Casos de violência doméstica são subnotificados e realidade contrapõe dados

Condições de vulnerabilidade causadas pelo isolamento social estão entre as principais causas da subnotificação


11 de agosto de 2021 - , , ,


Maria Beatriz Aquino*

Neste mês dedicado à campanha “Agosto Lilás” – que chama atenção para os números de violência doméstica no país – o alerta é para a subnotificação de casos durante a pandemia. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram queda de 8,6% nas denúncias registradas pelo Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, entre os meses de março de 2019 e 2020. Porém, a realidade pode ser bem diferente, visível apenas dentro dos lares em que se confinam durante a pandemia as mulheres que vivem a situação de violência. 

A professora titular da Faculdade de Medicina da UFMG, Elza Machado de Melo, coordenadora do Mestrado em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência na Faculdade, ressalta o paradoxo que existe nessa atual situação, na qual os registros diminuíram, mas os casos de violência aumentaram consideravelmente. 

“As emergências e o feminicídio aumentaram demais. Então é preciso tomar cuidado para analisar esses dados, porque, na verdade, essas mulheres têm medo de denunciar”, revela.

Elza Machado também coordena o Projeto Para Ela, Por Elas, Por Eles, Por Nós, que atende mulheres em situação de violência e vulnerabilidades e afirma receber casos com frequência.

Mesmo com subnotificação, os números são alarmantes. Outra pesquisa conduzida pelo Instituto de Pesquisas DataFolha, intitulada de A Vitimização de Mulheres No Brasil, revela que cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no Brasil em 2020, sendo que a maior parte das agressões aconteceram dentro da casa da própria vítima. 

Os agressores podem variar nesse contexto de convivência intensificada pela pandemia e revelarem a face de pais, maridos e até filhos. “São pessoas dentro de uma casa que convivem o dia inteiro e enfrentam as incertezas de uma pandemia. Elas entram em conflito e, com certeza, a mulher é a mais agredida”, explica Elza Machado.

SAIBA IDENTIFICAR A VIOLÊNCIA 

Os ataques físicos contra as mulheres, geralmente, estão entre os principais motivos de notificações. No entanto, a professora Elza atenta para outros tipos de violências que podem passar despercebidas pelas próprias vítimas. A violência psicológica, por exemplo, seria o gatilho que desencadeia todas as outras, e passa por atos como insultos, humilhações, isolamentos e até desmoralização de uma pessoa.

Da mesma maneira, a violência patrimonial e moral também servem como gatilho. Na esfera patrimonial, a mulher é usada para fins econômicos por parte do agressor, através da retenção, subtração ou destruição de seus bens. Já a violência moral se configura com xingamentos, difamação, calúnia ou atribuição de fatos que não são verdadeiros. 

Elza Machado comenta também que, muitas vezes, a violência sexual não é devidamente reconhecida por quem a sofre. Isso porque, ao contrário do que muitos pensam, esse conceito implica muito mais do prática sexual efetiva e sem consentimento, mas inclui qualquer atitude sexual que seja exercida contra a vontade da mulher.

“Tocar, passar a mão, fazer proposta indecorosa, assediar ou obrigar a mulher a tocar alguém se configura como uma violência. E a gente tem isso dentro do casamento, só que a mulher se acostumou a aceitar as regras impostas pelo companheiro”, exemplifica a professora.

Violência psicológica é crime

Uma novidade que pode mudar esse cenário é a Lei 14.188/21, aprovada recentemente, que incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher, com multa e reclusão de seis meses a dois anos para o agressor. Além dessa iniciativa, há o Projeto de Lei nº 485/21, em processo de votação no Senado, que prevê o aumento da pena para lesão corporal e de ameaça, quando praticados em contexto de violência doméstica e familiar. A PL pretende ampliar a pena mínima de três meses para dois anos de reclusão e pena máxima de três para seis anos. 

DENUNCIAR É IMPORTANTE

As consequências diretas do confinamento das mulheres em casa, em razão do isolamento social, provocaram em muitas delas a sensação de impotência e receio em denunciar a situação de violência vivida. Além disso, muitas se sentem constrangidas ao relatar sua realidade para as autoridades. 

De acordo com a professora Elza, a omissão do crime também acontece por causa da preocupação de sofrer outra violência no momento de denunciar o ocorrido. Por isso, é sempre recomendado que a mulher esteja acompanhada de algum parente ou amigo. 

“É muito comum a mulher notificar, buscar ajuda e não denunciar, porque quando tudo é denunciado, ela se recente e foge”, observa a professora.

A ajuda profissional de terapeutas, casas de acolhimento e o apoio da família também são cruciais para que a mulher recupere sua autonomia. A denúncia, por outro lado, ajuda as entidades públicas a controlar os casos e reduzir cada vez mais o número de registros.

Por isso, Elza Machado conclui que o compromisso no combate à violência doméstica deve ser de todos, desde a identificação até a denúncia, de forma que a vítima seja sempre respeitada em sua decisão. 

“Quanto mais a gente se cala, mais estamos dando corda para que a violência cresça. Então não podemos negligenciar essa situação”, ressalta.

Além do Ligue 180, é possível denunciar pelo canal do Disque Direitos Humanos, através do Disque 100 ou procurar uma Delegacia de Atendimento à Mulher, na qual é possível acionar a Lei Maria da Penha; bem como serviços de assistência social e postos de saúde. 

Para saber mais detalhes sobre o assunto, confira o programa Saúde com Ciência desta semana.

Saiba mais no Saúde com Ciência

programa é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Maria Beatriz Aquino – estagiária de Jornalismo l Edição: Karla Scarmigliat