O que é felicidade?
11 de setembro de 2018
Em entrevista, professora da Faculdade de Medicina explica o que é felicidade e como ela se relaciona com o contexto no qual vivemos
Carol Prado*
No mês que alerta para a prevenção do suicídio, é natural que se fale sobre sofrimentos psíquicos como a depressão, que podem levar ao autoextermínio. A intenção, além de boa, é necessária para informar e orientar quanto às formas de prevenção a esses sofrimentos mentais. No entanto, a professora do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Tatiana Mourão, propõe um olhar diferente para o Setembro Amarelo: por que não falar sobre a felicidade? Para trazer o tema à Faculdade de Medicina, ela concedeu entrevista na qual aborda alguns conceitos sobre a felicidade e fala sobre como estar mais próximo de alcançá-la. Confira a seguir:
O que é a felicidade?
Existem vários conceitos de felicidade. O mais prático seria a ausência do sofrimento. Mas, eu gosto de duas vertentes éticas sobre a felicidade. Uma é a vertente hedonista, que enxerga a felicidade como prazer momentâneo muito forte e imediato. E existe uma outra vertente que é a da ética nicomaqueia, na qual foi baseada em um livro que Aristóteles escreveu para o próprio filho, falando sobre ética. Para ele, o conceito de felicidade é algo construído. É impossível, por exemplo, você ser feliz se a sua família não é, se as pessoas que estão ao seu redor não estão felizes. São dois conceitos extremamente diferentes. Há um grupo que acha que a felicidade está no prazer, no uso imediato. Hoje a gente até pode pensar na questão de recompensa cerebral. E outro grupo que fala sobre a felicidade ser algo construído, que é o que eu acredito. Em geral, eu penso no conceito de felicidade mais como uma construção a longo prazo. Sugiro que todos leiam o livro Ética a Nicômaco*, de Aristóteles. A obra é um tratado sobre a felicidade. É um conselho que eu daria também para os meus filhos e alunos.
A felicidade tem relação com o estilo de vida?
Tem muita relação. Tem se relacionado, inclusive, ao lugar arquitetônico no qual vivemos. Um artigo de um escritório suíço, que se chama Future Directions for Architecture in Mental Health, mostra como a volta dos espaços verdes, da natureza e a solidariedade, fazem diferença na saúde mental. De acordo com esse conceito arquitetônico, ficamos mais felizes nesses espaços do que em lugares fechados, sem contato com o verde, por exemplo. Outro ponto importante para a facilidade é o vínculo afetivo. Amigos que você pode telefonar em um dia de sofrimento e contar com esse apoio. São poucas amizades que temos na vida. Muitas vezes, podemos contá-las nos dedos. Mas elas são importantíssimas como um suporte social. Quando você está naquele momento difícil, saber que pode procurar determinada pessoa e ela vai te receber e dar um suporte mesmo, é muito importante. Eu, particularmente, acho difícil uma pessoa ser feliz se ela não tiver uma amizade, esse suporte.
E a família, ela é importante para ser feliz?
A família também é importante. Hoje, elas estão mudando muito. Não significa que tem que ser aquele modelo de família tradicional de 1950, né? Mas é extremamente importante ter um grupo de conviva e que tenha um objetivo comum na busca de bem-estar.
Para buscar a felicidade é preciso se conhecer?
O autoconhecimento é uma faca de dois gumes. Eu acredito que uma pessoa que não se conheça, dificilmente vai ser feliz. Isso porque ela não vai saber o que realmente aprecia. Com isso, ela vai tentar buscar aquilo que os outros apreciam. Uma pessoa que aprecia algo que é simples, que admira uma vida de interior, de fazenda, por exemplo, quando passa a ter uma vida muito diferente daquela, sem se conhecer muito bem, não vai conseguir ser feliz. Ao mesmo tempo, o autoconhecimento pode levar a duas situações. Uma delas, mais positiva, é fazer o melhor possível para tentar ser feliz, assim como fazer feliz quem está ao seu lado. Esse é o tipo de felicidade que eu acredito. Outra situação, mais negativa, é a pessoa ser extremamente narcísica e egoísta. Nesse caso, a pessoa que se conhecer bem talvez terá mais dificuldade para ser feliz.
O que é preciso para ser feliz?
Há alguns estudos na UFMG, como o da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), em que os pesquisadores perceberam que existem algumas condições mínimas, em termos econômicos, para ser feliz. Precisamos, por exemplo, de um local adequado para viver, de uma cidade agradável, acesso à saúde e a várias comodidades. Temos que ter o mínimo para ser feliz, mas à medida que atingimos um patamar, por mais rico que sejamos, não teremos mais esse sentimento associado às questões econômicas. Dizer que o dinheiro em si traz felicidade é uma inverdade. Condições boas de vida, como ter onde morar, uma cidade não violenta, esse mínimo, nós precisamos para encontrar a felicidade. Por outro lado, pesquisas da Universidade da Califórnia que se dedicam a estudar a felicidade e estilos de vida ligados a ela, destacam a simplicidade como forma de alcançar a felicidade. A simplicidade da qual falam, seria o consumo apenas daquilo que é necessário.
*Ética a Nicômaco
O livro Ética a Nicômaco, escrito por Aristóteles por volta de 300 a.C, defende que a felicidade é o maior bem desejado pelos homens e a finalidade de suas ações. Entretanto, ela não é reconhecida da mesma forma por todas as pessoas. De acordo com o livro, os sábios entendem que a felicidade é um fim em si mesma, e outros como “alguma coisa simples e óbvia, como o prazer, a riqueza ou as honras” (Aristóteles, 1973, p.251). Aristóteles, ao perceber o não consenso a respeito do conceito de felicidade, identificou três modos de vida: a guiada pelo prazer, a política e a contemplativa. Na vida guiada pelo prazer, pensa-se que o bem e a felicidade são sinônimos de satisfação de impulsos, assim como para os outros animais. Na vida política, se busca por honrarias e grandes feitos, como se a felicidade dependesse do olhar do outro. Na contemplativa, a mais elevada segundo o autor, se busca o bem por ser um bem, e não por querer outra coisa a partir dele. Assim, as pessoas são orientadas pelo exercício da razão.
*Redação: Carol Prado – estagiária de Jornalismo