Doação de órgãos e tecidos no Brasil reduz 29% durante a pandemia

Dia Nacional da Doação de Órgãos, celebrado neste 27 de setembro, é dedicado à sensibilização e à conscientização para a importância da doação de órgãos.


27 de setembro de 2021 - , , , , , ,


A pandemia de covid-19 trouxe desafios também para a doação de órgãos. Estudo publicado neste mês pela revista científica The Lancet Public Health, mostra que o total de transplantados no mundo caiu 16% no último ano, em consequência da pandemia. Já o Brasil teve redução de 29%, um dos países com pior performance.

Essa queda teve reflexos também em Minas Gerais. Dados da Fundação Hospitalar do Estado de Minas (Fhemig), mostram que a taxa de recusa familiar aumentou cerca de 50% durante a pandemia, além da queda de mais de 30% nos transplantes realizados no estado no comparativo entre 2019 e 2020.

Para o professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG e ex-diretor do MG transplantes, Charles Simão, uma das possíveis causas foi o afastamento das pessoas das instituições hospitalares neste momento, pelo medo de contágio. Com isso, a criação de vínculo entre familiares e equipe médica foi prejudicada, o que seria um fator importante na tomada de decisão.

Além disso, mitos e tabus que cercam o tema também dificultam a escolha pela doação. E com a pandemia, outras dúvidas acabaram surgindo. Uma delas é se uma pessoa que teve covid-19 pode ser doadora. O professor Charles Simão explica que não tem relação entre a doença e a possibilidade de ser um doador.

“A covid-19 é uma doença viral, mas não é uma doença em que o vírus permanece circulando, pelo menos até onde vai nosso conhecimento. Diferente de outras situações, como a doença de Chagas ou o vírus HIV, em que as pessoas continuam portando aquele vírus, mesmo que com carga viral indetectável”, pondera.

No caso da pós-covid, em que é possível ter algum tipo de sequela, o professor esclarece que os pacientes são avaliados clinicamente para verificar a possibilidade de doação assim como qualquer outro.

Como doar?

Para ser um doador de órgãos, é preciso avisar à família, pois somente ela tem autonomia para decidir pela doação após a morte do paciente.

“Muitos desses pacientes que partem poderão ser doadores. Então, que esse assunto esteja presente na conversa de família, reunião de amigos, para que mais pessoas possam fazer parte um dia dessa forma mais suprema de solidariedade humana”, reforça Simão.

No Brasil, cerca de 45 mil pessoas aguardam nas filas à espera de um órgão para transplante. Os órgãos que podem ser doados são coração, rim, pâncreas, pulmão e fígado. Já os tecidos são córneas (tecido translúcido que fica na superfície do olho), pele, osso e medula. Para cada órgão e tecido, existe uma fila de espera, com critérios diferentes para a ordem de chamada.  

No caso de doação em vida, podem ser doados órgãos duplos, como rins e, em centros mais avançados, até pulmão e fígado. Há ainda o transplante de tecidos, como a córnea. A doação entre vivos só pode ser feita para aparentados até o segundo grau, como filhos, irmãos, cônjuge e pais. Fora desse círculo familiar, é necessária ação judicial. “É uma forma de coibir qualquer tipo de comércio de órgãos entre doadores e receptores”, justifica.

Vale ressaltar que, no Brasil, 95% dos transplantes são realizados exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde, mesmo para pacientes com algum tipo de plano de saúde. A saúde suplementar cobre apenas o transplante de rins e córneas.

Mitos

Alguns mitos mais antigos ainda perduram no imaginário da população. Por isso, em entrevista ao Saúde com Ciência, o professor Charles Simão esclareceu alguns deles. Confira abaixo:

A doação de órgãos causa deformidade?

É um mito completo. A doação de órgão é uma cirurgia como outra qualquer. É feita uma incisão abdominal ou torácica, em que os órgãos são retirados e depois fechado, sem nenhuma deformidade. E, mesmo as córneas, as cirurgias são feitas de forma plástica, de maneira que não altera o aspecto do paciente.

Também é um mito a história de que quem recebe um órgão de uma pessoa passa a se comportar como o falecido?

É lindo na poesia, como quando fala do coração, mas na verdade o que determina o sentimento e afeto está no cérebro e não no coração. O MG Transplantes mantém o anonimato das doações para evitar a busca do familiar pelo paciente que recebeu órgãos ou tecido, nesses casos em que a pessoa que imagina que o ente está vivo no paciente, ou no casos em que, por alguma dificuldade financeira, o familiar busca por algum tipo de compensação financeira.

Existe algum limite de idade para a doação?

Não transplantamos, por exemplo, um órgão de um paciente de 60 anos em uma pessoa de 20 anos. Hoje já existe no registro americano de dações e transplantes doadores acima de 80 anos. Mas, obviamente, vão doar para pacientes mais idosos, acima de 70 anos.  Então, a tendência é que, com o envelhecimento da população e diminuição de órgãos disponíveis, a gente vá avançando um pouco mais na idade e aceitando doadores mais velhos.

Saiba mais

Outros mitos e verdades, assim como os critérios para doação e o panorama brasileiro de transplantes e doação de órgãos podem ser conferidos do programa de rádio Saúde com Ciência.

O progama é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.