Informação de fontes seguras é fundamental para enfrentar a pandemia

Professora Cristina Alvim, coordenadora do comitê de prevenção e ações contra a Covid-19 na UFMG, esclarece diversos pontos sobre o novo coronavírus


25 de março de 2020 - , , , , ,


Ação de prevenção da Covid-19 realizada no aeroporto de Belém, no ParáMarco Santos / Agência Pará / Fotos Públicas / CCBY-NC2.0

O que é transmissão comunitária, por que o isolamento social é necessário, quando buscar um médico ou fazer o exame. Esclarecimentos para essas e outras questões relacionadas à pandemia de Covid-19 estão contidos em entrevista com a professora Cristina Alvim, da Faculdade de Medicina, assessora da Reitoria para a Área de Saúde e coordenadora do Comitê Permanente de Acompanhamento das Ações de Prevenção e Enfrentamento ao Novo Coronavírus da UFMG. 

“É fundamental reunirmos orientações, de fontes confiáveis, para dar mais segurança sobre como e por que agir nesse momento. Mas é preciso estarmos atentos, porque o conhecimento está sendo produzido e revisto, e devemos acompanhar as atualizações”, diz Cristina, que, para formular as respostas, recorreu a documentos de organismos nacionais e internacionais.

Após a confirmação da transmissão comunitária do novo coronavírus, o que se pode fazer?

Todos nos sentimos afogados em um mar infinito de informações, que mudam numa velocidade alucinante, enquanto tentamos nos situar com base no que é confiável, rejeitando aquilo que parece mentira. Como disse Luís Correia, em seu portal Medicina baseada em evidências, há três epidemias em curso: a do vírus, a do medo e a da informação. Mas apostaria numa quarta, a da solidariedade. Há várias iniciativas solidárias acontecendo na UFMG, em que cada um traz o seu saber e seu desejo de colaborar com o enfrentamento da pandemia.

O que é a transmissão comunitária?

A transmissão comunitária fica constatada quando um indivíduo apresentou resultado positivo para o novo coronavírus, o Sars-CoV-2, sem história de viagem ou contato com caso suspeito identificado. Nesse caso, não se sabe quem foi a fonte de contágio, ou seja, o paciente pode ter contraído o vírus em qualquer lugar da cidade. O primeiro caso de transmissão comunitária em Belo Horizonte foi confirmado no mesmo momento em que as aulas foram suspensas na UFMG, reforçando o acerto da medida adotada para contribuir com a redução da velocidade de transmissão na nossa cidade.

Quais são as preocupações em relação ao novo coronavírus?

Primeiro, trata-se de um vírus novo, o que torna a população mundial suscetível, isto é, ninguém tinha anticorpos para ele, e todos poderiam contrair a doença. Em segundo lugar, a doença causada por esse vírus, a Covid-19, é muito contagiosa.

O Sars-CoV-2 se espalha rapidamente, mais do que o vírus da influenza (gripe). Cada pessoa com Covid-19 passa o vírus para outras duas pessoas em média, enquanto na gripe passa para apenas uma. Mas, antes das vacinas, o sarampo, por exemplo, era transmitido de uma pessoa para outras 15, em média. Como o sarampo e a influenza são doenças conhecidas e para as quais temos vacinas, a maior parte da população está protegida, imunizada, diferentemente do que ocorre com o Sars-Cov-2.

Na medida em que a Covid-19 é muito contagiosa e há muita gente suscetível ao mesmo tempo, a maior preocupação dos profissionais, gestores e cientistas é evitar que todo mundo adoeça ao mesmo tempo – o que tem sido chamado de aplainar a curva da epidemia (#FlattenTheCurve) [veja a figura 1, abaixo].

Nenhum sistema de saúde está preparado para o aumento abrupto da demanda, por isso esforços para controlar a velocidade da transmissão são de vital importância. Vale ressaltar que muitos países nem mesmo têm um sistema de saúde, público e universal, como o nosso SUS. E quando enfrentamos uma pandemia dessa dimensão, as medidas de saúde pública são fundamentais.

FIGURA 1 – Aplainar a curva com medidas de distanciamento e isolamento social – #FlattenTheCurve

The Lancet / https://comunelab.fbk.eu/covid

[O gráfico ilustra o crescimento da epidemia (traço vermelho), os efeitos do distanciamento social (verde) e o risco de nova elevação da curva, no caso de suspensão de intervenções (azul)]  

Ainda que a taxa de letalidade da Covid-19 seja baixa (1 a 3,4%), a necessidade de hospitalização de pessoas idosas e em situação vulnerável é alta (cerca de 19% dos casos) [ver figuras 2 e 3]. Se a demanda for abrupta e o sistema de saúde não conseguir atender imediatamente os pacientes que precisam, poderão ocorrer muitas mortes em razão de atendimento inadequado.

Em Belo Horizonte, os serviços de saúde, públicos e privados, vêm sendo reorganizados para enfrentar adequadamente a pandemia. Os gestores adiam procedimentos eletivos, organizam fluxos e providenciam materiais e outros insumos.

FIGURA 2 – Porcentagem de casos leves (81%), graves (15%) e críticos (5%)

OurWorldinData.org / https://comunelab.fbk.eu/covid

FIGURA 3 – TAXA DE LETALIDADE EM CADA FAIXA ETÁRIA

OurWorldinData.org / https://comunelab.fbk.eu/covid

Por que as medidas de distanciamento e isolamento social são necessárias?

O vírus se espalha por meio de gotículas ou partículas de secreções respiratórias e saliva que são emitidas quando as pessoas tossem, espirram ou passam as mãos na face e depois encostam em objetos. Não se sabe ao certo quanto tempo o vírus sobrevive em superfícies, mas ele parece se comportar como outros coronavírus, que podem persistir nas superfícies por algumas horas ou até alguns dias.

As medidas de higiene, como lavar as mãos e não tocar o rosto, de etiqueta respiratória (cobrir a boca com o braço ao tossir e espirrar) e de limpeza dos ambientes são fundamentais. Mas, quando o vírus começa a circular na comunidade, é preciso mais do que isso. É preciso evitar o contato entre as pessoas. É difícil, mas necessário.

Muitas pessoas infectadas pelo novo coronavírus têm quadros leves ou assintomáticos e mesmo assim podem transmitir a doença. Reduzindo os contatos entre as pessoas (isolamento social), diminuímos a velocidade da propagação do vírus, tentando evitar o colapso do sistema de saúde (veja a figura 4).

Existem pesquisadores, inclusive na UFMG, estudando as curvas da epidemia de coronavírus. O efeito das medidas de isolamento social poderá ser visível em aproximadamente duas semanas, quando saberemos se o objetivo de aplainar a curva está sendo alcançado.

FIGURA 4 – PROPAGAÇÃO DA INFECÇÃO E EFEITO DAS MEDIDAS DE ISOLAMENTO

NY Times / https://comunelab.fbk.eu/covid…

O que é síndrome gripal? Toda pessoa com síndrome gripal tem Covid-19?

A síndrome gripal é caracterizada por febre acompanhada de tosse e dor de garganta, com início de sintomas nos últimos sete dias. Existem diversos vírus respiratórios circulando na cidade que podem ser responsáveis pela síndrome gripal. O Sars-CoV-2 é um deles. Porém, neste momento epidemiológico (ou seja, do curso da epidemia), com transmissão comunitária, todo caso de síndrome gripal é considerado suspeito de Covid-19 e deve ser abordado como tal.

Os sintomas da Covid-19 são muito semelhantes aos de um resfriado comum ou de uma gripe. A febre está presente na maioria dos casos. Outros sintomas podem ser tosse, secreção ou congestão nasal, dor de garganta, mal-estar, dor no corpo.

Avenida Paulista, em São Paulo, praticamente deserta, na tarde do último domingo, dia 22. Foto: Roberto Parizotti / Fotos Públicas / CCBY-NC2.0

O que fazer em caso de síndrome gripal?

Todos os anos convivemos com pessoas gripadas e sabemos quais são os sintomas de uma gripe e como cuidar deles em casa, com hidratação, alimentação e descanso adequados. O que muda com o novo coronavírus é que todas as pessoas com síndrome gripal leve devem permanecer em isolamento domiciliar por 14 dias (orientações no site da Prefeitura de Belo Horizonte).

Se forem sair para uma consulta médica, essas pessoas devem usar máscara, reforçar as medidas de higiene e etiqueta respiratória e evitar, sobretudo, o contato com pessoas idosas e aquelas com doenças crônicas. A febre (37,8º C ou mais) deve ser controlada com paracetamol ou dipirona. Não se deve usar ibuprofeno, nem anti-inflamatórios em geral.

Quando buscar atendimento médico?

Um sistema de saúde organizado ajuda muito nessa epidemia. E uma parte dessa organização depende de cada um de nós. Temos um sistema aberto, onde quem procura pelo serviço de urgência é atendido, seja com um caso leve ou grave. Mas, em geral, os pacientes passam por uma triagem que indica quem precisa ser atendido primeiro.

Com isso, se o caso for leve, é possível que o tempo na sala de espera seja longo. Em tempos de coronavírus, isso não é bom para ninguém. Imagine você com uma síndrome gripal leve, causada por outro vírus respiratório, permanecendo algumas horas aguardando o atendimento. É possível que ao seu lado, na sala de espera, haja pessoas com Covid-19 e que você contraia a doença ali mesmo. Ou mesmo que você esteja com Covid-19, sente-se ao lado de um idoso com angina e suspeita de infarto; você pode infectá-lo.

Nesta época, os serviços de saúde estarão sobrecarregados, é preciso evitar a procura desnecessária. As pessoas com menos de 60 anos, que não têm doenças crônicas (diabetes, hipertensão, cardiopatia, pneumopatia, HIV) e que não usam imunossupressor devem observar sua evolução em casa. Se o caso não é grave, mas ainda for necessária uma consulta, é indicado ir primeiro a uma unidade básica de saúde, o “posto de saúde”.

Mas se a pessoa tiver falta de ar, cansaço fácil, dor no peito, dificuldade para ingerir líquidos por causa de náuseas ou vômitos, palidez ou lábios arroxeados, deve procurar imediatamente a unidade de pronto atendimento. A dificuldade respiratória precisa ser cuidada precocemente, e o principal tratamento é com oxigênio, que não pode ser feito em casa. A pneumonia na Covid-19 geralmente se inicia por volta do quinto ao sétimo dia depois de instalada a doença.

Grávidas e crianças parecem não ser grupos de risco para a Covid-19, mas merecem atenção especial por causa de outros vírus respiratórios e suas complicações.

Existem e estão sendo ampliados e criados serviços de orientações por telefone, tanto na rede pública, estadual e municipal, como na rede privada. A UFMG está participando de projetos nesse sentido com alunos do campus Saúde.

Técnico faz a higienização em escadaria na Itália, país que mais sofre com a pandemia do coronavírus. Foto: Grupo Veritas / Fotos Públicas / CCBY-NC2.0

Quando e por que fazer o exame para confirmar um caso suspeito de COVID-19?

A disponibilidade de exames tem sido um problema em muitos países. Vários esforços têm sido envidados, inclusive por pesquisadores na UFMG, para ampliar a oferta do exame que confirma a infecção pelo Sars-CoV-2. Por esse motivo, a decisão de quem deve ou não realizar o exame deve ser orientada pela Vigilância Epidemiológica. Conhecer a curva da epidemia é importante para identificar o momento adequado de retomar a vida normal. A suspensão das medidas de isolamento social deve ocorrer após a redução do número de casos confirmados.

A Secretaria de Saúde de Belo Horizonte informou que, neste momento, o exame de RT-PCR para Sars-CoV-2 não será realizado em casos de síndrome gripal, está reservado para os casos mais graves. O resultado do exame não altera o cuidado individual em casos de síndrome gripal, pois a maioria das pessoas tem doenças leves e é capaz de se recuperar em casa; além disso, não há tratamento específico aprovado para Covid-19.

O exame de RT-PCR é considerado o “padrão-ouro” para o diagnóstico da doença, porque detecta a presença do vírus em secreções respiratórias no momento em que a pessoa está com sintomas. Outros testes estão sendo avaliados e devem ser disponibilizados em breve. São testes mais simples e, por isso, mais rápidos, porém menos estudados do que o exame de RT-PCR.

Alguns avaliam a presença de antígenos virais, como se fossem partes do vírus, e outros, a produção de anticorpos para os vírus. Os anticorpos começam a ser produzidos alguns dias após o início da doença. Fazer o teste rápido em fase precoce da doença pode resultar em resultados falso negativos. Como são ainda pouco estudados, é possível também a ocorrência de exames falso positivos.

A descoberta de um tratamento para a doença ainda pode demorar?

Há estudos nesse sentido, e alguns medicamentos têm sido usados em pacientes hospitalizados. A hidroxicloroquina e a cloroquina são medicamentos utilizados para o tratamento da malária e de certas condições inflamatórias, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e porfiria. Ambos os fármacos têm atividade in vitro contra o Sars-CoV-2 e outros coronavírus.

Um estudo na China relatou que o tratamento com cloroquina em pacientes com Covid-19 teve benefício clínico e virológico. Com base em dados limitados, atualmente a cloroquina ou a hidroxicloroquina são recomendadas para o tratamento de pacientes com Covid-19 hospitalizados em vários países. Um pequeno estudo relatou que a hidroxicloroquina isolada ou em combinação com a azitromicina reduziu a detecção do RNA do Sars-CoV-2 em amostras do trato respiratório superior, mas não avaliou o benefício clínico.

A hidroxicloroquina e a azitromicina estão associadas a alterações no eletrocardiograma, e por isso recomenda-se cautela ao considerar esses medicamentos em pacientes com condições crônicas (por exemplo, insuficiência renal, doença hepática) ou que estejam recebendo remédios que possam interagir para causar arritmias. Ensaios clínicos de hidroxicloroquina para profilaxia ou tratamento da infecção pelo novo coronavírus estão planejados e deverão ser concluídos em breve.

É importante reforçar que esses medicamentos não devem ser usados sem receita médica, e não se justifica o uso em casos leves neste momento. A recente divulgação de notícias sobre a hidroxicloroquina resultou em compra desenfreada e esgotamento dos estoques em farmácias, deixando pacientes com doenças reumáticas ameaçados de ficar sem seu remédio.

Não faz o menor sentido estocar medicamentos em casa. Esse tipo de atitude é provocada, muitas vezes, por vídeos e áudios falsos ou fora de contexto, que não orientam e aumentam o medo, a ansiedade e a angústia. É fundamental buscar informações de qualidade, que estão em sites como os do Ministério da Saúde, da Prefeitura de Belo Horizonte e da própria UFMG.

Quais são as perspectivas para a evolução da epidemia?

É esperado que ocorra transmissão generalizada do Covid-19. Nos próximos meses, a maioria da população estará exposta a esse vírus, e todos devem continuar praticando todas as medidas de proteção recomendadas.

Fontes

Comunelab (fonte das imagens usadas nesta postagem)
Centers for Disease Control Prevention
Uptodate
World Health Organization


Edição: Itamar Rigueira Jr / Centro de Comunicação da UFMG