Da infância à terceira idade: entenda como a surdez pode afetar cada fase da vida

A perda auditiva pode ter origem genética, pelo uso prolongado de fones de ouvido, exposição a sons intensos no trabalho ou pelo envelhecimento


09 de novembro de 2018


*Guilherme Gurgel

Uso de fones de ouvido com volume aumentado por tempo prolongado é o principal fator da perda auditiva de jovens. Foto: Carol Morena

A Organização Mundial da Saúde divulgou neste ano uma previsão de que 900 milhões de pessoas em todo o mundo podem vir a ter surdez até 2050. Para reverter esse quadro é importante que a população seja informada sobre saúde auditiva.  É com este propósito que o Brasil celebra, em 10 de novembro, o Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez.

A perda da audição acontece por diferentes causas e em diferentes faixas etárias. Para entender como é tratada e prevenida em cada fase da vida, conversamos com a professora Luciana Macedo de Resende, do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG. “A perda auditiva pode ter origem genética, pode ser causada pelo uso prolongado de fones de ouvido, por exposição a sons intensos no trabalho ou ser decorrente do envelhecimento”, conta.

Como pode ser identificada a surdez na infância?

Professora: O rastreio neonatal, o conhecido “teste da orelhinha”, é fundamental para a detecção precoce dos problemas auditivos na infância. São testes simples, indolores e não invasivos, que todos os bebês devem fazer antes de completar um mês de idade. As causa mais comuns de perda de audição na infância são de origem genética, mas também podem estão associadas a indicadores de risco para audição, como peso muito baixo ao nascimento, asfixia neonatal, infecções congênitas da mãe durante a gestação, etc.

As crianças que apresentam alteração no “teste da orelhinha” são encaminhadas para diagnóstico completo. Caso seja confirmada a perda permanente, a criança passa pela adaptação de aparelhos de amplificação sonora e terapia fonoaudiológica. Neste momento, é essencial o trabalho conjunto de fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas.

Como é possível auxiliar na inclusão social de crianças com deficiência auditiva?

Professora: Crianças com perdas de grau severo, além de receber a indicação de aparelhos auditivos, devem iniciar a aprendizagem da língua de sinais, junto com a reabilitação fonoaudiológica. Assim é favorecido todo seu potencial cognitivo. É importante que os pais também aprendam a língua de sinais para usar simultaneamente ao português oral com seus filhos.

Os impactos sociais e emocionais em crianças com perda auditiva dependem muito das atividades construtivas da família e do acompanhamento profissional esclarecido e humanizado. Espera-se que com diagnóstico precoce e início de uma estimulação apropriada, crianças surdas conseguirão estar, de fato, incluídas na sociedade e no meio educacional.

Quais as principais causas de perda de audição em jovens e adultos?

Professora Luciana Macedo no Congresso de Fonoaudiologia de 2018. Foto: Carol Morena

Professora: Nessa faixa etária, as causas estão relacionadas à exposição a níveis elevados de pressão sonora. Atualmente, os hábitos recreacionais, como o uso de fones de ouvido com volume aumentado por tempo prolongado, são os “vilões” da saúde auditiva. Esses hábitos podem causar a “perda auditiva escondida”, que ainda não é visível no exame de audiometria, mas já se apresenta com redução de células ganglionares do nervo auditivo – responsáveis por transformar a energia sonora em impulsos nervosos – e resultam na dificuldade de compreender a fala.

Outras causas muito comuns de perda auditiva em jovens e adultos são de origem metabólica, principalmente em pessoas com diabetes. Além de outras doenças infecciosas, como a meningite e a caxumba.

Como funciona o tratamento para pessoas que percebem a perda auditiva ao longo da vida?

Professora: Assim que a pessoa percebe dificuldade em entender a fala e ouvir, deve procurar um otorrinolaringologista e realizar os exames audiológicos com um fonoaudiólogo. Caso seja confirmado o diagnóstico de perda permanente, o tratamento indicado é a adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual (também conhecidos como próteses auditivas ou AASI) ou, em alguns casos, implante coclear – dispositivo parcialmente implantado, que estimula diretamente o nervo auditivo.

Uma vez instalada a perda auditiva, não há cura ou remédio. As células ciliadas da orelha interna são lesadas e o tratamento é a reabilitação auditiva com o uso de AASI. Os aparelhos auditivos atuais apresentam tecnologia de processamento de sinal digital altamente eficiente. Assim, muitos recursos auxiliares podem ser incorporados, como falar ao telefone e ouvir música via Bluetooth, participar de reuniões ou conferências com sistema de transmissão de frequência modulada – sistema FM, que permite a filtragem de ruído de fundo -, dentre outros.

Qual a principal causa da perda de audição em idosos?

Professora: Nessa faixa etária, a principal causa é a presbiacusia, perda auditiva decorrente do envelhecimento. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, em torno de 70% dos idosos acima de 65 anos de idade irão apresentar perda auditiva. Os idosos costumam demorar a procurar o médico para fazer o diagnóstico e, frequentemente, fazem a partir da queixa de seus familiares. Mas, esta realidade tem se modificado aos poucos, com o aumento da conscientização da população sobre a importância da comunicação e dos seus cuidados.

Uma das causas de aceleração do declínio cognitivo em idosos, como alteração de atenção e memória, podem ser decorrentes da perda de audição não tratada. Outro fator importante é a relação da perda auditiva não tratada e os índices de depressão nessa idade, grande parte devido ao isolamento social e comunicativo ocasionado pela limitação sensorial auditiva.

Considerando-se a perspectiva divulgada pela OMS de aumento nos casos de surdez, quais as medidas tomadas para alterar essa realidade?

Professora: Muitas campanhas são realizadas, incluindo o Dia Mundial da Audição, promovido pela OMS sempre em 3 de março. O tema deste ano foi “Ouça o futuro” e teve a preocupação de alertar para o aumento da perda auditiva em jovens e adultos em todo o mundo.

As perdas de origem ocupacional ou por exposição a sons intensos podem e devem ser prevenidas. Segundo a OMS, atualmente as perdas de audição correspondem a 22% das notificações de saúde ocupacional. Todas as empresas devem ter um programa de prevenção, com a utilização de equipamento de proteção individual, equipe multiprofissional de saúde do trabalho para orientar sobre as medidas protetivas e preventivas, sejam individuais ou do ambiente de trabalho, além da realização de monitoramento audiológico periódico.

No Brasil, os programas públicos de saúde auditiva contribuíram muito para expandir o cuidado às pessoas com perda auditiva e o acesso à reabilitação especializada. É fundamental sua continuidade e expansão em todo o território nacional, dada sua relação com a manutenção e melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros portadores de perda auditiva.

*Guilherme Gurgel – estagiário de Jornalismo

edição: Deborah Castro