“Vida após a vida” celebra 18 anos com mil doadores cadastrados

Projeto é referência nacional em doação de corpos para estudo de anatomia.


12 de setembro de 2017


Projeto é referência nacional sobre doação de corpos para estudo de anatomia

                                                                     Ives Teixeira Souza*

 

Aula de anatomia. Foto: Carol Morena

Se a doação de órgãos gera benefícios imediatos a quem recebe, a doação de corpos propicia conhecimento às gerações. Desde 1999, quando foi criado, o programa “Vida após a Vida” proporciona para os alunos das aulas de anatomia da Faculdade de Medicina da UFMG a utilização dos corpos de doadores voluntários para estudo.

Em agosto, o número de pessoas cadastradas para doação chegou a mil voluntários. O conhecimento adquirido pelos profissionais de saúde para cuidar de outras pessoas ao longo de suas trajetórias profissionais fez com que Arlen Henrique, 30 anos, decidisse doar o corpo para a Faculdade. “Por questões filosóficas e religiosas essa minha relação com o corpo é muito tranquila’, afirma.

Para o coordenador do “Vida após a Vida” e vice-diretor da Faculdade, professor Humberto Alves, é gratificante acompanhar a quantidade de pessoas que pretendem realizar a doação. “Percebo o prazer, a satisfação das pessoas de vir aqui ajudar. É bonito o altruísmo das pessoas. E ao longo desses anos o que a gente verifica é que tem mais pessoas querendo fazer isso do que era imaginado”.

A aluna de Medicina Gabriela Ruiz, que foi monitora da disciplina de anatomia por três anos, conta que a vontade de doar precisa partir da pessoa. “É um gesto totalmente não egoísta. Abrir mão disso é um gesto extremamente altruísta”. Ela também destaca a diferença entre estudar com os cadáveres. “São variações anatômicas, como órgãos de tamanhos distintos, alturas e tamanhos diversos. Então, isso traz um realismo muito grande para o aprendizado de anatomia. Conhecer aquilo tudo é essencial. Não é à toa que é uma disciplina do ciclo básico”, enfatiza.

Comemoração

Nesses 18 anos de projeto, mais de 60 corpos foram encaminhados para a Faculdade de Medicina da UFMG. “Esse é o momento para a gente refletir sobre o programa, a importância dele, que é fundamental para a formação dos profissionais da área de saúde”, compreende Humberto Alves.

Diante da procura de algumas pessoas que manifestaram o desejo de doar o corpo à Faculdade, o professor Geraldo Brasileiro Filho, em 1999, procurou as instâncias superiores de administração da Universidade para reafirmar a possibilidade real de existência do projeto. ‘“Não podemos esquecer dele, que foi quem acolheu essa ideia”, destaca.

Outra reflexão aprofundada pelo programa é propiciar aos alunos um maior conhecimento na relação entre o cuidar do paciente e a morte. “Por mais competente que o profissional de saúde seja, chega um momento em que ele não pode alterar a questão da finitude da vida”, explica Humberto Alves. Segundo ele, isso exige do profissional um modo de lidar com o corpo sem vida, o que pode impactá-lo de diversas maneiras.

Referência Nacional

O professor comenta que universidades mineiras também estão iniciando programas de doação de corpos semelhantes ao “Vida após a Vida”. “Algo que nos orgulha muito é que já há projetos semelhantes que foram criados, como o da UFSJ, e em que estão em processo de criação, como a da UEMG, em Passos, a partir da nossa experiência”, comemora.

Além da estrutura logística necessária para a realização do projeto, a experiência maior da Faculdade de Medicina da UFMG é a demonstração de que há pessoas com o desejo de doarem os corpos. “Nós temos a satisfação de mostrar para as faculdades sobre a possibilidade das pessoas daquela região doarem”, explica.

Para auxiliar na compreensão do próprio programa, alunos de iniciação científica, sob orientação do professor Humberto Alves, desenvolvem um estudo do perfil sócio-econômico e demográfico dos doadores. Gabriela Ruiz, que também é uma das integrantes da pesquisa, conta que conhecer a motivação dos doadores é um dos principais motivos que a faz participar. “Desde a primeira aula de anatomia eu ficava perguntando sobre quem eram aquelas pessoas, os motivos que as fizeram doar”, conta Gabriela. A curiosidade resultou em dados concretos sobre o projeto, que só nesse ano registrou mais de 200 doadores cadastrados.


Novas ações

“A divulgação tem um papel fundamental nessa história”, compreende Humberto. Se no início do projeto o professor acredita que o pioneirismo da iniciativa e a relação com a morte atrapalhavam a divulgação midiática, por outro lado a divulgação entre as pessoas foi fundamental para a consolidação do projeto. Fernanda Silva, por exemplo, de 30 anos, conta que conheceu o projeto por meio de uma reportagem em um programa de televisão.

Diante de números tão expressivos, a intenção é ampliar a utilização dos corpos do “Vida após a Vida”, incluindo a parceria com outras faculdades. ”É algo que nós estamos estudando para aproveitar e atrair mais pessoas para otimizar a utilização dos corpos, com profissionais já formados, residentes, cursos de extensão cursos extras para os próprios alunos de graduação de outras faculdades”, explica Humberto.

Outro ponto importante é viabilizar o projeto do mausoléu da Faculdade no Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte, em agradecimento aos doadores. “É importante fazer um esforço grande no sentido de realizar isso, inclusive, para alguns familiares terem um ponto de referência, já que são eles os responsáveis pela concretização da doação para a Instituição”, diz o professor.

Mais informações: na página do “Vida após a Vida”, pelos telefones (31) 3409 9739 ou (31) 3409 9632, ou ainda pelo e-mail vidaaposavida@gmail.com.

*Redação: Ives Teixeira Souza – estagiário de jornalismo

Edição: Mariana Pires