30% dos pacientes de covid-19 internados em CTIs podem desenvolver trombose

Com esse alerta a mais aos profissionais de saúde, médicos brasileiros elaboraram um protocolo com cuidados de prevenção, diagnóstico e tratamento das complicações tromboembólicas. Entre os autores, há a professora Suely Rezende, da Faculdade de Medicina da UFMG


17 de agosto de 2020 - , , ,


*Giovana Maldini

“Segundo estudos internacionais e alguns dados nacionais, vimos que aproximadamente 30% dos pacientes com covid-19 internados em Centro de Tratamento Intensivo (CTI), podem desenvolver trombose. Enquanto os pacientes internados em enfermarias representam um risco em torno de 3 a 10%, o que também é bastante aumentado, já que nesses pacientes a incidência costuma ser em torno de 1%. Então, estamos falando de um valor que é 3 a 10 vezes maior do que vemos normalmente”

explica a professora Suely Rezende, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG

A professora Suely Rezende é uma autoras do artigo que estabelece os cuidados aos pacientes infectados pelo novo coronavírus que desenvolverem trombose. O guia, publicado em junho na revista da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, orienta profissionais da saúde sobre as condutas que devem ou não ser tomadas em relação ao diagnóstico, tratamento e prevenção das complicações tromboembólicas nos infectados pelo coronavírus. Isso porque o número de casos de trombose aumentou significativamente nesses pacientes.

Segundo a professora, o artigo foi produzido com base do consenso entre os especialistas envolvidos. “Nós nos reunimos logo após ler as publicações relacionadas com a maior incidência de trombose nesses pacientes e, rapidamente, nos organizamos para discutir o assunto e produzir esse guia. Infelizmente, ainda não temos estudos robustos e com evidências sobre a covid-19 e a relação dessa doença com a trombose. Eles vão começar a sair em breve”, afirma. 

Relação entre trombose e covid-19

A trombose se refere a obstrução de um vaso, como veia e artéria, que são responsáveis por levar ou trazer o sangue do coração para os órgãos e vice-versa. Essa obstrução ocorre devido a um coágulo, geralmente de sangue. Como existem vasos no corpo todo, a trombose pode ocorrer em vários locais.

“Se ela ocorre em vasos do cérebro, chamamos de derrame ou acidente vascular cerebral. Quando essa manifestação se dá no coração, nas artérias coronárias, é chamada de infarto agudo do miocárdio. E quando acontece no pulmão, tem o nome de embolia pulmonar. Existem diferentes nomes para essa obstrução em órgãos distintos”, explica Suely.

Um fator de risco importante para a trombose é a presença de infecção no corpo, como pneumonia, apendicite aguda e meningite. A covid-19 também é considerada uma infecção, por isso os pacientes estão predispostos à ocorrência de trombose. Mas no caso desse grupo, existe outro fator de risco que aumenta as chances de obstrução de algum vaso sanguíneo. “O risco é maior também em pacientes que estão acamados, hospitalizados, que às vezes necessitam de um cateter, colocado dentro dos vasos para medicar o indivíduo. E o principal fator de risco para a trombose venosa é a imobilização”, ressalta Suely.

A professora explicou mais sobre a relação da covid-19 com a trombose para a TV UFMG. Confira no vídeo:

Principais cuidados

Dentre as recomendações do guia, Suely destaca que a administração de anticoagulação profilática nos pacientes internados com suspeita de covid-19 é importante para prevenir a trombose. “Existem situações que contra indicam o uso desses medicamentos anticoagulantes, por exemplo se o indivíduo tiver risco de hemorragia ao utilizá-los. Mas fora isso, qualquer paciente internado precisa fazer o uso dessa medicação durante toda a internação”, observa.

A professora ainda ressalta a necessidade de realizar alguns testes laborais e dar as devidas recomendações aos pacientes, como movimentar as pernas, exercícios respiratórios e, se possível, andar dentro do quarto, caso estejam isolados. Além dos cuidados ao longo da internação, o artigo também destaca que deve haver atenção especial quando o paciente voltar para casa.

“É importante discutir sempre, porque essas medidas estão em mudança. A covid-19 é uma doença nova para todos nós. Estamos aprendendo a lidar com ela, aprendendo a diagnosticá-la, a tratá-la, e hoje, existem mais perguntas do que respostas com relação a isso. Por isso, estudamos, observamos, discutimos com colegas e avaliamos a cada semana o que pode ser mudado e melhorado, visando reduzir as complicações do paciente e salvar mais vidas”

Professora Suely Rezende

Desafios

De acordo com a professora, o cuidado de prevenção, diagnóstico ou tratamento poderia ser melhor se não existissem as dificuldade na realização dos exames específicos para a trombose. Ela comenta que em alguns hospitais eles não estão disponíveis. E quando estão presentes, nem sempre os pacientes conseguem se locomover para realizá-los, pois muitos necessitam de respiradores ou estão acamados, o que também dificulta o diagnóstico comprobatório de trombose.

“É preciso orientar e educar os profissionais da saúde para reconhecer os eventos tromboembólicos, como sinais e sintomas. Além disso, é preciso equipar as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e os hospitais que atendem pacientes em regime de urgência e emergência para fazerem esse diagnóstico, tratá-los adequadamente e de forma rápida”, defende Suely. “E para isso é necessário que tenha também disponibilidade de medicamentos, como anticoagulantes. Neste período de pandemia, medicamentos essenciais estão em falta em vários hospitais, não só do SUS, mas também privados. Essas melhorias são necessárias”, conclui. 

*Giovana Maldini – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro