Comportamentos de ódio aproximam homem do animal
Entenda como é possível lidar com esse sentimento
21 de maio de 2019
Forma mais elaborada de sentimentos como raiva e medo, o ódio pode levar o homem a comportamentos primitivos. Mas é possível lidar com esse afeto.

Para onde caminha a humanidade? Apesar de complexa, a pergunta nos faz lembrar que a humanidade sempre acreditou que o avanço tecnológico levasse a situação de máxima evolução dos relacionamentos. No entanto, o que se observa é a maior velocidade com que ideias hediondas se disseminam na era cibernética, muitas vezes através de mensagens apócrifas, reduzindo a capacidade de negociação pacífica entre as pessoas. A professora do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Tatiana Mourão, explica que todos sentimos ódio. É normal. Mas é através da linguagem que se consegue saídas mais construtivas para esse sentimento, se distanciando, assim, de comportamentos mais primitivos.
Mas, por que sentimos ódio? Para responder a essa pergunta, é possível fazer uma aproximação com o mundo animal. Quando um gato se sente ameaçado, por exemplo, ele eriça os pelos para parecer mais poderoso do que é diante de seus inimigos. De acordo com a professora Tatiana, há estudos que mostram áreas muito primitivas do cérebro que são acionadas nesse momento. Em humanos, essa reação primitiva do cérebro ao medo pode evoluir para sentimentos mais elaborados como o ódio. “Ele pode estar processando aquela raiva, que vem dos centros mais primitivos da emoção, e pode levar esse ódio para centro mais evoluídos”, explica Tatiana.
“O ódio já seria exatamente um estado afetivo mais elaborado, mais próprio mesmo do ser humano”.
Um exemplo de saídas mais fácies a esse sentimento elaborado é a premeditação, isto é, a antecipação de uma ação para ferir ou machucar o objeto de raiva ou medo. A inveja seria outro exemplo, que ao contrário da admiração, em que se deseja incorporar o que é apreciado, quer destruir o que o outro tem. “Podemos pensar em uma criança, que quando sente raiva ou inveja por não ter o mesmo brinquedo do amigo, joga esse objeto nele. Esse é um caminho mais primitivo, mais imediato. Ela poderia ter pego outro caminho mais construtivo, e através da linguagem, negociar: vamos compartilhar esse brinquedo? Ou vamos nos duas brincar com ele?”, comenta a professora Tatiana Mourão.
Em adultos, o medo ao diferente pode suscitar esse sentimento, como a xenofobia, que é o ódio ao estrangeiro. “Aí que vem o lado mais elaborado, que tenta identificar esse medo e ter uma ideia real sobre ele: isso vai me prejudicar? A cada minuto temos o dom de usar um sistema nervoso extremamente complexo que nos permite refletir”, comenta a professora. Para ela, não precisamos reagir compulsivamente a cada situação de alerta que nos é dada.
“Quando mais reagimos de forma impulsiva, estamos perdendo muito desse cérebro maravilhoso que a gente tem”, continua.
Por isso, para a professora, a reflexão é a chave para lidar de maneira mais positiva com esse afeto. Isso vale também para o mundo cibernético, “onde se tem observado manifestações menos abertas ao diálogo, ao que é diferente”. A reflexão, ainda de acordo com Tatiana Mourão, é uma defesa da população em termos políticos. “A paz é muito mais difícil, é bem mais complexa, pois passa pela negociação. Por isso, o medo é a situação mais utilizada por alguns líderes, que criam crenças a partir deles. Aquele que questiona é excluído”, ressalta.

O ódio é um afeto que acomete todo ser humano. No entanto, existem saídas mais construtivas a esse sentimento. Foto: Freepik
O que fazer com o ódio que sinto?
O ódio não faz mal apenas ao outro. Quem alimenta esse afeto pode ter problemas com a pressão arterial, bem como ficar com uma expressão facial ruim. Mas é possível ensinar as crianças a lidar com esse sentimento e trabalhar saídas mais interessantes também quando adulto.
Uma dica da professora Tatiana Mourão é ensinar a cortesia às crianças. “Dar bom dia, agradecer…são pequenas virtudes que a criança vai incorporando e passa a fazer parte da vida dela quando adulta. Praticar a cortesia é importante, você pode até não gostar de uma pessoa, mas se convive em grupo, você tem que tratar bem essa pessoa”, orienta.
Para o adulto, ressignificar o ódio pode ser mais difícil, seria como aprender uma nova linguagem. Mas com um pouco de vontade é possível aprender essa nova língua. “Por exemplo, quando um adulto é frustrado, começa a gritar com o outro. É porque ele não aprendeu interiormente a respeitar”, exemplifica. Nesse processo de mudança, cada um pode levar um tempo. “Não adianta a gente querer fazer uma doutrinação ao contrário. Por isso, a nação, enquanto grupo, deve refletir para onde ela quer andar”, conclui a professora.