Experiência de equipes e condições socioeconômicas da região fazem mortalidade por covid-19 variar entre hospitais

Estudo da Faculdade de Medicina da UFMG com dados de 31 hospitais brasileiros observou que o tipo de financiamento, o PIB per capita da cidade e a experiência da equipe de cuidados intensivos foram associados a uma grande variação na mortalidade intra-hospitalar da covid-19.


10 de janeiro de 2022 - , , , , ,


Estudo analisou dados de hospitais públicos e privados de cinco estados do Brasil. Na foto, uma das referências em infectologia de Minas Gerais, Hospital Eduardo de Menezes. Imagem: Marco Evangelista/Imprensa MG.

Hospitais privados com médicos e enfermeiros mais experientes e situados em cidades com produto interno bruto (PIB) per capita acima da média nacional tiveram as menores taxas de mortalidade hospitalar para covid-19, aponta estudo multicêntrico feito pela Faculdade de Medicina da UFMG, em parceria com o Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS). Os resultados da pesquisa estão em preprint publicado em dezembro

Os melhores resultados foram em UTIs com turno de trabalho composto por mais de 50% de intensivistas já titulados, com predominância de profissionais com mais de dois anos de experiência, com menor realocação de profissionais de outros setores e com menor proporção de médicos residentes para cada especialista. 

Os pesquisadores explicam que muitos hospitais estão sofrendo para conseguir mão de obra especializada para as enfermarias e UTIs durante a pandemia de covid-19, o que faz com que haja realocação de profissionais de outros setores e formação de equipes menos experientes. “Nosso estudo mostrou que, além de ter profissionais disponíveis para atender a população, os gestores devem investir em treinamento, suporte e supervisão de médicos e enfermeiros seniores para diminuir a mortalidade da covid-19”, explica Maíra Viana Rego Souza e Silva, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da UFMG, autora da pesquisa.

Outro ponto que chamou atenção dos pesquisadores foi a associação do PIB per capita da região com a letalidade da doença, independente de outros aspectos regionais – como o hospital ser localizado na capital ou interior, por exemplo. As instituições com financiamento privado também foram associados com menor mortalidade de covid-19, em relação às públicas e com financiamento misto (parte SUS, parte privado) . 

Foram analisados 31 hospitais de cinco estados brasileiros (Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina), em coorte retrospectiva multicêntrica com 6.556 pacientes confirmados para covid-19 entre março e setembro de 2020. Os dados foram coletados por meio de registros hospitalares, formulários e bancos de dados abertos. 

A pesquisa se insere no projeto Registro Hospitalar Multicêntrico Nacional de Pacientes com Covid-19, que reúne 37 instituições hospitalares de 17 cidades brasileiras, sob a coordenação da professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Milena Marcolino. O estudo é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Foi durante a análise de outra etapa do projeto (que abordou o perfil das pessoas internadas por covid-19 nas instituições participantes) que os pesquisadores observaram uma grande diferença entre a mortalidade quando os hospitais eram comparados. A diferença chegava a variar de 9% a 48%. “Em parte essa diferença pode ser explicada pelo perfil de pacientes, já que alguns hospitais recebem pessoas com maior risco, idade, etc, mas quando ajustamos os dados para a proporção de risco na admissão, observamos que a experiência da equipe e fatores socioeconômicos ainda fizeram uma grande diferença na mortalidade da covid-19 intra-hospitalar”, aponta Maíra Souza e Silva. 

Dois modelos estatísticos foram construídos pela equipe. O primeiro testou as características gerais do hospital (como número de leitos, volume de atendimentos e financiamento) e dados da cidade (como o PIB per capita e número de leitos por habitantes). Já o segundo analisou fatores relacionados às UTIs, como recursos humanos, protocolos, carga de trabalho e experiência das equipes médicas e de enfermagem. Todas as análises foram ajustadas para a proporção de pacientes de alto risco na admissão.

Uma das conclusões dos pesquisadores é que será necessária maior atenção para o treinamento e formação das equipes em enfrentamento de emergências de saúde pública. Agora, o próximo passo será analisar dados de 2021 – ano mais letal da pandemia-, para comparação com os resultados já publicados.

Entre as limitações do estudo, a equipe aponta maior prevalência de hospitais do sudeste na coorte. Ainda assim, os autores entendem que os achados são úteis para reforçar a importância dos aspectos socioeconômicos intra-hospitalares na mortalidade, considerando variáveis de gestão como financiamento e localização do hospital. A isso se soma a identificação de fatores potencialmente modificáveis ​​relacionados aos aspectos organizacionais da UTI (como a composição das equipes), que podem ser úteis aos hospitais e gestores públicos no planejamento de respostas a emergências de saúde pública, como futuras pandemias.