Automedicação aumenta na pandemia e abuso pode causar danos à saúde

Entre os medicamentos mais procurados estão os complexos vitamínicos, antidepressivos e medicamentos sem comprovação científica


20 de outubro de 2021 - , , , , ,


*Maria Beatriz Aquino

Quem nunca tomou um antialérgico sem orientação médica? Essa escolha de automedicação é um hábito comum para 77% dos brasileiros, de acordo com o Conselho Federal de Farmácia (CFF). E agora na pandemia, com todas as dificuldades de acesso ao sistema de saúde e maior incidência de sofrimentos psíquicos na população, essa prática tem sido mais comum. Mas é preciso entender os riscos que podem surgir a partir dessa medicalização sem controle.

O coronavírus não impactou somente a saúde física da população brasileira, mas principalmente o equilíbrio mental e emocional. Outro levantamento encomendado pelo CFF mostra que, entre janeiro e julho de 2020, houve um aumento de 17% nas vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor. Para se ter uma ideia, em números absolutos, as unidades vendidas saltaram de 56,3 milhões, em 2019, para 64,1 milhões em 2020. 

A professora e psiquiatra do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Tatiana Mourão, esclarece que a realidade de insegurança e desesperança imposta pelo período pandêmico foi o principal fator que impulsionou a busca, em especial, por ansiolíticos e antidepressivos. A preocupação da psiquiatra está na escolha das pessoas pela automedicação ou aconselhamento com vizinhos e amigos sobre o uso desses fármacos. Segundo a especialista, são fortes e perigosos quando consumidos sem orientação profissional. 

“A pessoa pode ter simplesmente, um transtorno de ansiedade ou um quadro psicótico grave. Então, essa falta de percepção do risco e o adiamento de uma avaliação correta podem levar a desfechos totalmente diferentes, até ao suicídio”, exemplifica a professora.

Hábitos saudáveis

Por isso, para os pacientes que convivem com a depressão, Tatiana Mourão recomenda o acompanhamento sistemático com o especialista das dosagens e horários dos medicamentos para que se tenha um controle maior. Isso porque as consequências do uso incorreto podem ser ainda piores. 

“São medicamentos conhecidos como tarja preta ou receita azul e podem levar à dependência, alterações de memória e diminuição da cognição, que não são devidamente receitados e acompanhados”, pondera. 

A professora também pontua que a escolha pela automedicação, muitas vezes, parte da falta de opção, devido à restrição de alguns serviços durante a pandemia. Além disso, ainda existe o receio de contrair a covid-19 ao sair de casa e se deslocar até um pronto atendimento, bem como dificuldades financeiras para realizar esse deslocamento. 

Por isso, a especialista orienta a adotar algumas iniciativas que podem ajudar a reduzir os efeitos colaterais desse momento de pandemia. As indicações de alimentação saudável e prática de exercícios físicos, por exemplo, podem ajudar no controle da ansiedade e prevenção da depressão. Uma boa conversa, trocas de experiências e encontros com medidas de segurança contra a covid também podem ajudar na manutenção da saúde mental.

Sem comprovação

Não foi somente a venda de medicamentos psiquiátricos que disparou. Dado levantado pela Agência Pública de Jornalismo Investigativo revela que quase 7 milhões de frascos e caixas de medicamentos inseridos no “kit-covid” foram vendidos em farmácias privadas, dentre eles a hidroxicolorquina, cloroquina, ivermectina e nitazoxanida. Os dois últimos nunca estiveram na categoria de medicamentos de controle especial durante toda a pandemia e puderam ser adquiridos sem prescrição médica. 

Mas como explica o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Nathan Mendes Souza, nenhum desses medicamentos foi aprovado para o combate à covid-19. Ele ainda cita o banco de dados Cochrane para revisões sistemáticas que comprova, por exemplo, a ineficácia da hidroxicloroquina para o tratamento clínico da doença.

De acordo com o professor, quando os remédios são utilizados de forma indiscriminada, podem causar toxicidade e danos hepáticos, além de efeitos colaterais como ataques no coração, nos rins e no fígado. Por isso, são destinados a grupos com as doenças específicas para as quais esses medicamentos foram formulados.

“É isso que a população precisa realmente entender: cloroquina, ivermectina, hidroxicloroquina, ou mesmo vermífugos e antiparasitários não são antivirias, logo eles não matam esse vírus da covid”, atenta o médico da família e comunidade. 

Vale destacar que a presença e acompanhamento médico em casos de suspeita da covid-19 é fundamental para conter seu avanço. E neste contexto de receio à saídas de casa, Nathan Mendes Souza aconselha a busca pela telessaúde, que consiste em atendimentos clínicos entre pacientes e médios de forma virtual. 

Telessaúde

O médico incentiva ainda que todos os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e de planos de saúde privados cobrem por esse serviço. “É importante destacar o papel da telessaúde, porque o médico poderá acompanhar o seu quadro clínico e receitar os devidos medicamentos. Se o caso se agravar e for necessário, o paciente poderá ser direcionado ao atendimento presencial”, ressalta. 

E os cuidados se estendem a todo tipo de medicamento. Dosagens alteradas, horários descontrolados e suspensão de doses sem supervisão médica podem afetar, principalmente, idosos, crianças e pessoas que convivem com alguma doença crônica, como diabetes e hipertensão. 

Qualidade de vida não medicamentosa

Além das fake news sobre a eficácia do “kit covid” para combate à covid, a busca por complementos vitamínicos também surgiu como uma opção para prevenção. Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais (Abiad) mostra que os suplementos alimentares estão presentes em 59% dos lares brasileiros. Os três tipos mais procurados foram vitamina C, vitamina D e multivitamínicos. 

O que o médico e professor Nathan Mendes adverte, no entanto, é que não se tem nenhuma comprovação científica que autorize o uso de vitaminas para esse fim. Além disso, Nathan Mendes Souza afirma que evidências científicas certificam que o uso excessivo dos comprimidos não surte nenhum efeito positivo para o sistema imune, nem mesmo para melhor qualidade de vida. Isso porque os nutrientes contidos nas cápsulas são absorvidos, primeiramente, pelos alimentos. 

“Se o organismo já tiver absorvido [as vitaminas] nos alimentos, simplesmente pega um pouquinho do que esses alimentos não conseguiram te entregar e todo o resto é eliminado na urina, nas fezes, na pele ou no suor”, explica o professor.

Por esse motivo, mudanças nos hábitos alimentares e a prática de exercícios físicos são mais indicados para se atingir bons níveis de vitamina e dispensam o uso de medicamentos sem prescrição médica. 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta a ingestão de cinco porções de frutas ao longo dia – como banana, abacaxi, laranja e maçã. O professor complementa com a sugestão de verduras de folha – como acelga, espinafre, rúcula e agrião. Vale ressaltar, porém, que existem doenças específicas que provocam déficit vitamínico e, por isso, exigem um tratamento com os complexos para o fortalecimento do organismo. Nesses casos, é preciso acompanhamento e controle com um especialista.

Saiba mais no Saúde com Ciência

O programa desta semana explica esclarecer quais as consequências da automedicação. Confira!

progama é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify

*Maria Beatriz Aquino – estagiária de Jornalismo
edição – Karla Scarmigliat