Violência no trânsito: o individualismo em números

Na nova edição das “Aspas Sonoras”, entenda como os altos índices da violência no trânsito traduzem uma sociedade de comportamentos individualistas


11 de maio de 2017


Na nova edição das “Aspas Sonoras”, entenda como os altos índices da violência no trânsito traduzem uma sociedade de comportamentos individualistas

Bruna Leles*

O individualismo na sociedade brasileira não envolve somente as pessoas, mas também os espaços de convivência e os meios de locomoção dessas pessoas. Neste contexto, surge a violência no trânsito, às vezes sobreposta por outras formas de violência, como uma agressão verbal. Hoje, o Brasil é o quarto país do mundo com o maior volume de vítimas no trânsito – segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 45 mil pessoas morrem por ano devido aos acidentes em ruas, avenidas, estradas e rodovias.

A título de comparação, esses números são superiores à média de óbitos por ano nos recentes conflitos na Síria. Para a mestre em promoção da saúde e prevenção da violência pela Faculdade de Medicina da UFMG e coordenadora da Educação para Trânsito do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DEER/MG), Rosely Fantoni, a conduta dos indivíduos no trânsito muitas vezes traduz o modo de vida e até a cultura de uma sociedade:

 

Assim como foi discutido no programa de sexta-feira da série “As Faces da Violência”, produzida pelo Saúde com Ciência, vive-se em uma sociedade que, cada vez mais, “naturaliza” o individualismo e o egoísmo.

A professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social e coordenadora do Núcleo de Promoção de Saúde e Paz da Faculdade de Medicina da UFMG, Elza Machado, fala sobre a relação do individualismo disseminado no convívio social com os altos índices de violência na sociedade brasileira:

Representação de acidente na Faculdade de Medicina. Foto: Carol Morena

 

Outros números da violência

Estimativa divulgada no ano passado pela OMS revela que o país apresenta uma taxa de 23,4 óbitos no trânsito a cada 100 mil habitantes. Os motivos que levam tantas pessoas à morte são quase sempre os mesmos: excesso de velocidade, embriaguez e ultrapassagens indevidas, dentre outras violações à legislação. No Carnaval deste ano, a Polícia Rodoviária Federal registrou 1.696 acidentes nas rodovias federais do país, sendo 140 óbitos.

Além de demonstrar a gravidade da violência no trânsito brasileiro, esse panorama também indica uma “banalização” dos acidentes. Em geral, quando uma pessoa morre em um acidente de trânsito não há questionamento do a que levou ao acidente. É o que reflete Rosely Fantoni sobre a repercussão dos casos e a imprudência dos envolvidos no trânsito:

 

Pequenas violências

Se os números e óbitos relacionados aos acidentes no trânsito preocupam, as “pequenas” violências cometidas nas ruas também são importantes e contribuem para esse cenário. Diariamente, diversas regras como parar em fila dupla ou estacionar em vagas para idosos ou deficientes são violadas – muitas vezes, essa violação traz a ideia de que pode ser feita por não colocar a vida de outras pessoas em risco.

Tal forma de pensar, porém, corrobora com a violência velada e sutil encontrada nas cidades. A psicóloga Rosely compara a situação do trânsito brasileiro a uma guerra onde, além de ferir fisicamente os cidadãos, compromete até mesmo os direitos constitucionais:

 

O individualismo presente no trânsito também pode ser percebido em uma possível inversão de papeis. Em algum momento, os motoristas serão pedestres, mas muitos não respeitam o espaço do outro ao avançarem sinais ou estacionarem seus carros nas faixas de pedestre, por exemplo. Ou seja, o comportamento de cada um varia de acordo com sua posição no trânsito e, dificilmente, os condutores se percebem como pedestres.

A violência no trânsito também não se resume às situações e infrações mais conhecidas, como o excesso de velocidade. Rosely Fantoni finaliza com outras formas de violência que ocorrem nesse ambiente, mas que podem passar despercebidas:

 

ASPAS SONORAS

As “Aspas Sonoras”, produção do Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG, ampliam a discussão sobre os temas abordados nas séries realizadas pelo programa de rádio Saúde com Ciência. As matérias apresentam áudios e textos inéditos daquilo que foi apurado durante as produções.

A série As Faces da Violência foi ao ar entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro de 2017. Nela, foram tratados assuntos como a relação entre diversas formas de violência e a natureza do comportamento violento, além da repercussão desse comportamento em aglomerados e entre grupos de vulnerabilidade social, como crianças e a comunidade LGBT.

*Editado por Lucas Rodrigues

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