Marcas e penas: a mulher e a vida após a cadeia
Dissertação destaca estigma e constrangimento em egressas do sistema penal.
28 de janeiro de 2015
“O discurso do sistema prisional é de ressocializar os que infringiram a lei, mas a prática é outra. As marcas na vida dos que passam por ele são enormes, e as mulheres sofrem ainda mais com isso”, expõe Conrado Pável de Oliveira, autor de um estudo defendido junto ao programa de pós-graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG.
O número de pessoas cumprindo pena de privação de liberdade ultrapassa os 700 mil e somente 7% dessa população é de mulheres, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Conrado conta que o sistema carcerário foi desenvolvido para atender homens, e as mulheres encontram certa brutalidade nele. “Percebemos coisas mínimas, como o uniforme masculinizado e poucas unidades construídas para receber especificamente uma população feminina”. Com isso, os centros para mulheres ficam localizados distante das cidades e as internas ficam muito longe de suas famílias. “Além disso, as gestantes e lactantes não contam uma estrutura adequada a elas e aos bebês”, afirma.
Desenvolvido a partir de entrevistas com três mulheres participantes do Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp) da Secretaria de Estado de Defesa Social de Belo Horizonte, o estudo visou entender a vivência delas na prisão e como isso afeta a vida pós-pena. Conrado, trabalhando na época como técnico social de psicologia do PrEsp – programa que trabalha a inclusão social dos que foram condenados e privados da liberdade, fazendo encaminhamentos ao mercado de trabalho e a cursos profissionalizantes – explica que “elas saíram do sistema, mas o sistema continua com elas”. “Conversei com duas que estavam cumprindo pena no regime aberto, em prisão domiciliar, e uma que estava há mais de um ano fora do sistema prisional, já no estágio de livramento condicional. Elas tiveram rompimentos dos laços familiares e diversos relacionamentos sociais prejudicados, e agora têm dificuldades em conseguir um emprego”, conta.
Para acesso ao mercado formal de trabalho, as empresas exigem um atestado de antecedentes criminais e, para o técnico em psicologia, isto reforça o preconceito e estigma de criminoso, prolongando os efeitos de constrangimento da pena.
Conrado destaca ainda que as mulheres que infringem a lei são punidas duas vezes: ao sofrerem um processo criminal e cumprirem suas penas, e por terem rompido uma regra moral da sociedade, em que uma mulher nunca deveria cometer um crime. Elas até mesmo recebem menos visitas que os homens, devido a esse estigma. “Uma delas relatou que a mãe não a visitava por vergonha em ter uma filha presa”, comenta.
Segundo o pesquisador, um dos pontos importantes do estudo é a desconstrução de mitos da criminalidade feminina, de que as mulheres entram no crime somente por influência dos parceiros. Elas também estão entrando nessa realidade por conta própria, buscando a independência financeira e protagonismo e cometendo, na maioria das vezes, furtos e tráfico de drogas.
Para Conrado, a tendência é enxergar com naturalidade o sistema carcerário, como algo indispensável para o controle da criminalidade, mas existem métodos de responsabilização e cumprimento de penas alternativas, como o serviço comunitário. “Não é preciso romper os relacionamentos sociais que depois são tão difíceis de recuperar. E, além disso, é preciso a prevenção, com políticas para a juventude e de inclusão social. O sistema precisa ser questionado”, argumenta.
Título: “Marcas e penas – a trajetória de mulheres no sistema penal, da privação à construção da liberdade”
Nível: Mestrado
Autor: Conrado Pável de Oliveira
Orientadora: Izabel Christina Friche Passos
Programa: Promoção da Saúde e Prevenção da Violência
Defesa: 17 de dezembro de 2013