Testamento vital permite liberdade ao paciente


15 de dezembro de 2014


*Matéria publicada na edição 42 do Saúde Informa

Registro pode expressar os desejos, objetivos e valores com relação aos procedimentos a serem tomados em caso invalidez ou doença terminal

Ninguém sabe quando, nem de que forma vai morrer. O testamento vital é um instrumento ético-jurídico que possibilita ao indivíduo dispor sobre os cuidados, tratamentos ou procedimentos que aceita ou não receber, se acometido de uma doença incurável e terminal.

“Além de elaborar o documento, o individuo pode indicar uma pessoa de sua confiança para ser o seu procurador de saúde. Quando isso acontece, o Testamento Vital passa a se chamar Diretivas Antecipadas da Vontade (DAV)”, explica o cardiologista, professor aposentado do Departamento de Clínica Médica e professor na disciplina de Bioética da Faculdade de Medicina da UFMG, José Agostinho Lopes.

Nesse documento o paciente pode informar, por exemplo, que, em caso de agravamento de seu quadro de saúde, não deseja ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos, nem ser submetido a procedimentos invasivos ou dolorosos. Ou, ainda, que prefere morrer em casa, ao lado de seus familiares, ao invés de internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

No Brasil, ainda não há uma legislação específica sobre esse assunto. O procedimento é respaldado apenas pelo Código de Ética Médica (Resolução CFM 1.931/2009) onde se prevê que, “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico deve evitar a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários, e propiciar aos pacientes todos os cuidados paliativos apropriados”.

Na realidade, “o que se procura com a implementação do testamento vital ou das DAV é se contrapor à obstinação terapêutica que não salva a vida e prolonga o morrer”, afirma o especialista.

Como funciona?
A elaboração dos documentos não é um procedimento simples. Mesmo nos países onde o processo está regulamentado e implantado há algum tempo, é frequente que os pacientes cheguem ao fim de suas vidas sem o documento adequadamente elaborado. “Talvez, o principal motivo seja as dificuldades inerentes a se pensar e conversar sobre esse assunto. Também os formulários pouco claros e orientadores, e também há situações que os próprios profissionais de saúde acabam não tomando conhecimento da existência do documento”, expõe o professor.

Paciente e profissional de saúde
Para transpor as dificuldades na elaboração e implantação do testamento vital, foi feita uma mudança paradigmática em sua abordagem, transformando o procedimento legal em um processo comunicativo continuado, intitulado Planejamento Antecipado de Cuidados (PAC).

“Trata-se aqui não mais da elaboração de um simples documento, mas de um processo interativo, contínuo, que se desenvolve ao longo do tempo, entre o paciente e o profissional de saúde, de modo que esse possa discutir e perceber com clareza as prioridades, desejos e valores envolvidos numa tomada final de decisão”, pondera o professor.

De acordo com o especialista, para que o documento seja cumprido, é fundamental que ele chegue ao conhecimento do profissional de saúde que irá cuidar do paciente. “Nos países onde há o Registro Nacional de Testamento Vitais (Rentev), o médico pode ter acesso ao documento mediante uma senha. É importante um contato com o procurador de saúde, designado pelo paciente. Esse procurador, conhecendo os valores do paciente, pode discutir com o profissional a melhor maneira para respeitar o documento. E, finalmente, com o PAC devidamente anotado no prontuário, torna tudo mais fácil”, completou.

Participação
Para o professor, é importante diferenciar o procedimento com a prática da eutanásia. “Não se pode confundir abreviação da vida do paciente com a prestação dos cuidados paliativos adequados. E cabe ressaltar que as disposições elaboradas podem ser modificadas a qualquer tempo, pelo seu titular, no gozo de suas faculdades mentais”, esclarece.

Mesmo amparado pelo Código de Ética Médica, para que o Testamento Vital ou as Diretivas Antecipadas da Vontade sejam respeitados, é necessário que a documentação não conflite com os dispositivos éticos que regulamentam a prática da medicina. Assim, nos procedimentos de decisão sobre final de vida, será possível alcançar os anseios e objetivos reais do paciente.

Outro ponto destacado pelo professor é o estímulo da conversa e participação dos familiares nas discussões. “Assim, é mais provável que nos procedimentos de decisão sobre final de vida se alcance os anseios e objetivos reais do paciente”, conclui.