Usuários de planos de saúde mais caros recorrem mais à justiça

Ações vão na contramão da democratização da saúde e, muitas vezes, não seguem indicações médicas


08 de janeiro de 2020 - , , , ,


*com Laryssa Campos

A desigualdade também afeta usuários de planos de saúde. Em comparação com os clientes de menor renda, os pacientes com melhores condições financeiras judicializaram mais o convênio a fim de garantir serviços e insumos que o plano não cobre, o que eleva os custos para todos. A pesquisa realizada por Luís Edmundo Teixeira, pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, identificou o perfil dos clientes que judicializam o contrato, a partir da análise de alguns fatores.

A pesquisa identificou o agravamento da desigualdade. Isso porque os pacientes que judicializam e ganham a causa na justiça contra os planos têm seus pedidos pagos pelos demais clientes do convênio. “Os recursos gastos com a judicialização são deslocados para os usuários que não judicializaram, porque o valor do plano em geral é aumentado”, explica o autor. 

O que é judicialização? Segundo a professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Eli Iôla Gurgel, esse fenômeno se iniciou na década de 1990 com a participação da Justiça para resolver conflitos sobre saúde. O caso que marca esse início é o atendimento a pessoas com AIDS, que conseguiram reverter negativas de tratamento por parte de operadores de planos de saúde. Hoje a Justiça atua tanto na sáude privada quanto na pública, convocada a tomar decisões.

O pesquisador conta que foram avaliados os tipos de contrato, local de residência, as causas da ação e o tempo de demora delas no judiciário. As pessoas que mais judicializaram tinham planos individuais e moravam na região centro-sul da cidade. Além disso, esses pacientes são atendidos em rede ampla, o que dá mais opções de acesso a serviços como clínicas e laboratórios. 

Em todas essas possibilidades, o autor afirma que os contratos são mais caros que os demais. “Por exemplo, o contrato individual tem um valor maior do que o contrato coletivo. Inferimos que quem tem esse tipo de contrato tem mais recursos do que quem tem o contrato coletivo”, relata. 

Decisões equivocadas

O autor conta que o número de judicializações vêm aumentando ao longo dos anos, pois os ganhos de causa sempre têm sido dos pacientes. Muitas vezes, são desconsiderados pareceres técnicos sobre o tema. “Mesmo o especialista afirmando que aquilo pode até fazer mal para aquela pessoa, o judiciário às vezes resolve que o paciente deve receber o que está solicitando”, conta. 

“Baseado no fato da pessoa ter direito à saúde e na soberania do médico para cuidar do paciente, o judiciário sempre estabelece ganho de causa do paciente”, observa Luis. 

O pesquisador acredita que esse fenômeno ocorra pela ação de grupos nomeados por ele como “indústria da saúde”. A partir desse método é possível colocar no mercado produtos sem eficácia ainda comprovada. “Um medicamento para ser utilizado precisa cumprir diversas etapas, como comprovação da eficácia, aprovação da Anvisa e do Qualitec”, conta.  “A indústria atravessa isso através da judicialização, colocando esse medicamento no mercado de uma maneira que realmente não é possível saber da eficácia”, continua. 

Para alcançar esse objetivo, o pesquisador revela que as empresas de medicamentos, órtese e prótese, convencem os médicos a receitarem os seus produtos aos pacientes. Por sua vez, as pessoas judicializam para ter acesso ao produto que não está disponível no mercado. “Essa tática tem provocado gasto muito grande para os gestores da saúde, que precisam readequar as contas para entregar o que foi solicitado”, afirma. 

Luis avaliou as ações judiciais contra uma operadora de planos de saúde durante o período entre 2010 e 2017. Foto: Carol Morena.

Luís defende a importância da judicialização em certos contextos. “Esse instrumento é importante e tem que ocorrer, pois ela permite ao cidadão exercer a cidadania e lutar pelos seus direitos”, pontua. “Mas gostaríamos de contribuir para que a judicialização favorecesse aos menos favorecidos e tentasse diminuir as iniquidades”, afirma.

Na mesma linha está a professora Eli Iôla, que foi orientadora da pesquisa. Segundo ela, é necessário olharmos a questão de diversos ângulos. “De fato a Constituição Federal prevê o direito à saúde ao mesmo tempo que se cria o SUS, que deveria ser capaz de garantir universalidade de acesso, igualdade, integralidade, etc. Devido à dificuldade de financiamento, existe um descompasso entre o que a sociedade colocou na Constituição e a prática, o que gera esse lugar de reivindicação do Direito”, analisa. Ao mesmo tempo, o fenômeno se tornou uma janela para entrada de medicamentos de alto custo pagos pelo Estado, que contraditoriamente beneficiam quem pode pagar por advogados.

Ainda segundo a professora, o perfil da judicialização no setor privado indica uma prevalência de ações envolvendo atendimento em relação ao contrato. “O resultado é interessante, já que, se a empresa não reage em relação a esse quadro, isso sugere que não custa tanto assim para a empresa encarar os processos. Então vale a pena conviver com a judicialização, em vez de abrir o atendimento daqueles casos para todos os clientes”, explica.

A mudança é possível 

O pesquisador Luis Teixeira acredita que a judicialização mais justa é possível. Para isso é necessário que os juízes sigam as indicações dos médicos consultados. “Precisamos que as decisões judiciais sigam os pareceres técnicos e as normas técnicas. Aquilo chamado de Medicina baseada em evidências”, expõe.

Além disso, afirma a importância de o judiciário entender as implicações das decisões sobre o sistema de saúde. “Diversas pessoas que tentam lutar e ter um plano de saúde para ter uma assistência melhor para a família são impactadas”, destaca. 


Título: A judicialização na Saúde Suplementar: uma avaliação das ações judiciais contra uma operadora de planos de saúde, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2010-2017
Programa: Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Autor: Luis Edmundo Noronha Teixeira
Orientadora: Eli Iola Gurgel Andrade
Data de Defesa: 19 de fevereiro de 2019

Laryssa Campos – estagiária de Jornalismo
Edição – Vitor Maia