Projeto Elsa avança em pesquisas e avalia impactos da pandemia na saúde

Estudo longitudinal é destaque da série de reportagens “Janelas: da Universidade para a comunidade”.


28 de maio de 2020 - , , ,


Em pouco mais de uma década de atuação, o Projeto de Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (Elsa Brasil) permitiu documentar dados importantes sobre a saúde do adulto, como a dinâmica de doenças crônicas no país. Hoje, com o contexto de pandemia, todo o trabalho realizado ao longo desses anos possibilitará mais uma contribuição importante do Elsa sobre a realidade da saúde da população. A expectativa é que no próximo mês o projeto inicie pesquisa inédita, que compara aspectos da saúde do adulto antes, durante e após a pandemia. 

“A covid-19 traz à tona a importância do controle de doenças crônicas e da prevenção e promoção da saúde, porque essas pessoas são especialmente mais vulneráveis, não só à ação do vírus, mas das medidas para controlar a pandemia, como o distanciamento social”,

avalia a coordenadora do projeto em Minas Gerais e professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Sandhi Maria Barreto.

O Elsa Brasil é projeto que investiga, desde 2008, a incidência e os fatores de risco para doenças crônicas, especialmente as cardiovasculares e diabetes. De acordo com a professora Sandhi Barreto, o projeto pode oferecer contribuições importantes no estudo da covid-19 e seus efeitos direto e indiretos na ocorrência e controle de doenças crônicas e para a saúde mental, que é um fator indireto dessas enfermidades.

A experiência das equipes do projeto e o acompanhamento que já vinha sendo feito com 15 mil voluntários (funcionários e docentes do setor público), em seis estados, permitirão comparar dados documentados anteriormente com os resultados durante e após a pandemia desse mesmo grupo de participantes.  

Mensalmente, a série trará exemplos de projetos de pesquisa, ensino e extensão da Faculdade de Medicina que tem como objetivo contribuir com o desenvolvimento da sociedade.

Hipóteses

“Temos algumas hipóteses, como mudanças no período de distanciamento sobrecarregado as pessoas com níveis de estresse maior, com sobrecarga para a saúde das pessoas”, explica a professora. De acordo com ela, outra hipótese seria mudanças na atividade física e dieta, que podem levar ao ganho de peso maior que o esperado na rotina habitual e piora dos níveis glicêmicos, bem como maior risco de obesidade.

Além dessas possibilidades de efeitos da pandemia, a professora acrescenta o fato de muitas pessoas evitarem a ida aos serviços de saúde para controle da saúde ou realização de algum procedimento.

“Isso pode ter implicação no manejo e no controle de alguns problemas de saúde pré-existentes. Então, é algo que está sendo percebido, mas não está documentado”, comenta Sandhi Barreto.

Fases

O estudo inédito prevê uma fase inicial de entrevistas com os participantes por meio de questionários eletrônicos ou por telefone. O intuito é entender melhor e documentar como tem sido a vivência dos participantes desde o início da pandemia, se eles têm sido mais expostos à infecção, se chegaram a fazer testes, como têm sido seus hábitos de vida, alimentação, prática de atividade física, entre outros.

“Vamos convidar todos os participantes para contribuir com mais essa etapa do Elsa. Na última visita, tivemos cerca de 14 mil presentes e então acreditamos que é por aí um número que esperamos que colaborem em todas fases”, prevê a professora e coordenadora do Elsa em Minas. Entre os voluntários do projeto, estão trabalhadores da saúde que estão na linha de frente da covid-19.

Na próxima etapa, quando as medidas de distanciamento não precisarem estar mais vigentes, serão feitos testes rápidos para a covid-19, teste sorológico e para outras infecções comuns no país, como dengue, zika e chikungunya.

Também serão verificados outros parâmetros como o controle de peso corpóreo, a pressão arterial e os níveis glicêmicos. Ao final, as etapas permitirão conhecer a situação de saúde dos participantes e mudanças enfrentadas com a pandemia.

A pesquisa aguarda aprovação do comitê de ética. A previsão é de início em junho deste ano. “Os questionários e instrumentos estão finalizados e estamos testando o uso de aplicativos. Já submetemos ao CNPq e estabelecemos parceria com a Fiocruz para os exames”, adianta Sandhi Barreto.

Foto: Carol Morena/ Boletim Informativo Elsa Brasil 10 anos, de 2018.

Parâmetros nacionais

Contribuir para o conhecimento sobre a saúde do adulto ao longo do tempo é uma tradição do Elsa Brasil, um dos estudos colaborativos de maior duração no país. Até então, tudo que se sabia sobre a saúde do adulto era pensado a partir de pesquisas realizadas nos Estados Unidos Europa.

Foto: Carol Morena/ / Boletim Informativo Elsa Brasil 10 anos, de 2018.

“Fazemos o acompanhamento dessas pessoas de perto, reentrevistando, fazendo exames para comparar parâmetros e mudanças em parâmetros de saúde”, explica a professora. Também são feitos contatos anuais por telefone com os participantes para perguntar novidades em relação à saúde e ocorrência de algum problema de saúde naquele ano.

A proposta é investigar fatores que podem interagir entre si, produzindo maior ou menor saúde. Entre eles, estão fatores psicossociais, socioeconômicos, biológicos e de comportamento, como tabagismo e atividade física. “É uma gama grande de fatores que podem interagir de forma a explicar porque o adoecimento não afeta a todos igualmente, ele é distribuído desigualmente na sociedade”, observa Sandhi.

Para o estudo desses fatores, o projeto Elsa é realizado em seis instituições de ensino e pesquisa, sendo cinco universidades federais e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que trabalham de forma colegiada.

Na Faculdade de Medicina da UFMG, a equipe conta com cerca de 20 professores e pesquisadores, que estão mais diretamente envolvidos, além de alunos de pós-graduação, de iniciação científica e bolsistas de pesquisa.

“Acreditados ter uma contribuição importante para formação de técnicos em saúde em doenças crônicas, assim como pesquisadores e professores”, analisa a Sandhi Barreto.  

Tabela retirada do Boletim Informativo Elsa Brasil 10 anos, de 2018.

A soma de esforços entre as instituições já possibilitou ao Elsa-Brasil a publicação de cerca de 310 artigos, que contribuem para a construção de diretrizes importantes para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Temos estudos sobre alimentos ultraprocessados, tentando patrocinar uma dieta mais rica, e apresentados em congressos de diversas áreas, em que podemos discutir sobre como podem contribuir para diretrizes que são sempre renovadas e atualizadas”, explica a coordenadora do Elsa em Minas.

Outra contribuição importante foi a construção de parâmetros brasileiros de saúde. Exemplo é a medição que foi realizada, por meio de ultrassonografia na carótida, para ver o espessamento das artérias carótidas – um indicador de aterosclerose, que está associado a doenças cardiovasculares.

“Usávamos parâmetros de outras populações e com base no estudo do Elsa foi possível ter parâmetros brasileiros para a interpretação dessas medidas e fazer disso um melhor uso na clínica”, conta.

Projeto Janelas: da Universidade para a comunidade veiculará, a cada mês, exemplos de projetos de pesquisa, ensino e extensão da Faculdade de Medicina para mostrar como contribuem para o desenvolvimento da sociedade.

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