Pesquisa identifica os primeiros casos de microcefalia por zika na África

Estudo com participação do ICB mostra que o vírus saiu do Brasil e deu a volta ao mundo para chegar ao continente africano


30 de setembro de 2019 - , , , ,


Grupo de pesquisadores da UFMG e de Oxford em Luanda, capital de Angola. Arquivo pessoal

Estudo publicado nesta quinta-feira, dia 26, pelo periódico The Lancet Infectious Diseases identificou casos de microcefalia desencadeados pelo zika vírus em mulheres africanas grávidas. O trabalho, desenvolvido em parceria entre o Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, o ICB e os ministérios da Saúde de Angola e Portugal, recorreu às mais recentes tecnologias de sequenciamento genômico portátil para investigar casos suspeitos da infecção. Microcefalia é uma malformação congênita que impede que o cérebro se desenvolva de maneira adequada.

Os resultados da pesquisa indicam que o genótipo asiático do vírus zika relacionado a quadros de microcefalia no Brasil circula em Angola pelo menos desde 2016 – ele teria partido do próprio Brasil. Além disso, a rota de migração do vírus para a África reflete a rota de viagens no circuito Brasil-Angola, e a ausência de descrição de casos anteriores de microcefalia por zika deve-se à sub-notificação das agências de saúde africanas.

Para entender a história genética desse vírus, foram realizados exames sorológicos, moleculares e sequenciamento de genoma do zika. O estudo também se propôs a estudar a frequência, a distribuição geográfica e demais aspectos determinantes dos casos de microcefalia nas populações atingidas, ou seja, sua epidemiologia. O grupo identificou cerca de 50 casos de microcefalia suspeitos de zika em Luanda, capital de Angola. Três foram confirmados por testes do genoma viral. 

Os pesquisadores já sabiam que existem duas linhagens do vírus zika: africana, restrita ao continente africano, e asiática, responsável pelas grandes epidemias de zika e microcefalia associada nas Américas. Até então, apenas a linhagem africana havia sido detectada no continente. “Não há outro trabalho que descreva casos de microcefalia por zika na região”, afirma um dos autores da pesquisa, o biólogo Renato Santana Aguiar, professor do departamento de Genética, Ecologia e Evolução e do Programa de Pós-graduação em Genética do ICB.

Aguiar: identificação de 50 casos suspeitos de microcefalia. Foto: Arquivo pessoal

Esta é a primeira vez que genomas completos do vírus da zika foram gerados no continente. Por outro lado, o vírus foi isolado pela primeira vez em Kampala, capital da República de Uganda, e leva o nome de zika por causa de floresta homônima na região. Há séculos, o vírus circula na África, afirma o autor principal do estudo, o pesquisador Nuno Faria, da Universidade de Oxford. “Nosso estudo evidencia a necessidade de maior vigilância em áreas onde circulam o zika e outros vírus transmitidos por mosquitos”, reforça.

Volta ao mundo

Para Renato Aguiar, a descoberta de que os casos de microcefalia identificados na África estão relacionados a uma cepa do vírus oriunda do Brasil é de grande importância, uma vez que mostra a relevância de se conhecer melhor o processo de mobilidade humana na dispersão de epidemias virais. 

Tendo os viajantes como hospedeiros, o vírus deu a volta ao mundo e retornou para a África, seu local de origem. Antes, ele passou pela Ásia e chegou às Américas pelo Brasil.

Recém-chegado à UFMG, Renato Aguiar observa que seu grupo de pesquisa multicêntrico foi formado ainda em 2015, quando começou a epidemia de zika no Brasil. Isso levou à criação da primeira clínica de reabilitação e cuidados de crianças com microcefalia em Campina Grande, na Paraíba, uma das pioneiras na identificação dos casos de zika no Brasil. Lá, um dos casos de microcefalia detectados em Angola está sendo acompanhado com apoio da ONG Fraternidade sem Fronteiras.


(Cedecom com Assessoria de Comunicação e Divulgação Científica do ICB)