Mr. Jackson
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Depoimento


Eliabe Abreu

Aluno que foi para o Bach Christian Hospital, no Paquistão em 2022.


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Uma observação que é comum entre meus colegas de turma é sobre como, muitas vezes, a gente é moldado a seguir um curso de vida semelhante ao dos nossos pares, como se, de alguma forma, houvesse uma pressão para que todos sigam o mesmo caminho e num mesmo ritmo.

No entanto, respirar ares diferentes e tomar caminhos inusitados faz parte da minha história, e eu diria que o ápice dessa trajetória foi escolher realizar um estágio num país pouco provável. Se você está na primeira metade da graduação, provavelmente não conhece o estágio optativo obrigatório – carinhosamente apelidado de “optatório” rs. De forma curta, é um estágio do 12º período que você pode escolher onde fazer e qual área estudar – inclusive, fora do país.

Após anos esperando e pensando sobre esse momento, juntamente com encontros que eu cunharia de “divinos” e reuniões com o Crinter (Centro de Relações Internacionais da FM-UFMG), decidi fazer meu “optatório” em Clínica Médica num hospital de caridade no Sul Asiático, mais especificamente no Paquistão. Talvez a imagem que venha à sua cabeça agora seja de homens-bomba barbudos e mulheres de burca, mas a realidade é MUITO diferente. Eu, acertadamente, diria que o que marca o povo paquistanês é a hospitalidade.

“Vamos marcar de você jantar lá em casa?!” foi o que eu mais ouvi nos primeiros dias. Muitos abraços calorosos e um interesse especial naquele gringo que veio do país do futebol. Foram 7 semanas imerso em uma cultura muito diferente: comer com as mãos enquanto meu nariz escorria devido à comida apimentada é minha memória mais recorrente. Pratos que são uma explosão de sabores e temperos, recheados de uma simplicidade que enriquece a qualquer um que tenha contato. Montanhas que elevam a alma com a vista que proporcionam. Uma cultura singular que te convida a despir da roupagem ocidental e calçar as sandálias do outro, sentir o que ele sente, tentar enxergar como ele enxerga.

O hospital conta com 60 leitos de internação, além de mais de 300 atendimentos ambulatoriais por dia, abrangendo as áreas da Clínica Médica, Medicina de Família, Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria e Cirurgia. Entre médicos nativos e alguns estrangeiros, me deparei com uma qualidade técnica superior à que eu esperava – diariamente, havia reunião do staff médico para compartilhar uma novidade de diretriz, ou a discussão de um caso mais difícil, ou de um caso mais raro. Lembro que a primeira cesárea que eu acompanhei foi de um útero bicorno – algo que eu vi, por acaso, uma única vez no meu internato de ginecologia.

Minhas atividades práticas incluíam o acompanhar dos atendimentos (o médico atendia em urdu, a língua local, e traduzia para o inglês) e realizar o exame físico, hipóteses diagnósticas e condutas, bem como a redação do prontuário em alguns rodízios. Pude ver de perto o quanto o SUS faz falta – lá não há sistema público de saúde. Como o hospital trabalha apenas com subsídio, os pacientes ainda precisam pagar as consultas, exames e remédios e, diversas vezes, tivemos que escolher por, por exemplo, repor vitamina B12 empiricamente, visto que a dosagem sérica era mais cara que o próprio medicamento. Febre tifoide é algo comum na epidemiologia local, bem como tuberculose e poliomielite. Como as condições de saúde são precárias, eu me deparei com uma semiologia rica e a necessidade de um raciocínio clínico aguçado que tornaram esse estágio o melhor que eu poderia fazer.

Entretanto, apesar de todo crescimento acadêmico, ele não se compara ao pessoal. Eu trouxe nas bagagens muito mais que roupas típicas, tapetes e temperos: eu trouxe coisas que eu nem mesmo sei nomear, e que apenas o tempo revelará o uso apropriado de cada um dos presentes internos que ganhei.

E, se há algo que eu poderia te recomendar seria: faça o improvável. Viva experiências únicas. Enfrente os medos. Não reduza sua vida à medicina. Há muito para ser explorado e vivido. Faça bom uso das oportunidades que a universidade dá, como o estágio optativo obrigatório. Enfim, viva!