Telemedicina‌ ‌torna‌ ‌rastreio‌ ‌da‌ ‌cegueira‌ ‌causada‌ ‌pelo‌ ‌diabetes‌ ‌94%‌ ‌mais‌ ‌barato‌ ‌

Pesquisa da Faculdade de Medicina também aponta para ampliação do acesso à saúde e diminuição de casos graves como benefícios da teleoftalmologia


13 de abril de 2021 - , , , ,


Realidade cada vez mais presente no Sistema Único de Saúde (SUS), a telemedicina pode tornar o rastreio da retinopatia diabética (complicação silenciosa do diabetes mellitus que em casos graves leva à cegueira) até 94% mais econômico para os cofres públicos. Essa é uma das conclusões da pesquisa “Teleoftalmologia no rastreamento da retinopatia diabética”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da UFMG.

Imagem cedida pela pesquisa.

Outros benefícios encontrados foram a ampliação do acesso à saúde em regiões distantes dos grandes centros (que concentram especialistas), diagnóstico precoce e diminuição de casos graves, melhorando a qualidade de vida dos diabéticos.

Segundo a autora, Grazielle Fialho de Souza, os pacientes que chegam ao serviço especializado já estão com grande risco de comprometimento da visão. “Muitos não fizeram nenhuma avaliação antes de perder a visão. Nosso desejo é que pacientes não cheguem com quadros tão graves, já que a retinopatia é prevenível, pode ser controlada e mesmo regredir quando o diagnóstico é precoce”, explica.

Entendendo a economia

A pesquisa teve duas fases. Na primeira, analisou os custos envolvidos em consultas presenciais com oftalmologista para moradores de Viçosa (município da região da Zona da Mata, MG), o que requer estrutura física de consultórios e também deslocamentos até Juiz de Fora ou Belo Horizonte. Esse valor foi comparado com o uso da teleoftalmologia, em que profissionais locais foram treinados pela equipe da pesquisa, realizando exames para triagem dos pacientes diabéticos da região, com os resultados sendo analisados e laudados no Hospital das Clínicas (HC) da UFMG. 

O transporte para cada exame presencial custou, em média, 30,48 dólares (moeda adotada como padrão internacional para possibilitar comparações), enquanto esse custo para pacientes atendidos por teleoftalmologia foi de 1,72 dólares. A economia é de 28,76 dólares por paciente, ou seja, 94% mais barato. Do total, 67% dos pacientes não precisaram de encaminhamento para avaliação presencial.

Nessa região, incluindo pacientes de Viçosa e Santo Antônio do Monte, dos 1.331 diabéticos consultados 29,6% apresentaram algum grau de retinopatia diabética, sendo que 2% já estavam com quadros graves. Os dados foram coletados entre fevereiro de 2015 e janeiro de 2017. Os resultados foram publicados em revista internacional.

Segundo o Atlas do Diabetes, da Federação Internacional do Diabetes (IFD), existem entre 15 e 18 milhões de pessoas com a doença no Brasil. A tendência é de aumento. Estudo da IFD prevê que esse número chegue a 21,5 milhões em 2030 e 26 milhões em 2045.

Retinógrafo portátil. Imagem cedida pela pesquisa.

Na segunda fase, pacientes da macrorregião de Teófilo Otoni (Vale do Mucuri, MG) foram consultados também por meio de teleoftalmologia, porém com a utilização de dois tipos de retinógrafos, um convencional e outro portátil. Essa etapa começou em abril de 2018 e foi interrompida pela pandemia de covid-19, tendo avaliado, até então, 384 diabéticos. “Mais de 40% dos pacientes tinham hemoglobina glicada muito alta e 53% nunca fizeram avaliação oftalmológica, sendo que a indicação no caso do diabetes tipo 2 é que seja feita logo ao diagnóstico, com acompanhamento anual”, relata a pesquisadora. 

Retinógrafo convencional. Imagem cedida pela pesquisa.

O estudo encontrou também outras doenças nessa população, sendo 24% com catarata e 18% com suspeita de glaucoma. A expectativa é seguir essa fase para avaliar a viabilidade do aparelho portátil e incorporar tecnologias mais modernas e de menor custo.

Grazielle atua desde 2015 no corpo clínico do Hospital São Geraldo e no Centro de Telessaúde do HC. A experiência atendendo casos graves e o know how do HC em telemedicina ajudaram a delinear o estudo. “O número de casos de diabetes tem aumentado e é uma doença com grande impacto social e econômico. Queremos aumentar o acesso para as pessoas que precisam da avaliação, reduzir o tempo de espera, realizar o diagnóstico e tratamento precoces a fim de se evitar a cegueira”, espera. 

Pesquisadora atua no HC. Foto: arquivo pessoal.

Um dos possíveis impactos do estudo seria em uma eventual oferta do serviço para território nacional. “Minas Gerais tem uma peculiaridade, que é uma desigualdade regional parecida com a do país. Nossa experiência em Minas poderia ser replicada em planejamento nacional”, acredita a pesquisadora Grazielle.      

O orientador da pesquisa, professor e subchefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Daniel Vitor Vasconcelos, observa que o uso da telessaúde aumentou nos últimos meses pela necessidade gerada a partir da pandemia. O mesmo movimento deve ser observado na teleoftalmologia. “Outra realidade também promissora nesse contexto é a inteligência artificial, potencialmente muito útil na análise de grandes bases de dados e de imagens”, afirma.

Retinopatia diabética

A retinopatia diabética é uma importante complicação ocular do diabetes mellitus. “Assim como as complicações que o diabetes pode causar nos rins, no coração e no cérebro, a retinopatia é uma alteração microvascular que está ligada ao pior controle e maior tempo da doença. É muito específica e identificada ao realizar o exame de fundo de olho”, explica Grazielle.

A literatura médica aponta que mais de 20% das pessoas com diabetes desenvolvem essa complicação, sendo mais frequente em mulheres e idosos. O principal sintoma é a piora da visão, mas assim como quase todas complicações do diabetes, as alterações iniciais da doença são assintomáticas, por isso a necessidade de acompanhamento sistemático. “Todos pacientes diabéticos devem fazer rastreamento para retinopatia”, orienta.

Centro de Telessaúde

O Centro de Telessaúde do HC faz parte da Rede de Teleassistência de Minas Gerais (RTMG), uma parceria de sete universidades públicas que tem por objetivo desenvolver, implementar e avaliar sistemas de telessaúde. 

Desde sua criação, em 2005, a rede já realizou mais de 5 milhões de laudos de exames e fez mais de 130 mil teleconsultorias, gerando economia de mais de R$300 milhões pela redução de encaminhamentos. Atualmente são 1.065 municípios atendidos, em Minas Gerais e outros estados. Assista ao vídeo e conheça a rede: 

Acesse mais vídeos no canal da Rede no Youtube. 

Participam da RTMG, além da UFMG, a Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) e Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

A teleoftalmologia foi implementada no Centro de Telessaúde inicialmente por meio de projeto de pesquisa, financiado pela Fapemig. “Com os resultados promissores desse projeto, houve então a implementação de um serviço, que atende a consórcios de saúde no interior do estado, mas com enorme potencial de expansão”, lembra o professor Daniel Vasconcelos.

Segundo o professor, que orientou a pesquisa de Grazielle, a teleoftalmologia facilita o acesso à avaliação oftalmológica especializada, evitando o transtorno e os custos do deslocamento do paciente para esse tipo de avaliação nos grandes centros urbanos.

“Essa estratégia é particularmente útil nas localidades mais remotas e com difícil acesso à atenção especializada. A pesquisa demonstrou que a telefoftalmologia é aplicável e economicamente muito viável no nosso meio, podendo auxiliar na resolução da demanda reprimida de exames de fundo de olho de pacientes diabéticos, melhorando seu acesso ao especialista e com potencial de reduzir o risco de perda da visão, por viabilizar diagnóstico mais precoce da retinopatia e encaminhamento tempestivo para tratamento”,

Conclui Grazielle Fialho de Souza

Pesquisa: Teleoftalmologia no rastreamento da retinopatia diabética
Autora: Grazielle Fialho de Souza
Nível: Mestrado
Programa: Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Infectologia e Medicina Tropical
Orientador: Daniel Vitor de Vasconcelos Santos
Data da defesa: 29/12/2020