Candidatos ao Enem sofrem desigualdade na preparação para a prova

Com a pandemia, diferenças socioeconômicas ficaram mais evidentes interferindo no acesso à informação e na educação. Especialista aponta que pode ocorrer prejuízo à saúde mental dos concorrentes.


28 de julho de 2020 - , , , ,


*Lethicia Pechim

Dos quase 6 milhões de inscritos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quase metade manifestam dúvida em fazer as provas, segundo pesquisa Juventudes e Pandemia do Coronavírus, conduzida pelo Conselho Nacional da Juventude. O Enem impresso vai ser aplicado nos dias 17 e 24 de janeiro de 2021 e nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro, a versão digital. A reaplicação das provas está marcada para 24 e 25 de fevereiro do ano que vem e os resultados devem ser divulgados em 29 de março. O adiamento do Enem ocorre devido à pandemia do coronavírus.

Para professora do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Tatiana Mourão, o adiamento do Enem tem aspectos positivos e negativos. “Toda faca tem dois gumes e isso também ocorre em relação ao Enem”, afirma a professora Tatiana Mourão.

“Um dos pontos positivos é que esses alunos que estão se preparando para o exame teriam mais tempo para estudar e principalmente amadurecer emocionalmente com as mudanças comportamentais impostas pela pandemia”, explica. “Outra vantagem é em relação da discrepância que existe da possibilidade de acesso à internet. Nós conseguimos ver claramente como alguns alunos ficaram como excluídos digitais e, ao mesmo tempo, outros ficaram com muitos recursos”, avalia a professora, que, com mais tempo para a aplicação das provas, seria possível minimizar os impactos dessa exclusão digital.

Do total de candidatos inscritos para o Enem 2020, 65,6% já concluíram o ensino médio, e o restante ainda está cursando essa etapa de ensino.  Mas as aulas online e a falta da companhia de professores e colegas podem prejudicar a saúde mental dos candidatos, como destaca a professora Tatiana.

“Até hoje eu me lembro, quando estava estudando para o vestibular, das aulas divertidas, em que eu dava uma boa gargalhada, e da hora do lanche, em que a gente podia comer, socializar e brincar com os colegas e isso tudo acabou. Então, isso vai afetar, de alguma forma, a saúde mental desse alunos”

Além disso, há a pressão que a prova exerce nos candidatos. “É uma prova competitiva que é uma chave em muitas famílias para a ascensão social e, realmente, as aulas online mudam o processo de aprendizado e, principalmente, não sei como vai ficar o raciocínio [dos candidatos]. Ainda tem outra questão que nós não sabemos: o que vai ser cobrado no Enem? São perguntas que nós ainda não sabemos”, avalia. O Enem é a principal porta de entrada para as instituições de ensino superior, seja por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), Programa Universidade para Todos (Prouni) ou pelo Financiamento Estudantil (Fies).

Falta de acesso à internet e desigualdade social

Um dos motivos do adiamento do Enem é que nem todos os brasileiros têm condições de se manter nos estudos online. De acordo com o professor do Departamento de Educação da PUC Minas, Teodoro Adriano Zanard, a mudança na data da prova é um passo importante, mas todo o Enem precisa ser repensado. “Adiar o Enem é uma necessidade em tempos de escolas fechadas”, afirma o professor que também alerta sobre as desigualdades do processo seletivo.

“O Enem por si só já é problemático por ele ser seletivo, excludente e elitista”

Segundo o professor Teodoro Adriano Zanard, manter esse exame “já causa problemas de acesso, pois ele faz parte de uma premissa inexistente do nosso país de que todos os jovens que se candidatam ao ingresso do ensino superior terão a igualdade de oportunidades educacionais”. Ainda segundo ele, “no Brasil, temos jovens que não têm acesso à internet e não têm tutoria adequada para a preparação desse exame competitivo. Enquanto isso, também temos outros jovens com uma série de recursos para a manutenção de algum tipo de escolarização, de educação e de preparação”, analisa.

“Nós sabemos que isso [igualdade de acesso] não é verdade. Nesse contexto, fazer um processo seletivo serve para premiar as famílias e os jovens que tiveram melhores condições no desenvolvimento da sua escolaridade.”

Segundo o professor, é necessário repensar o mérito dos jovens com condições adversas para seu processo de escolarização e também democratizar o ensino superior criando outros mecanismos ampliando a quantidade de vagas.“Nós temos que repensar o Enem não só em época de epidemia, mas também nessa suposta normalidade, em que esse exame premia aqueles que têm mérito”, conclui.

Papel da escola pública no Enem

No ensino superior privado, 68,5% dos alunos são do ensino médio público e 31,5% do privado. Já nas instituições superiores públicas, 60,1% também são do ensino médio público enquanto 39,9% veio do ensino privado. Os dados são do Mapa do Ensino Superior no Brasil 2020, divulgado em maio deste ano pelo Instituto Semesp, ligado ao Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior de todo o Brasil.

Desafios remotos

Com a suspensão das aulas presenciais devido à a pandemia do novo coronavírus, a implantação de atividades educacionais remotas se tornou uma necessidade, mas tem sido um desafio para alunos, professores e pais. Por isso, o Saúde com Ciência dessa semana aborda questões relacionadas ao tema. Confira a programação:

:: Alfabetização e acompanhamento dos pais
:: Ensino médio e proximidade com o Enem
:: Preocupações e desafios no ensino superior
:: Professores e trabalho remoto
:: Falta de acesso à internet e exclusão digital

Sobre o Programa de Rádio

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Lethicia Pechim – estagiária de jornalismo
Edição: Maria Dulce Miranda