Falha em formação de professoras pode comprometer detecção de abusos em crianças


18 de julho de 2018


Bruna Leles*

Das diversas necessidades envolvendo a saúde física e emocional que um ser humano entre 0 e 6 anos pode apresentar, os sinais de maus-tratos são os mais graves. No entanto, nem todas as profissionais da educação estão preparadas para detectar os resquícios da violência ou negligência deixada pelos pais das crianças.

“Existe uma falha na formação das professoras em relação à saúde infantil”, é o que afirma Eglea Melo, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenadora do projeto Creche das Rosinhas, a especialista relata sentir falta de conhecimentos básicos por parte dos educadores em relação ao atendimento às crianças quando surgem problemas mais sérios, como convulsões, engasgos ou acidentes de maior gravidade. Esse problema se agrava quando o assunto é a violência sofrida por esses indivíduos.

A falta de treinamento implica em uma dificuldade de reconhecer os indícios de uma agressão física ou psicológica. Foto: pixabay

Nessa idade, as crianças estão em processo de desenvolvimento de suas principais capacidades. Habilidades motoras, de fala e cognitivas, como noções de certo ou errado, ainda não foram completamente aprimoradas, tornando esses alunos dependentes da proteção e percepção das professoras. A falta de treinamento, no entanto, implica em uma dificuldade de reconhecer os indícios de uma agressão física ou psicológica. “Existem sinais específicos na criança, por exemplo, cicatrizes redondinhas que lembram o cigarro”, diz a especialista.

Além de marcas corporais, como hematomas ou machucados, características das agressões físicas, mudanças bruscas de comportamento e manifestações de raiva, tristeza ou impaciência, podem indicar violência psicológica ou até manifestações emocionais decorrentes das violências sofridas. Até mesmo sintomas sem causas clínicas aparentes, como dores de cabeça, vômitos e problemas digestivos, podem estar relacionados a uma reação às agressões. “Uma professora que não esteja formada nem vai desconfiar dos maus-tratos”, completa Eglea Melo.

As professoras, ao desconfiarem da violência, não devem agir sozinhas. Além de pedirem a ajuda de especialistas da saúde que atuam dentro das escolas, as profissionais devem informar a própria instituição da suspeita. “A escola tem que traçar um plano de ação contra esses casos”, recomenda a pediatra. A denúncia deve ser feita ao Conselho Tutelar ou pela Secretaria de Direitos Humanos através do Disque 100.

Violência sexual contra crianças e adolescentes
De acordo com a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, o Disque-100 recebeu mais de 37 mil casos de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. O abuso sexual contra uma criança, em geral, acontece no âmbito familiar é pode ser cometido por parentes próximos ou amigos que convivem frequentemente nesses ambientes. De acordo com a psiquiatra infantil e professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Ana Maria Lopes, essas agressões ainda começam de forma sutil, sem que a vítima perceba que determinadas ações se configuram como violência. “O abusador ganha a confiança da criança. Às vezes, através de uma forma carinhosa, de presentes ou outros tipos de agrado”, conta a especialista.

Em outros casos, elas chegam ser ameaçadas por seus agressores e, por esse motivo, não conseguem denunciar. “Por isso que esses sinalizadores muito indiretos de mudança de comportamento podem nos ajudar a detectar de forma mais precoce o abuso sexual”, reforça a psiquiatra. Nesses casos, a atenção não só das educadoras como de todos os responsáveis pela criança é fundamental. Para denunciar qualquer suspeita de abuso ou maus-tratos contra crianças e adolescentes é necessário acionar o Conselho Tutelar mais próximo ou ligar Disque100.

 

*Redação: Bruna Leles – estudante de jornalismo
Edição: Mariana Pires