Transfobia compromete a saúde de mulheres trans

No mês das mulheres, entenda os principais desafios em saúde de mulheres diversas.


16 de março de 2020 - , , ,


A expectativa de vida das pessoas trans é de 35 anos. Essa idade estimada é menos da metade da média nacional, que é de 75,5 anos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de dificuldades no acesso e atendimento nos serviços de saúde, essas pessoas têm como um dos principais fatores de adoecimento, a transfobia, que de forma estrutural e histórica, impede que essas mulheres cheguem à velhice.

No programa especial para o mês das mulheres, o Saúde com Ciência traz série especial “Poucas de muitas: qualidade de vida e saúde de mulheres diversas”, que fala sobre questões que impactam na saúde das mulheres indígenas, quilombolas, rurais, urbanas e trans. Ouça aqui.

A transfobia designa um conjunto de ações e sentimentos preconceituosos ou discriminatórios contra pessoas transgênero, isto é, que têm identidade de gênero diferente do sexo atribuído ao nascer. Para a professora e primeira mulher trans a se candidatar ao cargo de senadora no Brasil, Duda Salabert, não é possível falar sobre a saúde das mulheres trans sem antes considerar o contexto de vulnerabilidades na qual estão inseridas.

De acordo com Duda, a transfobia se ramifica em diversas estruturas e instituições. 

“A família é uma instituição e segundo estudo da UFMG, 6% das travestis e transexuais foram expulsas de casa com menos de 13 anos de idade. A escola também é uma instituição. Segundo essa mesma pesquisa, 91% das travestis e transexuais não concluíram o segundo grau”, cita.

Às margens

Esses dados contribuem para outro, que também aumenta a vulnerabilidade de saúde das mulheres trans: 90% dessas mulheres se encontram na prostituição. “Para nós, travestis e transexuais, a prostituição é quase que compulsória e obrigatória, já que é raro uma travesti ser inserida no mercado formal de trabalho”, lamenta Duda.

As relações sociais e o trabalho são considerados fatores de proteção à saúde, especialmente a mental. Isso porque esses fatores constituem a identidade de uma pessoa. Além disso, uma boa saúde financeira previne problemas como ansiedade, depressão e conflitos familiares.

“Como falar de saúde sendo que não tem saúde financeira? Como falar de saúde emocional, já que nossos corpos são objetificados e retirados deles a possibilidade de relações afetivas estáveis? E também não temos saúde mental, já que temos problemas sérios com as nossas famílias, já que somos expulsas do seio das nossas famílias ainda na pré-adolescência”, questiona Duda Salabert.

Confira a reportagem especial do Saúde com Ciência aqui.

Para o coordenador discente do projeto de extensão “Integralidade do Cuidado da Saúde”, da Faculdade de Medicina da UFMG, Gustavo Melo, a saúde mental das mulheres trans é um desafio. “64% das pessoas trans, incluindo as dos Estados Unidos, já pensaram em cometer autoextermínio. É uma média extremante elevada e esses determinantes interferem na qualidade de vida dessas mulheres, que veem suas parceiras sendo assassinadas e muitas vezes tendo diversas portas sendo fechadas”, afirma.

Avanços, mas nem tanto

Apesar de algumas iniciativas positivas no atendimento em saúde a essas mulheres – como a elaboração da Nova Classificação de Doenças (CID), que retira a transexualidade do hall de doenças, e criação de ambulatório para a Saúde Integral para Travestis e Transexuais –  o sistema de saúde público e particular ainda não consegue acolher essas mulheres, que denunciam o desrespeito aos seus direitos.

“A maioria das mulheres passam pelo processo transexualizador, o que é um direito. No entanto, elas chegam no sistema de saúde e já são encaminhadas para o processo transexualizador, mas não necessariamente a demanda em saúde está relacionada a isso ou com o que é ofertado por esse equipamento”, aponta Gustavo.

Ele também comenta que, muitas vezes, essas mulheres têm seus nomes sociais desrespeitados pelos profissionais.

Qualificação

Para o professor do Departamento de Clínica Médica, da Faculdade de Medicina da UFMG, Nathan Mendes, é preciso trabalhar com a qualificação dos profissionais de saúde.

“Os profissionais que não tiveram essa qualificação, precisam demandar do setor de educação permanente do seu município, estado ou federação, capacitação online, presencial, múltiplas e continuadamente. E se você não tem essas competências, provavelmente a sua equipe não está fazendo busca ativa, desconhece essas pessoas”, alerta.

O professor junto ao discente da Faculdade de Medicina participam do Comitê Técnico Estadual da Saúde Integral da População Trans. “A legislação estadual está sendo construída de forma colegiado e transparente para ser um instrumento de orientação, regulamentação e para instigar a configuração das linhas de cuidados para essas mulheres trans”, conta.

Um pouco de muitas

Indígenas, quilombolas, rurais, urbanas ou trans. A saúde e qualidade de vida de mulheres de diferentes tribos é contemplada no programa de rádio Saúde com Ciência desta semana, que traz a série “Poucas de muitas: qualidade de vida e saúde de mulheres diversas”.  O programa conta com a participação especial de ativistas, representantes das causas femininas e mulheres que têm muito a dizer sobre o lugar que ocupam na sociedade e como isso impacta na saúde.

Confira a programação da semana:

:: Mulheres modernas
:: Mulheres indígenas
:: Mulheres quilombolas
:: Mulheres rurais
:: Mulheres trans

Sobre o Programa de Rádio

O   Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.