Trabalhadores da saúde reproduzem estereótipo da violência ao usuário de drogas
20 de dezembro de 2018
*Carol Prado
Estudo confirma violências sutis contra pacientes em tratamento de álcool e drogas na região metropolitana de BH
Estudo realizado pelo psicólogo Carlos Alberto Pereira Pinto avaliou a reprodução de estereótipos e de violência contra pacientes em tratamento de álcool e drogas por profissionais da saúde que os tratam. A pesquisa foi desenvolvida a partir da experiência do psicólogo como gestor de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD), na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em que foi possível levantar hipótese sobre a violência direcionada aos pacientes usuários de álcool e drogas.
“Durante esse tempo como gestor do CAPSAD, percebi essas atitudes que, na minha hipótese, eram violências sutis ao usuário em tratamento. Eu me perguntava, isso é de fato uma violência?” conta.
O estudo qualitativo, apresentado em forma de Dissertação no Programa de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência e orientado pela professora Cristiane de Freitas Cunha, foi desenvolvido a partir de entrevistas com 12 trabalhadores de três diferentes unidades dos CAPSADs, em Contagem, Betim e Barreiro.
“A conclusão do estudo foi que sim, a violência existe, e se pauta de um senso comum e estereotipamento do usuário”, afirmou Carlos Alberto. “Há uma reprodução de um discurso que, mesmo reverberado em práticas ditas assistenciais, ainda são muito calcadas a partir da moral, do medo, na procura de um grande ‘culpado’ para a situação”, destaca. “Essa associação drogas e violência repercute no imaginário dos sujeitos, e o trabalhador também leva isso para si”, conclui.
Carlos revela que não foram todos os trabalhadores entrevistados que apresentaram discurso violento e preconceituoso, mas que todos eles afirmaram observar esse tipo de comportamento no seu local de trabalho.
Três Categorias
Dentro do estereótipo do uso de drogas, o pesquisador chegou a três categorias em que há a reprodução de violências sutis dos trabalhadores da saúde: julgamento moral, relação familiar e o estereótipo do usuário como uma pessoa violenta.
Possessão
“A primeira categoria mostra que o uso de drogas é quase sempre pautado num julgamento moral. Muito nessa perspectiva de entender o usuário como um sujeito descomprometido, que a droga deturpa o caráter desse sujeito. É como se a droga fosse um ser personificado. Tem, inclusive, um ser espiritual, um ‘demônio’ que se apossa dessa pessoa, o que a faz perder a capacidade de julgamento e avaliação de atitudes”, explica o pesquisador.
Extremos
“A segunda é o uso de drogas e a relação familiar, que se desdobra em dois aspectos: tanto o uso em si, o usuário como aquele que desestabiliza toda a estrutura familiar. E o outro que é o núcleo familiar como algo que potencializa ou desencadeia o uso de drogas. Os dois casos são extremismos”, diz Carlos.
Culpado
“Aquela ideia de que ‘o sujeito usa drogas porque tem aquela família desestruturada’. Mas o que é uma família desestruturada? Ter uma família desestruturada significa necessariamente entrar num vício? ” questiona. “Esse é um dado importante que vai ao encontro de um extremismo. É tudo ou nada tentando achar um culpado para o fenômeno em si”, acredita.
Senso comum
“Outro aspecto é a questão da ‘produção de um sujeito violento’. Essa concepção é muito forte e foi historicamente construída. O que os resultados apontam é que a percepção dos trabalhadores da saúde ainda está muito próxima do senso comum sobre o usuário”, argumenta Carlos Alberto.
Desmistificar para dar assistência
O psicólogo aponta a necessidade de uma formação não-técnica, no sentido de desmistificar o imaginário existente acerca das drogas e do usuário.
“A conclusão do trabalho é que, apesar da construção dessa política assistencial pautada no cuidado, ainda precisamos trabalhar na perspectiva do paciente. Precisamos criar espaços onde o trabalhar possa dizer de seus receios e pensamentos sobre o usuário, sem nenhum tipo de perseguição ou opressão, para que os estereótipos possam ser quebrados”, diz.
De acordo com ele, o trabalho ajuda apontado a necessidade de investimento na formação do trabalhador. “Isso vai repercutir numa melhor assistência para o usuário e a família. E, é claro, na importância da atenção e cuidado com esse trabalhador”, alega Carlos.
O psicólogo conclui que é importante reforçar e acreditar nas políticas de construção coletiva. “A reforma psiquiátrica e o trabalho em rede de atenção psicossocial é um trabalho de mais de 30 anos, envolvendo profissionais, gestões, usuários e, infelizmente, temos visto um retrocesso”, enfatiza.
Nome do trabalho: Análise das Representações Sociais dos Trabalhadores da Saúde Mental dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), acerca da assistência aos usuários atendidos nesses serviços.
Autor: Carlos Alberto Pereira Pinto
Nível: Mestrado
Programa: Promoção de Saúde e Prevenção da Violência
Orientador: Cristiane de Freitas Cunha
Coorientador: Renato Diniz Silveira
Data da defesa: 16 de maio de 2018
*Carol Prado – estagiária de Jornalismo
Edição: Karla Scarmigliat