Você sabe como a perda auditiva está relacionada à demência precoce?

Pessoas com perda auditiva moderada ou grave estão mais vulneráveis a manifestar precocemente sintomas de demência


07 de novembro de 2019 - , , , , ,


As evidências dessa relação estarão presentes no debate do 2º Simpósio Franco-Brasileiro sobre Audição

Para o neurologista e professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Paulo Caramelli, pesquisar e debater as demências é fundamental para um mundo em que as pessoas vivem cada vez mais e, consequentemente, apresentam mais o quadro clínico de declínio das habilidades mentais, como de memória, linguagem e raciocínio. Mas, enquanto não se descobre uma cura, Caramelli defende a prevenção como melhor medicamento. E isso inclui cuidados com os fatores associados como tabagismo, obesidade ou a perda auditiva.

O cérebro de quem tem perda auditiva moderada ou grave fica mais vulnerável a manifestar precocemente os sintomas de demência. Foto: Opas

“Vivemos o aumento progressivo de casos de demência no mundo e esse aumento é ainda mais expressivo em países em desenvolvimento, onde o controle dos fatores de risco é pior. Com esse cenário epidemiológico de um lado e a falta de medicações da cura do Alzheimer ou outras causas de demência do outro, é evidente a necessidade de agir para a prevenção”, defende o neurologista.

De acordo com ele, é preciso pensar estratégias de intervenção para prevenir esse crescente quadro clínico, bem como preparar o sistema para atender um número cada vez maior de pessoas com demência.

“Mais de 50% das pessoas com demência no mundo estão em países em desenvolvimento e isso deve chegar a 2/3, aproximadamente, nos próximos 20 anos”

Um dos fatores associados à demência, citados por Paulo Caramelli, é a perda da audição, que tem relevante impacto sobre a cognição e a memória. De acordo com ele, principalmente a moderada ou grave, a perda auditiva na meia idade está relacionada ao aumento do risco de demência no envelhecimento, mas ainda não há uma definição se são fenômenos isolados ou únicos.

“De acordo com um estudo publicado em 2017, 9% dos casos de demência serão potencialmente atribuíveis à perda auditiva moderada a grave na meia idade”

Qual é a relação da perda auditiva e demência?

O cérebro de quem tem perda auditiva moderada ou grave fica mais vulnerável a manifestar precocemente os sintomas da doença, segundo o neurologista Paulo Caramelli.  Isso porque o cérebro deixa de receber as informações do dia a dia de forma adequada, então, acaba sendo privado dessa estimulação. “É como se, ao tirar a audição da pessoa, diminuísse a estimulação cognitiva. Se isso acontece na meia idade, por décadas diminui-se a reserva cerebral capaz de enfrentar os efeitos de doenças que causam demência, como Alzheimer, por exemplo”, comenta.

Ele explica que na doença de Alzheimer há o acúmulo de proteínas anormais dentro do cérebro, que se formam ao longo de muito tempo, cerca de 15 a 20 anos. Diante disso, o cérebro usa mecanismos próprios para contrapor esse acúmulo. Quando a pessoa tem grande desenvolvimento cognitivo, ela consegue ter mais estratégias para compensar suas dificuldades.

Ou seja, há efeitos diferentes de uma lesão neurológica em pessoas com alto nível de escolaridade e intelectual em relação àquelas que não foram estimuladas da mesma forma. O primeiro grupo consegue retardar por mais tempo, do ponto de vista clínico, os efeitos das doenças demenciais.

“Então, por exemplo, indivíduos que estudam e leem muito ao longo da vida acabam tendo maior quantidade e qualidade das conexões de sinapse. Quanto mais sinapses se tem, melhor será para manter as funções cerebrais ainda normais quando tiver um dano cerebral”, informa Caramelli. Ao perder a audição, em nível moderado ou grave, diminui-se o estímulo auditivo, que é importante para manter e promover a redes de sinapses dentro do cérebro e a reserva cerebral.

“Então quando a pessoa com essa perda auditiva começa a ter o acúmulo das proteínas anormais, como com o Alzheimer, a reserva cerebral estará menor e ela vai manifestar os sintomas de demência mais cedo”, acrescenta o neurologista.

É melhor prevenir

O neurologista enfatiza que há fatores de risco no início da vida relacionados à questão educacional, já que quanto mais baixo o nível de alfabetismo maior será o risco de o indivíduo desenvolver demência; na meia idade com a hipertensão, obesidade e a perda auditiva; e no idoso com fatores como diabetes, tabagismo, hipertensão e isolamento social.

“Esses também são fatores potencialmente modificáveis e, de acordo com um estudo inglês, correspondem a 35% do risco de demência. Agora em 2019, autores ingleses analisaram dados de países em desenvolvimento, incluindo da América Latina, onde esses potenciais modificáveis representavam 56% do risco de demência”, alerta Paulo Caramelli.

“Isso indica que nos países em desenvolvimento há um espaço ainda maior para intervir”

Com pouca probabilidade de uma solução surgir tão cedo, de acordo com o especialista, o cenário atual leva à atenção para o controle de hipertensão, obesidade e diabetes, por exemplo, o que impacta à redução de casos de demência.

Essa relação, bem como o impacto da perda auditiva para o desenvolvimento de demência na população idosa e em pessoas mais jovens ou para as habilidades cognitivas e emocionais, de acordo com as atuais evidências estará presente no debate do 2º Simpósio Franco-Brasileiro sobre Audição, que também conta com a participação do professor Paulo Caramelli.

O Simpósio

A segunda edição do Simpósio Franco-Brasileiro sobre Audição é uma promoção da Faculdade de Medicina da UFMG em parceria com Universidade Clermont-Auvergne, da França, e será realizado nos dias 28 e 29 de novembro, trazendo como tema “genética, cognição e tecnologia”. Sua programação conta com pesquisadores de renome nacional e internacional em palestras, mesas-redondas, workshops e outras apresentações.

As inscrições ainda estão disponíveis pelo site.

O evento é voltado aos estudantes e profissionais das áreas de Saúde, como otorrinolaringologistas, geriatras, pediatras, fonoaudiólogos, audiologistas, especialistas em linguagem, além das áreas de Educação e Engenharia ou demais interessados pelo assunto.

Confira a programação aqui.