Hemofilia e os desafios do tratamento de uma doença sem cura

O dia mundial da hemofilia é dedicado à conscientização sobre a doença silenciosa. Sistema Público de Saúde é fundamental no tratamento.


17 de abril de 2020 - , , ,


* Alexandre Bueno

A hemofilia é uma doença rara, incurável, e muitas vezes silenciosa, que afeta mais 12 mil pessoas no Brasil, fazendo do país a quinta maior população mundial de pacientes. A doença é causada pela deficiência de fatores coagulantes no sangue, o que pode transformar ferimentos e lesões comuns em hemorragias perigosas.

O dia 17 de abril é marcado como o Dia Mundial da Hemofilia e é dedicado à conscientização sobre essa hemopatia. Pensando nisso, convidamos a hematologista e professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Suely Meireles Rezende, para divulgar as especificidades da doença, além de apresentar novidades de tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS).

Confira abaixo a entrevista com a especialista:

O que caracteriza a hemofilia em seus diferentes tipos?

As hemofilias são doenças hemorrágicas que ocorrem devido a uma deficiência total ou parcial do fator VIII (hemofilia A) ou IX (hemofilia B) da coagulação. Essa falta se deve a mutações nos genes responsáveis pela produção destes fatores. Para que a coagulação do sangue ocorra, é necessária a presença de vários fatores. Quando existe a falta de um ou mais desses fatores, pode ocorrer uma doença hemorrágica.

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De que maneira se dá o diagnóstico?

O diagnóstico exige a realização da dosagem dos fatores VIII e IX no sangue, que deve ser realizada mediante a suspeita da doença. Deve-se suspeitar da doença principalmente quando ocorre sangramento espontâneo ou após trauma das articulações (juntas) e músculos (hematomas musculares). 

Estes são os principais sinais da doença, principalmente da sua forma grave e quando ocorrem em crianças pequenas entre 1-3 anos. Os casos mais leves podem se manifestar somente após cirurgias ou traumas.

A doença afeta quase exclusivamente homens. Por que razão? 

O tipo mais frequente das hemofilias é o hereditário. Existe a forma adquirida, mas é ainda mais rara e ocorre como complicação de condições como doenças autoimunes, câncer e gravidez. A hemofilia hereditária ocorre quase exclusivamente em homens porque o gene que produz os fatores VIII e IX está localizados no cromossomo X. 

Como o homem tem somente 1 cromossomo X, a ocorrência da mutação neste cromossomo reduz a produção do fator drasticamente, levando ao quadro descrito. A mulher tem 2 cromossomos X e a mutação de somente 1 deles não elimina a produção do fator. 

Como se dá o tratamento de uma doença sem cura como a hemofilia?

Através de cuidados que incluem exercícios físicos, esportes não-violentos, manutenção da saúde física e mental, além de uma alimentação balanceada. Além disso, através da prevenção de traumas e de eventos hemorrágicos com o uso de concentrados de fator VIII ou IX profilaticamente nos pacientes graves ou após os eventos hemorrágicos nos pacientes com quadros leves e moderados. 

Em 2020, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibilizou o emicizumabe como nova alternativa para o tratamento da hemofilia. Como isso impacta as opções dos pacientes?

O SUS incorporou o emicizumabe para os pacientes com hemofilia tipo A com inibidores que não responderam ao tratamento de imunotolerância. Os inibidores são anticorpos contra o fator VIII infundido que ocorre em 20-35% dos pacientes com hemofilia tipo A. 

O tratamento de primeira escolha é a dessensibilização deste anticorpo através da infusão contínua e por tempo prolongado de fator VIII (imunotolerância). No Brasil, a imunotolerância erradica aproximadamente 75% dos inibidores. Assim, para aqueles pacientes que não obtiveram resposta, o emicizumabe será uma boa alternativa de tratamento.

Novas alternativas no horizonte

Além do emicizumabe, outras alternativas estão sendo estudadas pela ciência. Uma delas é a chamada terapia gênica. Através dela, um vírus modificado para se tornar inofensivo é inserido no organismo do paciente. Ele então introduz nas células produtoras dos fatores de coagulação um novo trecho genético, que corrige a mutação causadora da hemofilia. De acordo com a professora Suely Rezende, a terapia gênica aguarda aprovação da Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora de medicamentos nos Estados Unidos, ainda para 2020.


* Alexandre Bueno – estagiário de jornalismo
Edição: Vitor Maia