Desinformação e maior fragilidade na pandemia podem aumentar violência obstétrica

No mês da mulher, o programa de rádio Saúde com Ciência alerta sobre essa forma de violência contra as mulheres


25 de março de 2021 - , , ,


Maria Beatriz Aquino*

Uma a cada quatro mulheres no Brasil já sofreu violência obstétrica, de acordo com pesquisa organizada pela Fundação Perseu Abramo e pelo Sesc. A preocupação de especialistas no tema é que situações de violência fiquem mais comuns durante a pandemia, que demandou a reestruturação de serviços de saúde e a adoção de novos protocolos. Por isso, muitas dúvidas surgiram entre as gestantes neste período, o que pode tornar ainda mais difícil identificarem possíveis abusos.   

Para a Organização Mundial de Saúde, entende-se por violência obstétrica os atos agressivos tanto de forma psicológica quanto física. Os abusos podem ser vivenciados em qualquer momento da gestação, desde o pré-natal até o pós-parto. A equipe médica não é a única responsável, esse tipo de violência também pode surgir da própria família. E pelo fato da gestação, parto e pós-paro serem um período de maior sensibilidade, as gestantes podem não conseguir se defenderem desse tipo de agressão.

A professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG, Ana Luiza Lunardi, exemplifica ações e situações que caracterizam a violência obstétrica:

Pandemia

Em respeito às medidas de isolamento social e proibições de aglomerações pelas autoridades públicas, algumas maternidades e instituições de saúde decidiram proibir a entrada de acompanhantes durante e após o trabalho de parto. Mas, de acordo com a especialista, essa medida se configura como violência obstétrica, uma vez que o acompanhamento é um direito garantido por lei às grávidas.

“Em nenhum momento a lei do acompanhante deve ser desrespeitada. Isso é um direito garantido por lei pelas parturientes”, defende Ana Luiza Lunardi. 

A pandemia de coronavírus também tem impactado nos cuidados antes do parto. Isso porque algumas gestantes tendem a interromper o acompanhamento médico com receio em sair às ruas. Além disso, a professora Ana Luiza comenta que maiores níveis de estresse, ansiedade e, até mesmo, de depressão pós-parto têm sido diagnosticados nas mulheres e constados em trabalhos científicos. O motivo seria uma preocupação constante de serem acometidas pela Covid-19 e isso afetar os recém-nascidos.

Mas a especialista reforça que as consultas médicas e exames durante a gravidez são fundamentais, e abandoná-los não é a melhor solução.

Atenção à amamentação

Além das preocupações no pré-natal, o período após o nascimento do filho, conhecido como “Hora de Ouro”, requer cuidados e atenção. Esse é um momento em que mãe e filho trocam seus primeiros contatos e ocorre a primeira amamentação. Justamente nesta ocasião, julgamentos e cobranças excessivas sobre como lidar com o bebê podem surgir, seja por parentes ou pela equipe médica, o que também caracteriza uma violência obstétrica.

E para as mães que se questionam sobre os riscos de infecção dos filhos pelo coronavírus durante o aleitamento, Lunardi tranquiliza.

A especialista pontua que a amamentação deve acontecer e as cautelas quanto à saúde do bebê, também, devem ser asseguradas.

Informação é poder

Com a maior veiculação de informações sobre violência obstétrica, o que se espera é que o número de denúncias aumente. Mas nem sempre a mulher consegue identificar essa situação. E nas últimas décadas, essa identificação era ainda mais difícil, pois o tema ainda era tratado com muitos tabus.  

A arrematadeira Maria Ignêz Sousa, ouvinte do programa Saúde com Ciência, relata ter sido vítima de abusos físicos e verbais durante seu segundo parto, em 2000. Ela descreve como ocorreu e afirma que na época não sabia que se tratava de um tipo de violência obstétrica. Por isso não tomou nenhuma atitude.

Para a costureira Rita de Cássia, também ouvinte do programa, a situação vivida durante sua gravidez foi conturbada. Somente hoje ela consegue reconhecer o trauma vivido durante o pré-natal, em 1995, como um tipo de violência obstétrica. Segundo ela, foi o constrangimento que lhe impediu de partilhar com a família.

Para a professora Ana Luiza Lunardi, as mulheres têm se informado cada vez mais, o que contribui para o combate à violência.

“Informação é poder. É com informação de qualidade que a gente vai conseguir diminuir o número de violência”, frisa. 

Para realizar uma denúncia contra violência obstétrica, a mulher deve reunir documentos da instituição, como prontuário médico, cartão da gestante, plano de parto, exames ou quaisquer documentos referentes à assistência médica, um relato por escrito do acontecimento e se dirigir à ouvidoria do hospital ou da unidade de saúde onde procedeu o ocorrido. Além dessas, as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde têm um órgão específico para atendimento à mulher.

Aspas Sonoras

As “Aspas Sonoras”, produção do Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG, ampliam a discussão sobre os temas abordados nas séries de rádio realizadas pelo Saúde com Ciência. As matérias apresentam áudios e textos inéditos do material apurado na produção das séries.

*Redação: Maria Beatriz Aquino – estagiária de Jornalismo

Edição: Karla Scarmigliat