Consumo de leite superior a 260 ml/dia diminui risco de morte por doenças cardiovasculares

Artigo premiado pela American Heart Association indica que o consumo diminui o risco de morte por doenças cardiovasculares em até 66%.


20 de junho de 2022 - , , , , , ,


Leite in natura teve melhor resultado entre alimentos pesquisados. Foto: Rodrigo Monteiro/EMBRAPA.

Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG demonstrou associação entre o consumo de leite e a diminuição do risco de morte por doenças cardiovasculares. Uma parte dos resultados está em publicação do European Journal of Nutrition.

O estudo foi realizado com dados do ELSA-Brasil, uma pesquisa longitudinal desenvolvida por seis instituições de ensino e pesquisa do país, incluindo a UFMG, e foi o trabalho de doutorado da nutricionista Fernanda Marcelina Silva, orientado pelas professoras do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina, Sandhi Maria Barreto e Luana Giatti. Foram avaliados o grupo dos chamados laticínios totais (leite, queijos, iogurtes, requeijão, manteiga, sobremesas lácteas e sorvete), alguns subgrupos (fermentados e lácteos com alto e baixo teor de gordura) e também do leite, em separado.

Os resultados mostram que o consumo de leite superior a 260 ml para homens e 321 ml para mulheres diminui em até 66% o risco de morte por doenças cardiovasculares. Resultados parecidos foram encontrados também para laticínios totais. Entretanto, os melhores resultados foram com o leite, alimento in natura, e revelaram diferenças importantes no consumo entre os sexos.

“Por muito tempo o leite foi tratado como alimento nocivo à saúde, mas esses resultados mostram o contrário, corroborando com outros estudos mais recentes ao redor do mundo”, afirma Fernanda, que é mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto e doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina da UFMG.

A pesquisadora explica que, nos últimos anos, os alimentos in natura vêm perdendo espaço na alimentação do brasileiro, o que despertou o interesse para o tema. “As Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) detectaram aumento significativo na parcela de alimentos prontos para consumo na alimentação dos brasileiros, ao passo que há queda de alimentos in natura, incluindo o leite. Essa mudança no padrão alimentar ao longo dos anos vem acompanhada pelo aumento das doenças crônicas não transmissíveis e do risco de morte por essas doenças”, aponta.

A maior parte dos estudos disponíveis sobre o tema são de países desenvolvidos, onde a população tem padrão de consumo alimentar diferente dos hábitos no Brasil. “O brasileiro consome relativamente pouco leite e seus derivados se comparado com habitantes de países desenvolvidos, embora sejamos um país com participação importante na produção mundial de leite. Em outros estudos, vemos que há relação entre a renda e o consumo de leite, então provavelmente há uma restrição no acesso a esse alimento no Brasil”, analisa.

“A população deve buscar priorizar o consumo de alimentos com menor grau de processamento, como forma de prevenir ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis”

Desenho do estudo

O estudo incluiu aproximadamente 7 mil participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA Brasil), uma coorte que acompanha cerca de 15 mil servidores públicos, com idade entre 35 e 74 anos desde 2008-2010. O ELSA-Brasil é realizado em seis capitais: Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Vitória (ES), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).

A tese defendida analisou dados coletados ao longo de oito anos de seguimento dos participantes do ELSA-Brasil. As informações sobre consumo alimentar habitual, incluindo leite de vaca e outros laticínios, foram obtidas por meio de questionário no início do estudo. Também foram coletados dados sociodemográficos, sobre comportamentos como tabagismo e atividade física e sobre a saúde em geral. As informações sobre os óbitos foram obtidas durante as ligações telefônicas feitas anualmente para atualizar o estado de saúde dos participantes.

A análise feita envolve o uso de modelos estatísticos que permitem avaliar se o consumo de laticínios prediz o risco de morte no período do estudo. Essa análise permite avaliar se a associação entre consumo de laticínios e risco de morte por doenças cardiovasculares é independente de fatores sociodemográficos e comportamentais dos participantes, como idade, prática de atividade física, tabagismo, consumo de frutas e vegetais, entre outros.

O ELSA Brasil é a maior pesquisa latino-americana sobre o desenvolvimento de doenças crônicas, como as doenças cardiovasculares, câncer e doenças metabólicas (obesidade, diabetes, dislipidemia, etc), entre outras.

Ainda será publicado um segundo artigo a partir da tese de doutorado de Fernanda Marcelina. Os dados ainda estão sobre embargo, mas os resultados reforçam evidências anteriores sobre os efeitos nocivos do consumo de alimentos prontos, especificamente os ultraprocessados, sobre o risco de morrer por doenças crônicas não transmissíveis

Para Fernanda, a principal mensagem é priorizar uma alimentação saudável, balanceada e rica em alimentos in natura. Além disso, políticas públicas podem melhorar o acesso a alimentos saudáveis. “Nossos dados indicam a necessidade do incentivo do consumo de leite e, por outro lado, a redução de alimentos ultraprocessados. O consumo de laticínios entre os brasileiros é baixo em comparação com países desenvolvidos. Esse incentivo pode contribuir para prevenção de mortes por doenças cardiovasculares. Precisamos também de políticas públicas mais rigorosas para controlar o consumo de alimentos ultraprocessados, por exemplo, com taxação de alimentos com alto grau de processamento e restrição da publicidade, ao mesmo tempo, subsidiando e promovendo alimentos saudáveis”, conclui.

“Hoje é claro e evidente que os ultraprocessados apresentam, além de composição nutricional desbalanceada, compostos, aditivos e substâncias nocivas à saúde e associadas a uma série de doenças crônicas”.

O trabalho foi premiado na Scientific Sessions 2021, da American Heart Association, com a referência Paul Dudley White International Scholar de melhor resumo brasileiro. A pesquisa também foi agraciada como o melhor tema livre oral na categoria Jovem Pesquisador do Congresso Brasileiro de Cardiologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Financiaram e apoiaram a pesquisa o Ministério da Saúde; o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações; o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Tese: Consumo de laticínios e alimentos ultraprocessados e risco de morte: resultados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil)
Autora: Fernanda Marcelina Silva
Orientadora: Sandhi Maria Barreto
Coorientadora: Luana Giatti Gonçalves
Data da defesa: 26 de maio de 2022

ELSA Brasil

O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto é uma investigação multicêntrica composta por 15 mil servidores de seis instituições públicas das regiões Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil. A pesquisa tem o propósito de investigar a incidência e os fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares e o diabetes.

Em cada centro integrante do estudo, os sujeitos da pesquisa – com idade entre 35 e 74 anos – fazem exames e entrevistas de 4 em 4 anos aproximadamente para avaliar a saúde e obter informações sobre aspectos como condições de vida, trabalho e comportamentos que podem afetar a saúde, como a dieta. Em Minas Gerais, o Centro de Pesquisa fica no Hospital Borges da Costa, anexo ao Hospital das Clinicas/EBSERH, sendo coordenado pelas professoras Sandhi Maria Barreto e Luana Giatti, da Faculdade de Medicina da UFMG.

Além de fomentar o desenvolvimento de novas investigações, o estudo visa a adequação de políticas públicas de saúde às necessidades nacionais.

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