Acolhimento judicial especializado rompe ciclo de violência de gênero

Evento na Faculdade contou com especialistas da Justiça em debate sobre violência a mulher


09 de julho de 2019 - , , ,


Foto: Carol Morena

O percurso que a vítima de violência percorre, desde a quebra do silêncio e acolhimento na delegacia até a implantação de medidas protetivas e posterior acompanhamento da sua saúde mental, foi tema do primeiro dia do “Seminário Vivências e Evidências: a luta contra a violência”. O debate contou com o juiz do 2º Juizado de Violência Doméstica de Belo Horizonte, Marcelo Gonçalves de Paula, e a delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Ana Paula Balbino.

Na mesa-redonda sobre a abordagem humanizada e a atuação do poder público, os palestrantes destacaram formas de romper com o ciclo da violência de gênero. Ana Paula defendeu a necessidade de mostrar às vítimas que o comportamento do agressor não é algo normal e a tendência é que a violência se intensifique, podendo chegar a um caso de feminicídio. “Por isso, é importante empoderar e apoiar a mulher, para que veja que não está sozinha e rompa com o silêncio”, comentou.

Se para conseguir falar é necessário do empoderamento e apoio às mulheres, uma forma para isso é oferecer um escuta especializada para recebê-las.

O canal ideal para denúncia, apresentado por Ana Paula, é a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (em Belo Horizonte fica na Rua Barbacena, 288, no Barro Preto). Mas, caso não tenha acesso, a vítima pode ir à Delegacia de Polícia Civil mais próxima, ligar para o Disque-Denúncia 197, ou para o 180 (Central de Atendimento à Mulher). A delegada também conta que, se alguém presenciar alguma violência contra a mulher, é possível realizar denúncia anônima por esses canais.

Marcelo Gonçalves acentuou que a disponibilização de locais para acolhimento é uma das políticas públicas que tem surtido efeito na redução da violência. Segundo os dados apresentados pelo juiz, de pesquisas realizadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, referentes de 2017 a 2019, houve estabilização no índice de violência doméstica e familiar.

Apesar desse resultado, Marcelo reconheceu que ainda há deficiência na capacitação dos próprios operadores públicos em questões de gênero. O que também foi apontado por uma das participantes do evento. Ela relatou que sofreu agressões do marido em diversas situações e, quando procurou as autoridades, teve suas denúncias e afirmações desacreditadas, sendo “tratada como louca”, após seu agressor negar os atos.

A delegada realçou que questionar a violência de gênero acaba intensificando o ciclo e dificultando, ainda mais, seu rompimento. “Por isso é importante sempre mostrar os tipos de violência e quais os caminhos que a mulher tem para romper com esse silêncio”, defendeu.

“Ainda há uma pobreza muito grande de conhecimento sobre o assunto. Existem pessoas que confundem com a chamada ‘ideologia de gênero’ ou que não sabem o que é orientação sexual, por exemplo”, acrescentou o juiz Marcelo. Mas também relatou que essa realidade está mudando, já que, atualmente, há formação obrigatória em violência de gênero na escola judicial.

A lei que protege

Juiz Marcelo Gonçalves. Foto: Carol Morena

Marcelo Gonçalves lembrou que a Lei Maria da Penha é recente, de 2006, sendo que sua aplicabilidade considera polo passivo da violência a pessoa do gênero feminino e polo ativo a pessoa do gênero masculino. “Após passar pelas delegacias especializadas, o judiciário analisa se de fato é uma violência de gênero. Caracterizada pela sobreposição do masculino sobre o feminino, com as expressões de menosprezo e descrédito da mulher”, afirmou.

Caso seja confirmada a violência de gênero, são aplicadas as medidas protetivas. O juiz contou que as mais comuns são manter distância, não ter contato ou não ir ao local de trabalho. “Mas não há, na legislação, uma sequência limitada de medidas protetivas. Qualquer medida que seja humanamente executável é possível”, apontou.

Ainda segundo Marcelo, as medidas já foram usadas até para obrigar o agressor a frequentar um grupo reflexivo de tratamento do homem machista, como o projeto Dialogar da Polícia Civil de Minas Gerais. Além da participação nos grupos, o juiz contou que usa a “audiência de fortalecimento” em alguns casos. Nesta abordagem, vítima e agressor são colocados frente a frente e a mulher pode falar o que sente para o homem, sem que esse tenha qualquer direito de resposta. Marcelo contou que na vara do juizado onde atua, já foram mais de 100 casos com essa abordagem, seguida da participação do agressor no grupo Dialogar, e somente três desses homens tiveram reincidência nos casos.

Sobre a violência contra a mulher, Marcelo Gonçalves acredita que o papel do judiciário é um limitador nas ações, com um papel mais secundário. Para ele, o cerne do problema é a questão de saúde mental. “Por isso tem que existir um projeto como o Para Elas, para que a mulher não mantenha guardados reflexos muito grandes dessa violência”, apontou. O projeto da Faculdade de Medicina da UFMG acolhe mulheres em situação de violência doméstica, como é o caso de uma das participantes do evento, que relatou ter sofrido agressões do seu cônjuge por 32 anos e, após se livrar da situação, encontrou um local de apoio e acolhimento no Para Elas.

Participantes do Seminário Vivências e Evidência. Foto: Carol Morena

O evento

O Seminário Vivências e Evidências: a luta contra a violência é promovido pelo Programa de Pós-Graduação de Promoção em Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG. A programação, realizada nos dias 8 e 9 de julho, conta com mesas-redondas, conferências, grupos de discussão e atividades culturais.

Saiba mais: Seminário apresenta pesquisas e ações da Faculdade sobre enfrentamento à violência