Entenda a nova linhagem do vírus da zika que está em circulação no Brasil

Especialistas esclarecem dúvidas sobre a novidade


21 de julho de 2020 - , , , ,


Foto de mosquito Aedes aegypti  sobre a pele. Ao lado o texto "Uma nova ameaça?"

Foto original: Publicdomainfiles.com

*Giovana Maldini

Uma nova linhagem do zika vírus, originada na África, está circulando no Brasil, de acordo com o estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da Bahia. A descoberta, através da análise de sequencias genéticas disponíveis em banco de dados públicos, alerta para a possibilidade de uma nova epidemia no país. A preocupação também se deve ao surto de 2015, causado pela linhagem de origem asiática, que mostrou a relação da doença com alterações no desenvolvimento de bebês, como a microcefalia, ou com complicações neurológicas como Síndrome de Guillain Barré.

Para entender melhor sobre essa nova linhagem, as professoras Aline Almeida Bentes, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, e Erna Geessien Kroon, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, esclarecem as principais dúvidas sobre o assunto.

O que é uma linhagem viral? É o mesmo que sorotipo?

Aline – Todos os vírus fazem muitas mutações, principalmente os vírus RNA, como zika, dengue e febre amarela. Quando se fala em uma nova linhagem, significa que houve mutações suficientes desses vírus para determinar linhagens diferentes, mas não suficientes para determinar um sorotipo diferente. O vírus da dengue, por exemplo, tem sorotipos geneticamente tão diferentes que determinam a dengue tipo 1,2,3 e 4.

Quando uma pessoa é infectada pela dengue tipo 1, ela ainda é suscetível a dengue tipo 2, por exemplo, porque, por serem tão diferentes, não são produzidos anticorpos suficientes que neutralizem a infecção pelo dengue 2. Já em uma linhagem, não.

Em uma nova linhagem, ocorrem mutações que podem melhorar o “fitness viral”, capacidade que um vírus tem de enganar o sistema imunológico, aumentar o tempo de viremia [presença do vírus circulando no sangue], ou ser mais ou menos neurotrópico [capacidade de infectar as células nervosas]. Nós sabemos que o zika vírus é bastante neurovirulento, com capacidade de infectar o sistema nervoso e causar manifestações neurológicas.

Essa nova linhagem é considerada mais grave em relação a que já circulava no Brasil?

Erna – Não podemos concluir isso. Muitos estudos da linhagem africana são feitos com um vírus adaptado à cultura de células e aos camundongos. Recentes estudos indicam que amostras não adaptadas da linhagem africana ativam mais fracamente o sistema imune, o que poderia resultar em uma doença mais branda.

Quem contraiu a outra linhagem pode contrair a nova?

Aline – Ainda é preciso de mais pesquisas para determinar isso. Até onde os estudos mostram, se uma pessoa foi infectada pelo zika, ela tem anticorpo suficiente para não se infectar novamente. Mas, com essa nova linhagem, é preciso de outros estudos para determinar se quem tem o anticorpo se infectaria de novo pela doença.

Há três formas principais de transmissão do zika vírus

Os sintomas são os mesmos em relação à linhagem asiática?

Erna – Pelo que a literatura registra, os sintomas são os mesmos já conhecidos. Os principais são: eritema cutâneo, febre, artralgia, mialgia, fadiga, dor de cabeça e conjuntivite. O cuidado deve ser o mesmo, pois não existem evidências que comprovem a diferença.

Há um período do ano em que é mais provável surgir essa epidemia?

Cuidados para prevenção ao zika vírus

Aline – Principalmente nos períodos de chuva. Estamos agora no período mais seco do ano. A partir de setembro e outubro é quando temos aumento de casos, tanto de zika, quanto de dengue, devido a chuva.

Visto o grande número de leitos ocupados devido à pandemia da covid-19, quais os principais impactos para a saúde pública em caso de uma nova epidemia da zika?

Aline – Com a pandemia, estamos tendo problemas principalmente com vagas em Centro de Terapia Intensiva (CTI). E sabemos que o vírus da zika, por ser muito neurovirulento, pode causar Guillain-Barré, uma doença em que o paciente, muitas vezes, precisa de vagas de CTI e de suporte intensivo maior durante o tratamento. Então, quando o sistema de saúde está sobrecarregado, fica muito difícil lidar com outras epidemias.  

Então, como diminuir os impactos e preparar a saúde pública?

Aline – O investimento é essencial. Sem financiamento é difícil, não só para montar leitos de CTI, como também montar equipes treinadas, intensivistas, técnicos de enfermagem e enfermeiros que saibam trabalhar em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com pacientes mais graves. Então é necessário investimento maior na educação e em treinamento, além de uma administração boa dos recursos. Tudo isso é importante para melhorar a capacidade de atendimento à população.

“As pessoas precisam entender a importância, tanto de investir em saúde, quanto de investir em ciência, para melhorar a qualidade de vida de toda a população. Isso traz muitos retornos. Saúde e educação não são gastos públicos, são investimentos. Essa é a mensagem mais importante para a gente lidar com a pandemia do coronavírus e com todos os outros surtos e epidemias”

Professora Aline Almeida Bentes

Mais informações sobre a doença no portal do Ministério da Saúde.

Leia também: Pesquisa identifica os primeiros casos de microcefalia por zika na África


*Giovana Maldini – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro