Tratamento do hipotireoidismo congênito possibilita desempenho intelectual adequado

Estudo avaliou cognição em jovens de Minas Gerais.


19 de abril de 2017


Dissertação da UFMG avaliou cognição em jovens acompanhados pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais.

Diagnóstico precoce e acompanhamento médico regular podem garantir às pessoas com hipotireoidismo congênito um desempenho cognitivo (intelectual) semelhante ao de indivíduos que não têm a doença. Essa é a conclusão de dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG que avaliou 63 jovens, dos 11 aos 16 anos, divididos entre aqueles que convivem e não convivem com a doença congênita.

Estudo de Jéssica de Andrade avaliou cognição de jovens com hipotireoidismo congênito. Foto: Rafaella Arruda.

O hipotireoidismo congênito é caracterizado pela produção baixa ou nula do hormônio da glândula tireoide, localizada na região do pescoço. “Esse hormônio é fundamental para o desenvolvimento do sistema nervoso central e sua privação na vida fetal e primeiros três anos de vida pode causar danos irreversíveis ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança”, explica a autora do estudo, a psicóloga Jéssica de Andrade. Segundo a pesquisadora, mesmo com o tratamento precoce ainda restam dúvidas sobre a ocorrência de pequenas alterações no funcionamento da glândula tireoide, o que poderia causar déficits de inteligência: “Por isso é importante avaliar as funções cognitivas desses pacientes”.

Participaram do estudo, como grupo caso, 34 pacientes diagnosticados pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais e acompanhados pelo Hospital das Clínicas da UFMG, todos eles com a forma primária e permanente da doença, considerada a mais comum e que exige acompanhamento por toda a vida. “Os 29 participantes do grupo controle (sem a doença) foram recrutados em uma escola pública e pareados aos demais por idade, sexo, escolaridade e nível socioeconômico”, informa Jéssica.

Instrumentos e avaliação cognitiva

O desempenho cognitivo das crianças e jovens foi avaliado em termos globais e específicos. Para isto, instrumentos neuropsicológicos de referência mundial, como o WISC IV, que gera resultados em QI (quociente de inteligência), e os testes de Fluência Verbal e dos Cubos de Corsi, que analisam, respectivamente, as habilidades de execução do cérebro e a memória visual, foram aplicados a todos os participantes.

Posteriormente, os resultados da avaliação foram comparados entre os grupos caso e controle e, também, analisados isoladamente dentro do grupo de pacientes, para compreender a relação dos dados com as diferentes causas da doença. “Foi feita ainda uma análise para identificar, no grupo caso, a associação entre os resultados da avaliação neuropsicológica e a escolaridade do cuidador, o nível socioeconômico e os aspectos do tratamento”, acrescenta a pesquisadora.

Resultados e a importância do tratamento

Grupos com e sem hipotireoidismo congênito demonstraram desempenho cognitivo semelhante. Foto: Banco de imagens.

O estudo revelou que os participantes dos grupos caso e controle obtiveram capacidade intelectual similar: o QI médio encontrado foi 92,5 e 96 para cada grupo, respectivamente. “As crianças com hipotireoidismo congênito podem vir a ter alguma dificuldade no desempenho cognitivo de forma geral, como se queixam algumas mães em relação ao desempenho dos filhos na escola, mas o estudo mostra que essas dificuldades podem ser pontuais. Como um todo, na prática, estas crianças têm um desempenho cognitivo semelhante ao das crianças saudáveis”, explica Jéssica.

O índice de compreensão verbal, que demonstra a capacidade de raciocínio verbal, foi o único resultado que apresentou diferença estatística significativa entre os grupos. “Porém, essa diferença não tende a ser muito relevante na prática”, afirma a psicóloga.

Considerando apenas o grupo caso, as diferentes causas da doença, como inexistência ou malformação da glândula tireoide ou incapacidade de produção do hormônio tireoidiano, não tiveram influência sobre a capacidade cognitiva obtida. Já os fatores socioeconômicos e de tratamento se mostraram influenciadores deste desempenho. Como afirma a pesquisadora, filhos de mães com maior escolaridade tendem a ter desempenho cognitivo maior, assim como crianças com maior nível socioeconômico: “Isso vale para a maioria das crianças, pois o desempenho cognitivo está muito relacionado aos estímulos que ela recebe e de onde elas vêm”. Referente ao tratamento, a relação encontrada foi a mesma: quanto maior a dose inicial do medicamento, melhor o desempenho cognitivo.

Para a psicóloga, os resultados mostram a importância do diagnóstico precoce e do tratamento: “Não tínhamos nenhum estudo de avaliação cognitiva com as crianças triadas aqui. Então, com a pesquisa, eu vi que as crianças em acompanhamento para o hipotireoidismo congênito têm um desempenho cognitivo adequado, o que mostra que o Programa de Triagem Neonatal funciona e deve continuar”. A intenção é também conscientizar as próprias famílias sobre seu papel no processo de tratamento. “O objetivo maior é fazer com que pacientes e responsáveis entendam a importância de se tomar o medicamento. Isto vai influenciar o desempenho futuro da criança na escola e no ambiente de trabalho”, conclui.

Dissertação: Avaliação cognitiva de crianças e adolescentes com hipotireoidismo congênito triados pelo programa estadual de triagem neonatal de minas gerais (PTN-MG)

Autora: Jéssica Evelyn de Andrade

Data da defesa: 14/03/2017

Orientação: Profa. Ivani Novato Silva – UFMG