Iniquidades globais foram potencializadas na pandemia

Na segunda parte do seminário ‘Como conviver com a covid’, especialistas revisitaram diferentes fases da crise sanitária


03 de fevereiro de 2022 - , , , , , ,


Questões éticas e de justiça social suscitadas pela pandemia, as estratégias mais recentes de controle da doença em âmbito global e uma análise dos dados epidemiológicos de Belo Horizonte marcaram a segunda parte do seminário Como conviver com a covid? Impactos e perspectivas após dois anos de pandemia, realizado na tarde desta quarta-feira, dia 2, no auditório da Reitoria, com transmissão pelo Canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no YouTube

Dirceu Greco:
Dirceu Greco: vacina como direito. Foto: Foca Lisboa | UFMG

As análises foram feitas pelos professores Dirceu Greco, emérito da Faculdade de Medicina, Dawisson Belém Lopes, do Departamento de Ciência Política, e Cristina Alvim, também da Faculdade de Medicina. Na primeira parte do evento, foram discutidos o eventual fim da pandemia em 2022, a eficiência das vacinas para combater as novas variantes e o impacto da crise sanitária na saúde mental.

Em seu pronunciamento, Dirceu Greco apresentou dados regionais e globais sobre o número de vacinados – que demonstram o bom índice de adesão da população brasileira à campanha de imunização, “a despeito do atraso do governo federal para disponibilizar as vacinas”.

De acordo com o relatório, 63% da população mundial recebeu ao menos uma dose da vacina contra a covid-19. No Brasil, foram 76,9%. Em Minas Gerais, esse índice sobe para 92,4%. Em Belo Horizonte, os dados oficiais indicam que o número de vacinados com a primeira dose supera 100% da população da capital.

Dirceu Greco também revelou ao público um dado preocupante: nos países de baixa renda, só 11% dos habitantes foram vacinados. “O custo das doses é altíssimo, e isso não tem sido discutido”, disse o professor, ao defender a quebra de patentes sobre as vacinas para garantir distribuição universalizada do imunizante. 

Na visão do professor da Faculdade de Medicina, vacina deve ser vista como um direito. “O problema não é estabelecer fundamentos, eles já existem desde o lançamento da Declaração dos Direitos Humanos (em 1948), mas proteger direitos. E a vacina se insere nesse contexto”, avalia ele, que também defendeu a adoção de esforços para combater a desinformação, a chamada “infodemia”, e vencer a hesitação das pessoas em se vacinar. “A estratégia da UFMG de busca ativa é um bom caminho”, elogiou. 

Greco destacou, ainda, o protagonismo do SUS no enfrentamento da crise sanitária no Brasil. “Durante a barbárie que estamos vivendo, se não houvesse o SUS, o caos seria muito pior. A reputação do SUS sai fortalecida”, avaliou ele, lembrando que seus princípios basilares, como integralidade e universalidade, precisam ser reforçados.

Dawisson Lopes: assimetrias perversas. Foto: Foca Lisboa | UFMG

Caixa de gordura

Dawisson Lopes, que é diretor adjunto de Relações internacionais da UFMG, começou sua palestra com uma provocação: “Se o mundo fosse um país, ele seria mais desigual do que o Brasil”.

“Vivemos em um mundo repleto de iniquidades, e a pandemia trouxe essas assimetrias perversas à superfície das discussões. Foi destampada a caixa de gordura, e a gente tem de lidar com isso cotidianamente”, avaliou.

O professor também fez uma análise da evolução das estratégias de enfrentamento da pandemia durante esses dois anos. Segundo ele, no primeiro ano da crise, os países adotaram estratégias de enfrentamento que os segmentaram em dois grupos: aqueles que enfrentaram a covid-19 com cultura e organização social, e aqueles que recorreram à tecnologia para dirimir conflitos políticos.

“Países da Ásia e do Pacífico (China, Japão, Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia) integram o primeiro grupo; nações do Atlântico Norte e Israel formam o segundo grupo”, diferenciou.

Atualmente, no entanto, as estratégias estão se aproximando, uma vez que se generalizou a percepção de que é preciso conviver com o vírus. “A correlação  de contágio, internações e óbitos mudou fortemente. Assim, as medidas severas de restrição já são cada vez mais raras. O lockdown, por exemplo, hoje está praticamente restrito à China, mas há muitas dúvidas sobre a sustentabilidade dessa estratégia”, afirmou.    

F
Cristina Alvim: atitude científica. Foto: Foca Lisboa | UFMG

Retorno seguro e análise de dados

A professora Cristina Alvim, que preside o Comitê Permanente de Acompanhamento das Ações de Prevenção e Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG, sintetizou, em uma linha do tempo, as principais decisões tomadas pela direção da Universidade em relação à pandemia. Logo no início da crise sanitária, em março de 2020, a UFMG suspendeu as atividades acadêmicas presenciais, mas nunca deixou de planejar o seu retorno gradual de forma segura. Em junho daquele ano, a instituição lançou sua primeira versão do plano do retorno. Mais tarde, foram lançadas mais três versões, a última delas em dezembro do ano passado, que autorizou o avanço à etapa 3 – sem teto máximo de ocupação. “Estamos entrando no terceiro ano de pandemia; a situação hoje é muito diferente da que vivemos em 2020 e 2021”, pontuou a coordenadora.

Segundo ela, a atual versão do plano de retorno não prevê recuos às fases anteriores, mas eventuais “suspensões temporárias de atividades presenciais, com idas e vindas”, decididas com base no cenário epidemiológico. “Vamos continuar fazendo a defesa da vida, da ciência e da educação”, garantiu Cristina Alvim, para quem a etapa 3 dará aos gestores mais flexibilidade para planejar o retorno das atividades presenciais.

Cristina Alvim também apresentou o quadro atual de vacinação dos membros da comunidade universitária, segundo dados registrados no MonitoraCovid, sistema de acompanhamento de casos da doença. Quase a totalidade do universo de pessoas que responderam ao questionário (98%), que inclui estudantes, professores, servidores técnico-administrativos e trabalhadores terceirizados, receberam duas doses do imunizante. Apenas 76 indivíduos – 0,63% do total de 11.937 – não foram vacinados. “Na Universidade, a vacinação maciça ocorreu espontaneamente porque predomina a atitude científica e o senso de coletividade”, observou.

A coordenadora do comitê de enfrentamento também fez uma análise do cenário epidemiológico de Belo Horizonte e de Minas Gerais. Ela comparou as curvas de internação, óbitos e ocorrências de covid-19 na capital mineira e constatou que há “um descolamento entre incidência e gravidade”, apesar do “tsunami” de casos provocado pela chegada da variante ômicron. “Atualmente, os índices de ocupação de leitos superam 80%, mas a estrutura hospitalar dedicada à covid-19 é muito menor, nada que se assemelhe à mobilização que ocorreu nos primeiros meses de 2021, o período mais crítico da pandemia”, sustentou a professora, que também destacou a resposta dada pelo SUS-BH – um dos mais eficientes do país – à crise sanitária.

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(Centro de Comunicação da UFMG)