The Lancet lança série sobre doença de Alzheimer com participação de professor da Medicina
São três artigos que abordam o novo cenário do Alzheimer, escritos com a colaboração de 40 dos principais especialistas do mundo na doença, dentre eles, o professor Paulo Caramelli.
23 de setembro de 2025 - Alzheimer, Doença de Alzheimer, Pesquisa, prevenção Alzheimer, The Lancet

A revista científica The Lancet está lançando uma série de três artigos sobre o novo cenário clínico da doença de Alzheimer. Os artigos, escritos por 40 dos principais especialistas do mundo na doença, dentre eles o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Paulo Caramelli, buscam resumir o conhecimento atual e destacar os próximos passos no diagnóstico, tratamento e prevenção do Alzheimer.
“A revista The Lancet tem uma tradição de, periodicamente, publicar artigos de atualização, revisão, sobre temas importantes da medicina. No caso específico da doença de Alzheimer serão três artigos: o primeiro sobre diagnóstico, o segundo sobre tratamento, e o terceiro sobre o futuro, com ênfase em novos métodos diagnósticos e novas terapias”, explica o professor.
O professor Paulo Caramelli fará sua contribuição no segundo artigo, sobre o tratamento da doença. De acordo com ele, o convite foi feito pelo professor Giovanni Frisoni da Universidade de Genebra, que é o coordenador da série de artigos. “Ele que idealizou os conteúdos, a distribuição dos temas e convidou um conjunto de colegas para cada um dos artigos, buscando uma representatividade internacional de pessoas que têm atividade de pesquisa nesse campo”, aponta Caramelli.
Na medida em que a população mundial está envelhecendo, as demências são uma questão maior de saúde pública, e a doença de Alzheimer é a principal causa de demência. A revista The Lancet é um dos principais periódicos científicos na área de medicina e tem um papel bem estabelecido e importante na atualização médica. Nesse caso do Alzheimer, a ideia é atingir um público bastante amplo de médicos e profissionais de saúde que buscam atualização sobre um tema que interessa a todos.
Caramelli explica que a ideia é que esses estudos possam contribuir na melhora de conhecimento de médicos e outros profissionais de saúde em torno do tema. Além disso, deve servir de uma atualização bem construída sobre os principais pontos que hoje são abordados e relevantes na doença, como o diagnóstico e o tratamento.
Nos últimos anos, sobretudo na última década, houve um avanço muito grande no diagnóstico da doença com o desenvolvimento de biomarcadores, métodos diagnósticos que permitem a detecção mais precoce e mais precisa, e com isso o desenvolvimento de novas terapias. “A ideia é fazer uma revisão desses avanços, apresentando o estado da arte do diagnóstico e do tratamento no momento atual, além de controvérsias e projeções para o futuro”, destaca.
A doença de Alzheimer representa cerca de 60% de todos os casos de demência e é uma das principais causas de incapacidade, resultando em altos custos sociais e econômicos. Apesar disso, o professor explica que existem outras causas de demência e, muitas vezes, aparecem em associação.
“Por exemplo, a doença de Alzheimer está associada à doença vascular cerebral, e nesses casos a demência resulta dessa combinação. Nós sabemos também que no caso da doença de Alzheimer, quando a pessoa manifesta os sintomas, o processo biológico, ou seja, as alterações cerebrais, já estão ocorrendo há 15 anos até 20 anos. De modo que um outro ponto muito importante de ser lembrado é a prevenção”, pontua.
Ele ainda aponta a existência de um conjunto de fatores de risco modificáveis que, uma vez eliminados ou controlados, reduzem o risco de uma pessoa desenvolver demência. Isso tem que ser identificado e abordado ao longo da vida, na infância, na adolescência, por exemplo, com melhora das condições de educação da população, passando pela meia-idade e depois com os indivíduos idosos. Ele afirma que esse aspecto deve fazer parte de políticas de saúde pública em todos os países onde o problema das demências vem assumindo proporções cada vez maiores.
O lançamento acontece hoje, 23 de setembro, em Genebra e amanhã, 24 de setembro, no Brasil, na Faculdade de Medicina da UFMG, no auditório Amílcar Vianna Martins, sala 062, com participação remota do Prof. Frisoni, que apresentará uma síntese em inglês dos três artigos.
Sobre a doença de Alzheimer: o que dizem os artigos?
De acordo com os artigos, novos tratamentos com anticorpos – donanemabe e lecanemabe – podem desacelerar a progressão da doença de Alzheimer. Uma análise sugere que a redução da incapacidade com esses medicamentos é comparável à de tratamentos já consolidados para câncer de mama e de pulmão, esclerose múltipla e artrite reumatoide. Contudo, os autores alertam que diferenças de idade, desfechos clínicos e efeitos colaterais exigem cautela nessas comparações.
Como a demência impõe um grande custo econômico, esses novos medicamentos podem ser custo-efetivos se os preços e custos de aplicação forem significativamente reduzidos em relação aos níveis atuais.
Para a utilização desses tratamentos de forma eficaz, os médicos precisam de diversos exames complementares, o que inclui exames de imagem cerebral, do líquido cefalorraquidiano e de sangue, além de avaliações de memória e cognição. Esses exames são um passo fundamental para avaliar quem pode receber os novos tratamentos aprovados, o que acarretará em mudanças para os sistemas de saúde de todo o mundo.
“Um ponto importante nesses três artigos de atualização é contribuir para que o diagnóstico seja feito de forma mais precisa e precoce, um tempo menor do que é feito habitualmente em todo o mundo, mas especialmente no Brasil e em outros países da América Latina”, destaca Caramelli.
Além da perda de memória, o Alzheimer pode apresentar outros sintomas, como por exemplo, agitação e agressividade. Nesses casos, abordagens não medicamentosas (como interação social, atividades personalizadas e prevenção de gatilhos específicos) podem melhorar a condição.
Frequentemente medicamentos substituem essas estratégias devido à falta de treinamento, apoio e equipe para os cuidadores, o que pode resultar em piores desfechos para os pacientes.
Dessa forma, profissionais de saúde devem reconhecer os casos em que medicamentos psicotrópicos são necessários para tratar sintomas da doença, mas é preciso usá-los com cautela e seguindo recomendações claras.
Quanto à prevenção, os especialistas afirmam que por meio de programas personalizados é possível iniciá-la antes dos sintomas aparecerem. Novos serviços de saúde cerebral irão testar a prevenção da doença, identificando pacientes de alto risco e oferecendo programas personalizados de tratamento.
Para algumas dessas pessoas, podem ser aplicadas mudanças saudáveis no estilo de vida e para outras, um medicamento específico para a doença de Alzheimer poderá ser necessário.
De acordo com o professor, quando você não tem a identificação do problema, isso torna aquele problema ainda mais impactante, ainda mais sério, de modo que a série de artigos é mais uma pequena peça dentro de um complexo conjunto de necessidades, para que se possa melhorar o diagnóstico e o tratamento de demência e de doença de Alzheimer no país.
“Acredito que esses artigos possam ser uma fonte de atualização, de informação para médicos e profissionais de saúde que atuam tanto na atenção primária quanto na atenção secundária, e assim, quem sabe, contribuindo para melhorar esse cenário preocupante que existe não só no Brasil, mas mesmo em países de alta renda, em que o subdiagnóstico, é uma questão frequente”.
Paulo Caramelli
Por fim, para o professor o convite para fazer parte dessa série de artigos da The Lancet é, mais do que um reconhecimento pessoal, um reconhecimento dos pesquisadores que atuam no Brasil nesse campo. Ele conta que o Brasil tem tido um protagonismo crescente nas pesquisas em doença de Alzheimer e desordens relacionadas. “Eu vejo esse convite como um reconhecimento à qualidade do trabalho que tem sido feito pela comunidade de pesquisadores do país”.
“Desde 1997 a Academia Brasileira de Neurologia organiza a cada dois anos uma reunião de pesquisadores brasileiros nessa área. Neste ano, de 30 de outubro a 01 de novembro, a reunião vai ocorrer em Belo Horizonte. É a segunda vez que ela ocorre em Minas Gerais, em 2007 e agora em 2025, e o número de trabalhos e de participantes cresce a cada edição. Isso demonstra a força e a qualidade das pesquisas feitas no Brasil”, declara Caramelli.
The Lancet
Fundado em 1823, no Reino Unido, o periódico The Lancet é atualmente uma das mais importantes publicações científicas na área médica. Nele são publicados artigos originais sobre pesquisas e livros, bem como inovações e notícias da área médica.