Software criado na UFMG apoia decisões clínicas sobre hipertensão e diabetes

Fruto de parceria com pesquisadores da UFVJM e da UFSJ, sistema foi testado e aprovado por médicos da região de Teófilo Otoni.


20 de janeiro de 2021 - , , , , , ,


Diabetes
Diabetes e hipertensão ainda carecem de melhores mecanismos de controle. Foto: Marcos Santos | USP Imagens | Fotos Públicas

A hipertensão e o diabetes são os principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, mas ainda existem lacunas entre a detecção e o controle dessas enfermidades crônicas no Brasil. O problema é ainda mais grave em regiões de baixa renda e em comunidades rurais, onde a oferta de recursos médicos é menor, assim como a consciência sobre a importância do controle e do tratamento.

Com foco nesse contexto, pesquisadores da UFMG e das universidades federais dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e de São João del-Rei (UFSJ) desenvolveram um sistema de apoio à decisão clínica (“CDSS”, na sigla em inglês para “clinical decision support system”), com o objetivo de melhorar o controle do diabetes e da hipertensão no âmbito da atenção primária à saúde em regiões do país com recursos médicos mais escassos. O objetivo do sistema é colaborar para a realização de diagnósticos e acompanhamentos mais precisos.

Com o protótipo do CDSS desenvolvido, os pesquisadores realizaram, em outubro de 2020, testes-piloto do sistema em dez municípios de Minas Gerais para avaliar sua usabilidade em larga escala. O estudo experimental foi feito em cinco unidades de atenção primária de Teófilo Otoni e em 29 centros de outras nove pequenas cidades do estado, na região do Vale do Mucuri, que apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) comparável ao de países pobres da África.

O protótipo foi testado no atendimento aos pacientes, avaliado por juntas de profissionais médicos e aprimorado com base nas sugestões obtidas. “O protótipo foi testado várias vezes para garantir que o sistema estava operando conforme planejado, livre de bugs, e que os resultados da recomendação correspondiam à árvore de decisões pré-especificada [para essas doenças]”, anotam os pesquisadores no artigo em que reportam a elaboração do sistema e seu estudo experimental.

Roteiro de lembretes

Reunidos no artigo, depoimentos de médicos que testaram o CDSS ajudam a exemplificar os benefícios que o sistema traz. Uma médica de 39 anos conta que, em razão da rotina corrida de atendimentos, muitas vezes os profissionais se esquecem de fazer perguntas protocolares aos pacientes, como Você está sentindo falta de ar? ou Você acorda sem fôlego?. “Ao usar o software, sempre fazemos essas perguntas a eles”, ela contou, indicando a funcionalidade do software como um roteiro de lembretes.

“É como se você pegasse a consulta e dissesse: isso é indispensável para você perguntar para o paciente. Você sempre deve se lembrar de perguntar sobre isso. Então, para mim, é ótimo. Sempre vou me lembrar de dar aconselhamento. Por exemplo, quando o paciente é fumante, no final sempre tem o lembrete: Você falou sobre fumar?. Aí, você vai se lembra de falar para o paciente: Olha, você tem que parar de fumar. Para mim, isso é muito legal.”

Médicos também observaram que o software colabora para a correção de falhas nos atendimentos. “[Aqui] Não havia o hábito de medir a pressão arterial sentado, deitado e em pé. Depois que começamos a usar o software, isso se tornou rotina. Não precisamos dizer nada. A técnica de enfermagem já mede a pressão arterial de todos os pacientes dessa forma”, relatou outra profissional.

A possibilidade de efetuar cálculos automatizados também foi elogiada pelos profissionais que participaram dos testes. “Normalmente não temos tempo para calcular o risco cardiovascular e a função renal. O software ajuda muito”, exemplificou um médico. Ao mesmo tempo, alguns médicos relataram que o programa exige uma consulta mais longa, e esse tempo nem sempre é disponibilizado pelas estruturas em que atuam.

Próximos passos

A equipe agora planeja ajustar e expandir o projeto para unidades básicas de saúde em outros municípios. Além disso, outras doenças deverão ser incluídas no sistema. “Nossa equipe está trabalhando no refinamento da intervenção e na melhoria do software, para posteriormente conduzir um estudo controlado randomizado por cluster para testar a implementação da intervenção em outros ambientes”, informam os pesquisadores no artigo.

“A integração do CDSS com o incipiente prontuário eletrônico do sistema público de saúde (e-SUS) [também] é um desafio, mas atualmente estamos trabalhando para superar essa barreira. Embora haja uma transferência limitada dos resultados para outros ambientes, as lições aprendidas podem ser úteis para a implementação de outros CDSSs no Brasil e no mundo”, ponderam.

O trabalho que resultou no artigo Development and Implementation of a Decision Support System to Improve Control of Hypertension and Diabetes in a Resource-Constrained Area in Brazil: Mixed Methods Study integra o Projeto HealthRise Brasil, estudo multinacional desenvolvido para implementar programas-piloto para melhorar o rastreamento, o diagnóstico, a gestão e o controle da hipertensão e do diabetes em comunidades carentes ao redor do mundo. As intervenções elaboradas no âmbito do projeto já foram implementadas em comunidades da África do Sul, dos Estados Unidos e da Índia.

Além de Milena Soriano Marcolino, professora da Faculdade de Medicina da UFMG, que lidera o estudo, assinam o artigo os seguintes pesquisadores: Antonio Luiz Ribeiro, João Antonio Queiroz Oliveira e Kaique Amancio, da Faculdade de Medicina da UFMG; Junia Xavier Maia, Leonardo Bonisson Ribeiro e Thábata Queiroz Vivas Sá, do Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG; Christiane Corrêa Rodrigues Cimini, Lissandra Coelho e Vânia Soares Oliveira Almeida Pinto, da UFVJM; e Clareci Silva Cardoso, da Faculdade de Medicina da UFSJ.


(Ewerton Martins Ribeiro/ Centro de Comunicação da UFMG)