Brasil sem agrotóxicos é possível, mas falta incentivo

Saúde com Ciência explica o que são os agrotóxicos e modelos alternativos de produção


23 de setembro de 2019


*Guilherme Gurgel

O brasileiro nunca consumiu tanto agrotóxico quanto agora. Até 17 de setembro deste ano, o total de produtos liberados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento chegou a 325, maior número da série histórica iniciada em 2005. Mais de 40% deles são considerados de extrema ou alta toxicidade para a saúde humana e meio ambiente. Mas se fazem tão mal, por que ainda são utilizados? Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que é possível deixar de usá-los, mas a interrupção não ocorreria do dia para a noite e nem para todos.

“O modelo agropecuário no país é intensivista e seria irresponsável, da parte de qualquer um, sugerir que podemos parar de usar esses produtos hoje. A redução teria que ser gradual”, assegura a professora do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Eliane Novato.

No modelo intensivista, a produção é em larga escala e, geralmente, só um tipo de cultura é produzida. A monocultura demanda o uso de maior quantidade de agrotóxico, uma vez que a falta de diversidade gera desequilíbrio e favorece o crescimento de pragas.

No Brasil, o interesse nesse tipo de produção é alto pela facilidade na mecanização e comercialização. Para se ter uma ideia, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, na safra de 2016/2017, a soja plantada ocupou mais de 33 milhões de hectares no Brasil. Isso representa aproximadamente metade de toda a área agrícola no país.

A soma de produções agrícolas no Brasil demanda por ano mais de 500 mil toneladas de agrotóxicos, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente. Quanto mais se usa esses produtos, mais será necessário usá-los. É um efeito “bola de neve”, como afirma Eliane Novato. “A necessidade do agrotóxico veio de uma interferência humana no manejo sustentável. Enquanto havia uma diversidade muito grande de plantas, as próprias espécies se equilibravam”, aponta.

Por isso, repensar esse modelo da agricultura brasileira é o primeiro passo para reduzir a presença desses produtos no ambiente. Para a professora, as práticas agroecológicas são as mais sustentáveis. Essas plantações são baseadas na diversidade de culturas e utilizam novas tecnologias que dispensam o uso de produtos químicos, isso sem implicar em grandes perdas econômicas para o setor rural.

Um exemplo de agronegócio é o sistema agroflorestal, no qual há o plantio de espécies agrícolas de gramíneas, frutíferas e florestais na mesma área, o que torna possível a produção de grãos, frutos e fibras sem que a natureza seja prejudicada.

Sem incentivo

Avião pulverizador de agrotóxico. Foto: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Eliane garante que é possível alimentar toda a população sem o uso de agrotóxicos. “O ideal é que seja feita gradualmente a mudança de modelo. Mas atualmente, existe muito pouco incentivo a essas práticas mais sustentáveis”, avalia.

Mesmo que o agricultor queira investir em modelos alternativos de produção, irá se deparar com a falta de apoio para buscar outros meios e a pressão do mercado. Se for um pequeno produtor, as dificuldades podem ser ainda maiores. “São necessárias políticas públicas de saúde e conscientização sobre o uso correto desses produtos voltadas para essa população”, analisa o professor do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, Stanley Schettino.

Problema para a saúde e meio ambiente

“Não ficam somente no local da aplicação, os produtos se disseminam no meio ambiente”

A professora Eliane Novato explica que o problema de utilizar agrotóxicos é que eles não são seletivos, ou seja, não são nocivos somente às pragas que se deseja eliminar. “Além do alvo, eles atingem também todas as formas de vida que são sensíveis a ele. Não ficam somente no local da aplicação, os produtos se disseminam no meio ambiente”, exemplifica.

Desta forma, os agrotóxicos contaminam o solo, a água e se dispersam através do vento. Esse alcance pode ser tóxico para outras plantas, animais e também para a saúde humana. “Mesmo que não sejam consumidos em altas doses, nós consumimos ao longo da vida pequenas quantidades de agrotóxicos, e o efeito crônico ainda não conhecemos por completo”, alerta.

Ainda que todos os efeitos dos pesticidas na saúde humana não estejam esclarecidos, Eliane Novato participou de uma pesquisa, em conjunto com professores da Faculdade de Medicina da UFMG, que demonstrou como as substâncias presentes em agrotóxicos geram diversas alterações em células-tronco. Para a professora, essa é mais uma evidência de que o acúmulo desses produtos no organismo pode gerar diversos problemas.

Vida menos tóxica

O professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Marcus Polignano, acredita que, cada vez mais, haverá uma conscientização de que o uso de defensivos agrícolas é abusivo. “O agrotóxico não pode ser visto como a salvação da lavoura. Deve ser um recurso utilizado com muito cuidado e muito mais controle do que é feito hoje no Brasil”, avalia.

O professor Marcus Polignano sugere ainda que a comunidade faça escolhas conscientes. Como consumir mais produtos de produções agroecológicas. Ele estimula também que as pessoas façam suas próprias hortas, já que, mesmo em espaços pequenos, é possível cultivar algumas hortaliças e isso já significa menor quantidade de agrotóxicos consumidos.

Sobre o Programa de Rádio

O Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Guilherme Gurgel – estagiário de Jornalismo 
edição – Karla Scarmigliat