Estudo analisa sofrimento psíquico entre estudantes de Medicina
A partir das demandas que chegam à Escuta Acadêmica foi possível avaliar dificuldades vividas pelos alunos.
29 de outubro de 2014
*matéria publicada na edição 41 do jornal Saúde Informa
A partir das demandas que chegam à Escuta Acadêmica foi possível avaliar dificuldades vividas pelos alunos e os ambientes de acolhida existentes na Faculdade de Medicina
Infrequência às aulas, reprovações, desinteresse pelo estudo: essas são algumas das demandas acadêmicas que chegam à Assessoria de Escuta Acadêmica do Centro de Graduação da Faculdade de Medicina da UFMG (Cegrad), e trazem veladas situações de sofrimento psíquico dos alunos da Unidade.
“Essas demandas aparecem como sintomas de que existem questões causando sofrimento aos alunos e, a partir dessas queixas, trabalhamos fatores associados às dificuldades emocionais de cada estudante”, explica a psicóloga e autora da dissertação defendida junto ao Programa de Pós- Graduação em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG, Maria das Graças Santos Ribeiro. Em sua formação, o estudante de medicina vivencia seis anos de curso, com atividades teóricas e práticas, monitorias, iniciação científica, projetos de extensão, ligas acadêmicas e outras atividades extracurriculares. Quando procura a Escuta Acadêmica, que é um espaço para acolhida dos estudantes, responsável por acompanhar desde os trancamentos de matrícula a demandas originadas por conflitos vivenciados no decorrer do curso, ele traz queixas que podem ser de colegas, professores e familiares e, por vezes, solicita o trancamento de sua matrícula.
A análise das solicitações de trancamentos totais de estudantes do 1º ao 12º período do curso de Medicina, ao longo de seis anos, mostrou que 59,6% dos trancamentos têm como justificativa o sofrimento psíquico. A maior parte dos trancamentos de matrícula aconteceu no Ciclo Básico da Medicina, e 62,8% deles com justificativa de algum sofrimento psíquico e dúvidas relacionadas à escolha do curso, o que apontou para uma necessidade de maior acolhida para esse grupo de estudantes.
“As dificuldades também se encontram na novidade da entrada na Universidade, na pressão familiar, e no percurso da graduação, que exige estudo mais autônomo e possui grande quantidade de conteúdo e carga horária de aulas, por exemplo”, conta Maria.
Outros períodos com índice elevado de trancamentos são o 5º e 6º períodos, logo no início do Ciclo Ambulatorial. A autora explica que é comum ouvir dos estudantes que o atendimento aos pacientes traz sofrimento e angústia, e que é difícil lidar com as situações vivenciadas pelos pacientes.
O estudo também mostrou que entre os motivos do sofrimento psíquico dos alunos estão o volume excessivo de estudos, falta de lazer, insegurança, contato íntimo e constante com a dor e o sofrimento do outro, exigências pessoais.
“Além da sobrecarga de estudos, os alunos são, por vezes, incentivados a participar de diversas atividades extras ao mesmo tempo, até mesmo pelo sentimento de competição com os colegas e pela preocupação com o currículo para a Residência Médica. É preciso fazer escolhas, não é possível fazer todas as atividades e formar-se um profissional completo. O excesso causa adoecimento”, ressalta.
A procura por ajuda, de profissionais internos ou externos, é muitas vezes evitada pelos alunos, pois há um estigma que “aluno com sofrimento psíquico não pode ser médico”. Algumas falas analisadas por Maria das Graças, que também é Assessora da Escuta Acadêmica do Cegrad, mostraram menosprezo por queixas psíquicas e uma grande dificuldade dos futuros médicos e de professores da Faculdade, em lidar com a questão.
Espaços para acolhida
“É imprescindível que a instituição tenha espaços para acolher os alunos nas dificuldades e disponibilize escuta e apoio. Isto possibilita a percepção de saídas para os impasses vivenciados”, defende Maria.
As possibilidades oferecidas aos estudantes da Faculdade de Medicina para assistência psicológica, apoio e acolhida são o Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes da Faculdade de Medicina (Napem), a Tutoria, os colegiados, a Assessoria de Escuta Acadêmica e a Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump), além de professores que se dispõem a um olhar de cuidado para com o aluno.
A Escuta Acadêmica tem tornado possível conhecer e intervir, muitas vezes precocemente, em situações de sofrimento e dificuldades pessoais, com a indicação e incentivo ao tratamento quando se percebe essa necessidade, encaminhamentos diversos, diálogos com professores, familiares e os colegiados.
“Não temos como saber o número exato de estudantes que vai encontrando caminhos com menos sofrimento, mas percebemos isso na diminuição de demandas recorrentes, na busca por tratamento, em uma maior implicação nos motivos que levam aos trancamentos de matrícula, na aproximação de familiares no cuidado com o aluno, no repensar da escolha profissional.”
Com o mesmo propósito, acontecem também o MedCine, que é um espaço de reflexão, e palestras semestrais do Napem para discussão de temas relacionados à vida acadêmica e do estudante. Para a autora da pesquisa, no entanto, é necessário oferecer à comunidade acadêmica mais eventos e espaços de diálogo em que se possa refletir sobre relações mais acolhedoras e menos intolerantes com limitações e fragilidades, também sobre uso de álcool e drogas, sobre a violência nas relações e a alta frequência de sofrimento psíquico entre os estudantes.
“Se estamos formando pessoas para trabalhar com a saúde, cuidar do outro, a instituição deve se preocupar em cuidar também desses futuros profissionais”, conclui.
Título: “Sofrimento psíquico entre estudantes de Medicina da UFMG: uma contribuição da Assessoria de Escuta Acadêmica”
Nível: Mestrado
Autora: Maria das Graças Santos Ribeiro
Orientadora: Cristiane de Freitas Cunha Grillo
Coorientadora: Cristina Gonçalves Alvim
Programa: Promoção de Saúde e Prevenção da Violência
Defesa: 31 de julho de 2014