Câncer não é mais sentença de morte, diz oncologista


08 de abril de 2013


No Dia Mundial de Combate ao Câncer, o Portal UFMG publicou entrevista com o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG André Márcio Murad, responsável pela introdução da disciplina de Oncologia no currículo do curso de Medicina. Confira:

André Murad - Luana Macieira

Segundo André Murad, medicamentos alvo moleculares são o futuro da oncologia - Foto: Luana Macieira

 

Por que o câncer assusta tanto?

Ainda existe um estigma sobre o câncer. Algumas pessoas veem a doença como um atestado de óbito, uma sentença de morte. Mas a medicina evoluiu muito, podemos dizer com muita tranquilidade que o câncer já é uma doença curável, desde que descoberto precocemente. Na fase mais avançada, a medicina também evoluiu bastante. Quando eu comecei a estudar oncologia, na década de 1980, o índice de cura girava em torno de 20% a 25%. Tinha-se, também, uma crença de que a quimioterapia era pior que a doença, porque trazia dores, infecções, diarreia, náuseas e queda de cabelo.

Lembro que quando o paciente morria de câncer, a família pedia que não colocássemos a real causa da morte no atestado de óbito, porque o câncer era visto como algo até mesmo contagioso. As pessoas tinham vergonha do câncer. Hoje, nosso índice de cura está em torno de 50%. Ainda há muito a ser feito, mas a perspectiva é muito boa, graças às mudanças de paradigma no tratamento da doença.

Como o tratamento evoluiu?

Antes o tratamento era focado em quimioterapia, um sistema doloroso e com muitos efeitos colaterais. Hoje há drogas mais modernas, com outro conceito de funcionamento, que são os chamados medicamentos alvo moleculares. O câncer ocorre quando a célula tumoral sofre mutação genética nos genes responsáveis pelo controle da multiplicação celular e há, então, a produção de proteínas que estimulam seu crescimento e sua multiplicação desordenada. Os medicamentos de tecnologia alvo molecular têm atuação mais direcionada, atacando especificamente as células doentes. Eles identificam os genes doentes e agem sobre eles. Antes, a quimioterapia atacava células tumorais e as saudáveis, também. As drogas de hoje são mais diretas, atacam a causa do problema.

As novas tecnologias dos medicamentos alvo moleculares permitem maior taxa de cura dos pacientes com câncer?

A cura está diretamente ligada ao tempo com que o diagnóstico do câncer é feito. O diagnóstico precoce ainda é essencial para o sucesso de qualquer tratamento. Porém, em casos de câncer mais avançado, os medicamentos alvo moleculares permitem que nós “cronifiquemos” a doença, ou seja, que ela seja controlada e o paciente consiga ter uma vida normal mesmo com o câncer. É o que já acontece com os pacientes em tratamento de aids pelo chamado coquetel anti-retroviral: a doença não é curada, mas o tratamento permite uma qualidade de vida aos pacientes. O futuro da oncologia está em usar cada vez mais as medicações alvo moleculares, inclusive de formulação oral, tomadas em casa e com comodidade posológica. Medicamentos venosos e especialmente tóxicos e “não inteligentes” devem ter sua presença progressivamente reduzida no arsenal terapêutico do oncologista, pois estamos testemunhando uma mudança de paradigma e uma revolução na prevenção e na detecção precoce do câncer.

O tratamento do câncer é facilitado pelo governo? Uma pessoa que possui câncer consegue obter um tratamento de qualidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?

Quando eu comecei na oncologia, no final da década de 1980, o tratamento da rede privada era idêntico ao oferecido pela rede pública. Com a incorporação de novos tratamentos e tecnologias, hoje o tratamento do SUS é inferior ao privado. Este, aliás, não deve em nada a qualquer tratamento de ponta oferecido nos melhores hospitais do mundo. Infelizmente, o governo trabalha com recursos nem sempre suficientes e precisa tratar várias doenças, não só o câncer. Então o SUS precisou restringir alguns medicamentos. Porém, há um pacote de drogas que atende basicamente a vários tipos de câncer e que é disponibilizado integralmente pela saúde pública. A grande maioria dos tumores é contemplada pela rede pública, e o paciente recebe um tratamento de qualidade. Mas o SUS não consegue acompanhar a rapidez da evolução dos medicamentos e exames. Se, por exemplo, aparece uma nova droga promissora, pode levar alguns anos até que ela seja realidade nos hospitais públicos.

Quais problemas essa defasagem do SUS em relação a alguns medicamentos novos de combate ao câncer pode trazer?

Essa defasagem alimenta a indústria de liminares. Se o SUS não oferece certo medicamento, a pessoa consegue obtê-lo por meio de liminar conseguida pela justiça, pois, pela lei, todos têm direito ao mesmo tipo de tratamento médico. Essa indústria de liminares precisa ser revista. O que é mais importante? Aumentar a gama de remédios oferecida pela rede pública ou construir um estádio para a Copa do Mundo? Uma solução é o Ministério da Saúde negociar com os laboratórios a compra dos medicamentos por um preço mais barato. A quebra de patentes também seria uma solução, como ocorreu no caso da aids, que hoje é tratada da melhor forma no sistema público de saúde. Essas mudanças vão permitir que toda a população tenha acesso medicamentos, tecnologias e exames mais modernos.

É possível prevenir o câncer ou essa doença ainda tem um forte componente genético?

Apenas 15% dos casos de câncer possuem origem genética. A grande maioria se manifesta devido a fatores ambientais, como os maus hábitos de vida. O cigarro, o álcool, a alimentação nada saudável, a exposição excessiva à luz solar, tudo isso vai favorecer o aparecimento de diversos tipos de câncer.

No caso do cigarro, por exemplo, sabemos que ele causa câncer de pulmão, boca, garganta, laringe, traqueia, esôfago, estômago, bexiga e pâncreas. As pessoas estão sedentárias e obesas. Uma pessoa gorda, barriguda, sedentária, que come mal e faz uso exagerado de bebidas alcoólicas representa um quadro muito favorável ao aparecimento do câncer. Esses fatores são responsáveis por 60 a 70% dos casos e todos são potencialmente controláveis, pois a pessoa pode não fumar, moderar o que come e o que bebe. Alguns agentes infecciosos que causam câncer hoje também podem ser prevenidos através de vacinas, como o vírus da hepatite B e o HPV. O da hepatite B pode causar câncer de fígado e o HPV, de colo uterino, garganta, ânus e vulva. Nesses casos, o uso de preservativos também deve ser estimulado.

E a alimentação? Como ela pode favorecer o aparecimento do câncer?

A cada dia que passa, temos a comprovação científica de que nós somos o que comemos. Isso vale muito para o câncer. Uma forma de preveni-lo é ter uma alimentação mais saudável. A alimentação moderna é péssima e altamente cancerígena: excesso de gordura e proteína animal, embutidos, enlatados e produtos conservados artificialmente. Quando se conserva uma carne, por exemplo, o nitrato é transformado em nitrito e este em nitrosanima, um dos agentes mais cancerígenos que conhecemos. Quando se come um enlatado, algo com muito conservante, é como comer um componente do cigarro.

A alimentação pode agir também do lado oposto, ou seja, na prevenção do câncer?

Sim. Devemos comer alimentos naturais e abusar de verduras, legumes, frutas, cereais e grãos, que além de fazer bem à saúde, são alimentos funcionais e que podem prevenir o câncer. O tomate, por exemplo, tem licopeno, que previne câncer de próstata. A uva tem resveratrol, que também previne o câncer. A couve-flor, o brócolis, o repolho, também possuem elementos anticancerígenos, como o indol-cabinol. A soja pode prevenir o câncer de mama, através dos fitoestrógenos.

E o álcool? Ele também favorece o aparecimento de tumores?

As bebidas destiladas são também cancerígenas e cocancerígenas. Por que o câncer de mama aumentou a incidência em mulheres jovens? Na década de 1970, eram 1,5 casos para cada 100 mil mulheres. Hoje, são três casos para cada 100 mil mulheres. E elas manifestam o câncer cada vez mais jovens. Por que isso acontece? Porque bebem muito mais que antigamente, comem mal, estão obesas e sedentárias. É uma conjunção de fatores que vai favorecer o aparecimento do câncer.

Todo mundo conhece alguém que, apesar de levar uma vida saudável, teve câncer. Por que isso acontece?

Nesses casos, atribuímos a doença à genética, agentes infecciosos, especialmente virais, ou a outras causas desconhecidas. Por mais que a oncologia esteja se desenvolvendo, ainda há mecanismos relacionados ao câncer que são desconhecidos. Muitos casos têm causa genética e podem ser identificados por exame de sangue. A síndrome do câncer de mama familiar é um exemplo. São mulheres abaixo de 40 anos com câncer e muitos casos na família. Aí o tratamento foca no acompanhamento da família e na prevenção. Há uma corrente na medicina que recomenda que essas mulheres tenham filhos logo e removam os ovários, porque aí vamos prevenir o câncer de mama e o de ovário. Ou seja, é possível prevenir a doença até quando ela tem causas genéticas.

Qual é o câncer de maior incidência no Brasil? E o de tratamento mais difícil?

O câncer de pele, com 150 mil casos por ano. O mais perigoso é o melanoma, que pode matar, pois pode evoluir com metástases. Por isso, deve-se ter muito cuidado ao tomar sol, respeitando sempre os horários adequados (até às 10h e depois das 16 h) e abusando do filtro solar. E os cânceres de tratamento mais difícil são o melanoma da pele, o sarcoma (que atinge tecidos moles) e o de rim. Nesses três tumores, a ciência demorou muito tempo para achar uma resposta, uma vez que eles eram resistentes aos tratamentos tradicionais. De quatro anos para cá, eles começaram a ser contemplados com as drogas alvo moleculares, o que facilitou o tratamento.

Como o senhor avalia o estágio do Brasil em relação ao tratamento de câncer?

Nosso país tem uma das legislações mais avançadas do mundo para proteção dos pesquisados, dos pesquisadores e de pessoas que participam de pesquisas. Na UFMG e no Hospital das Clínicas, temos parcerias com vários laboratórios e testamos diversos medicamentos de ponta, que vão chegar ao mercado em quatro, cinco anos. Os medicamentos alvo moleculares são a grande aposta do tratamento do câncer, e as pesquisas mais recentes e modernas giram em torno deles, uma vez que superam a quimioterapia e permitem um tratamento mais humanizado, individualizado e menos doloroso. As pesquisas sobre tratamentos e medicamentos pretendem proporcionar a “vida após o câncer” e a “qualidade de vida com o câncer”. O diagnóstico não é mais uma sentença de morte e isso se deve às novas pesquisas e tecnologias desenvolvidas no mundo inteiro.

(Redação: Luana Macieira – Centro de Comunicação da UFMG)