Arte de rua e cultura hip hop podem ser aliadas da saúde

Pesquisa revela que a arte produzida nas periferias e cultura hip hop, oferta um lugar para a palavra, para a diversidade, para a construção de identidades e laços sociais na população jovem e adolescente


25 de novembro de 2024 - , , , ,


Foto: Juliana Assunção / Acervo da pesquisa

“O que te inquieta: ver menores de idade na cadeia ou ver menor virando poeta?” foi o tema escolhido pela pesquisadora, Juliana Assunção, para sua dissertação pelo Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG. A pesquisa tem o intuito de investigar qual a função da arte de rua e da cultura hip hop para adolescentes e jovens de Belo Horizonte, que acabam sendo silenciados pela colonialidade, pelo racismo e pela segregação, o que os tornam menos ouvidos socialmente. 

“É importante salientar ainda que esse tema foi pensado e construído a partir da escuta das juventudes e da pluralidade de adolescentes, ou seja, a pesquisa tem como base estruturante o saber dos adolescentes e jovens”, completa a pesquisadora. 

Quando se trata de saúde, principalmente saúde mental, a arte pode ser um dos recursos possíveis para o cuidado e para a prevenção do adoecimento, principalmente entre jovens e adolescentes, que são impactados diariamente por violências sociais. Neste caso não foi diferente, Juliana trouxe como exemplo o caso de um adolescente que acompanhou durante sua pesquisa, que teve todo seu percurso modificado pela arte, inclusive sua relação com a saúde. 

“Esse adolescente tomava tantos medicamentos que não conseguia, muitas vezes, falar. Lamentavelmente, foi considerado um adolescente agressivo para alguns profissionais da rede. Com o tempo, durante os atendimentos, o adolescente foi conseguindo se expressar através da rima, do hip hop e da poesia, demonstrando seu desejo pela escrita, gostava de rimas, e pela arte. Tinha como inspiração o Duelo de MC’S e as batalhas de poesias faladas, Slam”, conta.

Ela destaca que proporcionar a este adolescente um espaço de escuta e produção de arte foi essencial para que ele pudesse se expressar melhor. Dessa forma, aos poucos a medicação foi diminuindo dando lugar a poesia, e este adolescente, finalmente, conseguia se expressar. Para ela, pensar na inserção desses adolescentes e jovens na saúde e sua participação ativa nas políticas públicas voltadas para a saúde é essencial.

Através dessa experiência vivida por Juliana, surgiu o título de sua pesquisa. “Foi exatamente em um desses encontros que o adolescente escreveu um verso potente, que nos confronta diante de um mal-estar social, inclusive título da minha pesquisa: O que te inquieta: ver menores de idade na cadeia ou ver menor virando poeta?  Arte de rua e cultura hip hop pelo olhar de adolescentes e jovens em Belo Horizonte”, menciona.

Foto: Guilherme Fernandes / Acervo da Pesquisa

De acordo com Juliana, após escutar os relatos dos jovens, ela percebeu que para se falar de arte de rua e hip hop, primeiro é preciso entender por um todo o cenário de violências sofridas diariamente por esses adolescentes. É preciso falar também de uma cultura gerada através da colonização, da segregação e do racismo, principalmente quando se trata de um período frágil como a adolescência. 

“O que eles (adolescentes e jovens) nos ensinam é que a arte de rua e a cultura hip hop são recursos que legitimam suas falas em uma sociedade que os silenciam. A arte de rua e o hip hop aparecem como um recurso que dá voz e que singulariza o sujeito, fazendo com que adolescentes e jovens digam sobre suas dores, seus sofrimentos e se posicionem em uma sociedade atravessada por violências”, destaca.

Foto: Juliana Assunção / Acervo da Pesquisa

A coleta de dados para a pesquisa aconteceu entre abril de 2023 a janeiro de 2024. No total 270 adolescentes e jovens foram entrevistados. Porém, posteriormente ocorreram mais algumas entrevistas específicas sobre arte e cultura com três jovens mais envolvidos no cenário cultural e artístico de Belo Horizonte. 

Por meio da coleta de dados e do estudo teórico, a pesquisadora concluiu que a arte de rua e cultura hip hop, assim como a adolescência e as juventudes, não caminham por uma via interpretativa, mas constituem-se singularmente, de um modo que instiga, inquieta e rompe com o modelo universal. 

“É através desse panorama, por uma via que inquieta, instiga e rompe com o universal, possibilitando que o singular e as diversidades apareçam, que a arte pode se apresentar, caminhando em sentido oposto ao da violência e possibilitando, aos adolescentes e jovens, não só a resistência diante de estigmas e violências, mas também a criação de espaços de inventividade, legítimos, em suas construções singulares e em seus laços sociais”, pontua Juliana.

Políticas públicas: como elas podem ajudar jovens periféricos? 

Sabe-se que as políticas públicas são essenciais dentro de projetos sociais, e nesse caso não seria diferente. Os jovens e adolescentes entrevistados durante a pesquisa, relataram que não são ouvidos e que não participam ativamente da formulação das políticas públicas. Dessa forma, existe um distanciamento entre quem produz as políticas públicas voltadas para a arte e a cultura e quem as vivenciam e as colocam em prática. É preciso que quem crie essa política conheça bem a cidade e a forma de ser adolescente e jovem em BH. 

Foto: Juliana Assunção / Acervo da Pesquisa

“Em seus relatos, percebemos que para adolescentes e jovens moradores de periferias e ocupações, há também uma insuficiência na estruturação das políticas básicas, de forma geral. Além de enfrentarem limitações econômicas e um não pertencimento à cidade de forma ampliada, incluindo, inclusive, a acessibilidade aos equipamentos artísticos e culturais”, lamenta a pesquisadora. 

De acordo com Juliana, esse contexto se dá não só pela condição econômica, mas também por não se reconhecerem pertencentes, muitas vezes, a espaços mais elitizados. Desta forma, as políticas públicas voltadas para adolescentes e jovens podem fazer a diferença escutando-os e incluindo-os na construção de políticas voltadas para essa faixa etária.

Cultura Elitista e o preconceito contra a arte da periferia

Pesquisadora Juliana Assunção Foto: Arquivo Pessoal

É muito comum ver a arte criada pela elite ter mais impacto e visibilidade do que a arte criada na periferia. Em meio a uma sociedade que mantém um modelo hegemônico de centro, e que segrega as pluralidades, é possível perceber consequências que impactam a vida de adolescentes e jovens.

Por conta da desigualdade social e de direitos, jovens que residem nas periferias são menos vistos e ouvidos, e automaticamente mais criminalizados. Para Juliana, essa percepção faz com que a sociedade receba esses adolescentes de maneira estigmatizada, contaminada pelo racismo, colonialidade e segregação, projetando-os como um desvio do que se é esperado dentro de um imaginário social predominante de centro, o que produz mais violências. 

“Esse imaginário social baseado em um modelo de centro predominante, acarreta em consequências mortíferas a esses adolescentes e jovens, pois tudo aquilo que se destoa desse modelo padrão e se torne “diferente” é rechaçado, até chegar um ponto de se criar um fascínio pelo extermínio do outro e, infelizmente, naturalizar algumas mortes, principalmente dos corpos negros e periféricos”, conclui Juliana.

Pesquisa: “O QUE TE INQUIETA: VER MENORES DE IDADE NA CADEIA OU VER MENOR VIRANDO POETA?” Arte de rua e cultura hip-hop pelo olhar de adolescentes e jovens em Belo Horizonte
Programa: Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência
Autora: Juliana Cristina Assunção dos Santos
Orientador: Cristiane de Freitas Cunha Grillo
Data de defesa: 20 de setembro de 2024