Os endocanabinoides anandamida e 2-aracdonoilglicerol (2-AG) atuam em receptores canabinoides tipo 1 (CB1) e tipo 2 (CB2), por meio dos quais modulam a via dopaminérgica mesolímbica. Esta via é um importante alvo de atuação de drogas de abuso, a exemplo da cocaína. De fato, o antagonismo de CB1 e a ativação de CB2 inibem diversos efeitos deste psicoestimulante. A interação recíproca entre esses receptores, entretanto, ainda não foi
investigada. Nesse contexto, testamos a hipótese de que o bloqueio CB1 deslocaria as ações dos endocanabinoides (anandamida e 2-AG) para os receptores CB2, inibindo as ações da cocaína. Observamos, inicialmente, que o antagonista CB1, rimonabanto, preveniu a hiperlocomoção, o aumento da expressão da proteína c-Fos no núcleo acumbente e a fosforilação da ERK no estriado induzidos pela cocaína. Dando suporte à hipótese inicial, o tratamento prévio com um antagonista CB2 (AM-630), reverteu o efeito inibitório do rimonabanto sobre essas repostas. Além disso, a combinação de doses subefetivas de rimonabanto e de um agonista CB2 (JWH-133) também preveniu a resposta motora à cocaína. Os inibidores da hidrólise da anandamida (URB597) e do 2-AG (JZL184) não alteraram este efeito. Entretanto, quando combinado com uma dose subefetiva de rimonabanto, o JZL184 (mas não URB597) preveniu a hiperlocomoção. Este resultado sugere o envolvimento do 2-AG na modulação da resposta à cocaína, embora os níveis de endocanabinoides em regiões límbicas não tenham sido alterados por esta droga. Por fim, em acordo com a hipótese testada, o antagonismo de CB2 reverteu o efeito inibitório do rimonabanto sobre a aquisição da preferência condicionada ao lugar induzida pela cocaína. Portanto, nossos dados apontam um possível mecanismo através do qual o sistema endocanabinoide modula os efeitos desta droga. Nossos achados propiciam, assim, um melhor entendimento de como a modulação desse sistema pode regular a neurobiologia do transtorno do uso da cocaína.