Covid-19 grave afeta testículo e órgão masculino pode funcionar como reservatório do coronavírus

Estudo demonstra capacidade do vírus de infectar o testículo humano e sua “preferência” pelas células que produzem os espermatozoides


15 de março de 2022 - , ,


Imunomarcação contra a proteína do coronavírus (Spike) em testículos humanos. Em verde, observamos células germinativas infectadas pelo SARS-CoV-2 dentro dos túbulos seminíferos (TS). Barra de escala = 20µm.
Crédito: Guilherme Mattos Jardim Costa

A infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) tem efeitos drásticos sobre as glândulas sexuais e pode comprometer a função reprodutiva masculina. Embora sejam necessários estudos complementares para tornar mais claras as consequências dessa infecção para a fertilidade de homens, os pesquisadores do Laboratório de Biologia Celular do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, conseguiram demonstrar a capacidade de replicação e permanência ativa do vírus no órgão, mesmo muito tempo após a infecção. Foram estudados testículos humanos de onze indivíduos, de diferentes idades, não vacinados, que morreram de complicações de covid-19.

Coordenados pelos professores Guilherme Mattos Jardim Costa e Samyra Lacerda, do Departamento de Morfologia do ICB UFMG, e pelo médico Marcelo Horta Furtado, especialista em Urologia, os pesquisadores demonstraram que o vírus usa as células imunes como possível rota de entrada para infectar os testículos de pacientes com covid-19 severa.

“Conseguimos ainda mostrar que, o SARS-CoV-2 tem preferência pelas células que produzem os espermatozoides e promove inflamação dos tecidos, provocando hemorragia e fibroses como as que acontecem no pulmão”, relatou Guilherme Costa, biólogo, mestre e doutor em Ciências Biológicas. Segundo explicou, esse ambiente alterado resultou em significativas modificações celulares e moleculares nas glândulas sexuais, “entre as quais a perda massiva das células que geram os espermatozoides, assim como a inibição das células que produzem a testosterona, hormônio masculino, cujos níveis observados estiveram cerca de 30 vezes reduzidos”.

Para Guilherme Costa, os dados sugerem que o microambiente testicular atua como uma espécie de reservatório, ou “santuário viral”, onde o SARS-CoV-2 acaba sendo protegido, já que o testículo é um órgão que tende a evitar, naturalmente, que as células de defesa do organismo ataquem o que está sendo produzido ali dentro. “O testículo é um ambiente em que o vírus é pouco reconhecido pelo sistema imune”, explica. “Daí a preocupação com a possibilidade do sêmen contaminado em pacientes com COVID-19 e com a demora na eliminação viral do corpo”, salienta.

Estudos do grupo, ainda em andamento, envolvendo a análise do sêmen de pacientes recuperados da covid-19 indicam que a infecção altera os padrões espermáticos humanos por até três meses pós-infecção. Na expectativa do pesquisador, “se comprovado que o testículo é um lugar que serve para o vírus ficar viável por mais tempo e se replicar, como acontece com o vírus da caxumba, da aids, do zica e da hepatite, os dados vão fornecer bases para o desenvolvimento de biotecnologias antivirais”.

Os pesquisadores seguem firmes na defesa da importância da vacinação, destacando não existir estudos que demonstrem nenhum efeito da vacina sobre os órgãos sexuais. “Pelo contrário, nossos estudos foram feitos com pacientes não vacinados, em 2021, no início da segunda onda aqui em Minas Gerais”, relembra Guilherme, lembrando que no período ainda não havia imunizante disponível.

O experimento multidisciplinar, combinou várias técnicas de identificação de vírus, incluindo o uso de um sensor à base de bastões de ouro minúsculos (40 namômetros), desenvolvido por Flávio Guimarães da Fonseca, professor do Departamento de Microbiologia do ICB UFMG. “A superfície dos bastõezinhos de ouro é recoberta com anticorpos contra covid-19. Cada vez que algo se liga a eles, o sensor emite um sinal, indicando a presença do vírus no tecido que está sendo estudado”, explica Fonseca.

O estudo foi possível graças a uma interação público-privada, com apoio financeiro da farmacêutica Ferring, e com suporte da Fapemig, para continuidade. Participaram ainda, da pesquisa, aproximadamente 30 pesquisadores, além do departamento de Patologia Geral do ICB, também da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade Estadual Paulista, de universidades dos Estados Unidos e do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN),  da Clínica de Fertilidade Masculina e da Rede Mater Dei de Saúde.

O artigo com os principais achados da pesquisa, “SARS-CoV-2 infecta, replica, eleva a angiotensina II e ativa células imunes em testículos humanos”, foi publicado em 8 de fevereiro na plataforma medRxivum, servidor de distribuição e arquivo online gratuito para preprints, relatórios preliminares de trabalhos que ainda não foram certificados por revisão por pares e, portanto, ainda não devem orientar a prática clínica. Atualmente, o artigo encontra-se em revisão na Revista Human Reproduction.

Leia o artigo:

SARS-CoV-2 infects, replicates, elevates angiotensin II and activates immune cells in human testes. Guilherme M.J. Costa, Samyra M.S.N. Lacerda, André F.A. Figueiredo e Col.


Assessoria de Comunicação Social e Divulgação Científica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.