo em que vivem e ajudar a mudá-lo para melhor. Quer queiramos ou não, este mundo nos diz respeito e seus problemas, todos eles, nos afetam, direta ou indiretamente”, continua. Ele afirma que há uma superficialidade no trato de questões de políticas públicas, inclusive de saúde, e esta superficialidade seria uma irmã da ignorância, abrindo, assim, caminho para a violência. “Muitas pessoas confundem democracia com ofensas, agressões verbais e outras superficialidades que nada têm a ver com democracia”, expõe.

“Acho muito importante esta inciativa do seminário de ética, a entendo na perspectiva da verdade, da justiça e da transparência. É preciso ocupar o espaço acadêmico na perspectiva de construção e produção do conhecimento crítico”, completa Heloísa Greco. Para ela, o filme “À queima roupa” é auto evidente e reflete exatamente a situação da consolidação do Estado de exceção permanente em cima das classes exploradas, consideradas perigosas. “Este filme mostra que a herança da ditadura militar foi assumida de bom grado pelo Estado penal em vigor: a tortura enquanto instituição, os desaparecimentos forçados, o pau de arara e o afogamento continuam vivos e ativos”.

Para José Luiz Magalhães, este encontro também deveria estar em outros lugares, pois quanto mais houver o debate de ideias, mais chance há de decifrar os jogos de poder e resolver os problemas para além de posições fundadas na emoção e preconceito.

Sistema falho e possíveis soluções
Nos argumentos do professor José Luiz, as políticas públicas de segurança visam combater apenas o que chama de violência subjetiva, ou seja, a quebra de uma aparente situação de normalidade de não violência por um ato de vontade. “Isto nunca irá funcionar enquanto não formos capazes de enxergar, analisar e desconstruir a violência objetiva (estrutural) e simbólica, que são permanentes nas sociedades modernas”, frisa.

“Precisamos desconstruir o sistema e inventar outro para colocar no lugar. Sem isto, vamos continuar fazendo o mesmo com nome diferente, até não ser mais possível segurar este sistema socioeconômico e cultural do ultra consumo individualista e competitivo”, defende. A professora Heloísa também é firme sobre a necessidade de transformar o sistema como um todo, combatendo o aparato repressivo e o Estado ao qual ele pertence. “Para que haja transformação é necessária a atuação dos sujeitos da transformação, que precisam estar organizados e conscientes. Consideramos que a maneira de atuar não é dentro das instituições, mas no espaço instituinte, no chão da cidade. Trata-se de uma luta contra hegemônica, que só pode ser travada pelos trabalhadores e o movimento popular de forma independente em relação às instituições, aos governos, ao Estado e ao capital. Seminários como este são fundamentais para a criação de uma cultura de descriminalização do dissenso e da radicalidade”, conclui.

Seminário ética e direitos de todos à vida
O evento será realizado no dia 10 de junho, na Faculdade de Medicina da UFMG, com início às 18h30, no Salão Nobre da Faculdade. A entrada é franca, sem necessidade de inscrição prévia e aberto a toda população. Terá certificado e será considerado como Atividade Complementar Geradora de Crédito (ACGC) para alunos da Faculdade de Medicina da UFMG.