Mutirão promove qualidade de vida de profissionais do sexo

Projeto da Faculdade une diferentes áreas para cuidado integral dessas profissionais na região da Guaicurus


13 de maio de 2019


Projeto da Faculdade une diferentes áreas da Medicina e parcerias externas em ações com objetivo de proporcionar o cuidado integral às profissionais do sexo da região da Guaicurus

No próximo dia 15 de maio, hotéis da região da Rua Guaicurus, em Belo Horizonte, onde cerca de 4 mil pessoas exercem a prostituição, receberão diversas ações de extensão da Faculdade de Medicina da UFMG. Chamado Integralidade no cuidado das profissionais do sexo, o objetivo do projeto é informar questões sobre a saúde das mulheres nessa profissão, debater os estigmas enfrentados, aprimorar a relação médico-paciente na perspectiva do método clínico centrado na pessoa, além de facilitar o acesso delas ao Centro de Saúde Carlos Chagas (CSCC), para que tenham acompanhamento de saúde integral.

Também haverá ações na sede da Pastoral da Mulher, parceria institucionalizada do projeto, o qual é coordenado pelo professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade, Nathan Souza, e pelo professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Helian Nunes. Além de conhecerem os serviços ofertados pela Pastoral, por exemplo, elas terão acesso a cuidados médico, odontológico, enfermagem, nutrição e farmacêutico in loco. Os casos mais graves serão encaminhados para o CSCC (ou para outro serviço de saúde), que conta com uma equipe própria para fazer o atendimento longitudinal dessas pessoas.

O coordenador, professor Nathan Souza, explica que as ações são baseadas nos diagnósticos de saúde desenvolvidos na disciplina Iniciação a Atenção Primária da Saúde III (IAPS III), quando professores e estudantes atuaram no CSCC. A análise apresentou “bolsões ou grupos populacionais vulnerabilizados na perspectiva dos cuidados em saúde, sendo que um dos mais consideráveis era o das pessoas que exercem a prostituição na região da Rua Guaicurus”.

Ele ressalta que a vulnerabilidade dessas mulheres está relacionada a questões macro, na perspectiva da sociedade como um todo, e micro, em relação às perspectivas individuais sobre si mesmas. “Essa é uma questão para a própria academia, já que os cursos de graduação e pós-graduação e os próprios serviços de saúde não chegam até elas”, revela. Nathan também destaca o fato de que a maioria dessa população não é de Belo Horizonte, o que torna ainda mais difícil o vínculo com uma unidade de saúde.

“Por isso, o nosso objetivo é melhorar o vínculo e o fluxo para o Centro Carlos Chagas, para que elas consigam atendimento tanto para uma causa aguda, como amigdalite ou vulvaginite, ou para um acompanhamento mais longitudinal, que tem sido nosso principal desafio”, acrescenta o residente em Medicina de Família e Comunidade do Hospital das Clínicas da UFMG e professor convidado da IAPS III, Gabriel Silveira. “Elas pagam um aluguel muito caro. Um dia que ficam fora é um valor considerável que deixam de ganhar, o que acaba desencorajando-as a procurarem a unidade básica, inclusive pela dificuldade de acesso e até a impossibilidade de serem atendidas”, completa.

Workshop realizado na Faculdade de Medicina da UFMG discutiu as
necessidades de saúde das profissionais do sexo. Foto: Carol Morena.

Participação de várias instâncias

O projeto conta com representações da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), estudantes e professor da Faculdade de Odontologia da UFMG, médicos residentes do Hospital das Clínicas da UFMG, assim como representação da sociedade civil organizada, como o Clã das Lobas, um coletivo das mulheres que exercem a prostituição naquela região, e do Isthar, um grupo de apoio à gestação e ao parto ativo em Belo Horizonte.

A iniciativa do dia 15 de maio é inovadora, mas não é a primeira do projeto, que começou em 2017, com encontros para debater e construir o plano de ação. “Agora – que será o quarto mutirão – esperamos um público significativo, inclusive de pessoas que nunca pisaram na Pastoral da Mulher e possam conhecer essas oportunidades”, comenta Nathan.

Como parte do planejamento desse grande dia, foi organizado um workshop na Faculdade, com as equipes parceiras para aprimorar os vínculos, promover e sensibilizar sobre o perfil e as necessidades de saúde das profissionais do sexo e verificar quais são os pontos de apoio para melhorar a qualidade da assistência. “O workshop serviu para darmos continuidade às linhas de cuidado da atenção a essas mulheres, integrando os diversos atores da sociedade”, afirma a enfermeira referência técnica da Gerência de Atenção Primária a Saúde da SMS de Belo Horizonte, Adriana Cristina. “Consideramos muito importante a intersetoralidade, integrando saúde e educação, além dos diversos setores da sociedade, para que haja a assistência integral a essas e outras populações vulneráveis”, continua.

A enfermeira Cleide Pires, referência técnica em saúde da mulher da Gerência de Assistência, Epidemiologia e Regulação Centro-Sul da SMS, acrescenta que a oportunidade serviu para verificar quais são os problemas enfrentados pelas profissionais do sexo, fundamentados nas falas delas. Sendo possível verificar como trabalhar cobrindo falhas, como das informações sobre o cuidado com a saúde do corpo.

A participação das próprias mulheres que exercem a prostituição é o ponto-chave do projeto, segundo Jade, como é conhecida a ativista fundadora do Clã das Lobas. “É importante que haja esse tipo de conversa e de nos chamar para nos escutar. Antes falavam sobre nós e não tínhamos representação”, lembra Jade, que lembrou dessa participação na construção do projeto, ajudando a adequar a primeira versão apresentada.  

Workshop teve a participação de estudantes, professores, médicos residentes e representantes da profissionais do sexo e da prefeitura de BH. Foto: Carol Morena.

Bom para pesquisa, para o serviço e para a sociedade

De acordo com Nathan Souza, o projeto é positivo para todos que participam. “Os benefícios são grandes para essas mulheres, já que elas estão em um vazio assistencial. Vai desde o acesso a uma escuta qualificada, exames clínicos e informações, inclusive para que conheçam as instituições de apoio, já que se sentem muito sozinhas e acabam tendo adoecimento mental”, esclarece Nathan.

Ele também defende ser benéfico à equipe, principalmente aos alunos da disciplina e aos residentes. Após o primeiro momento de sensibilizar os participantes sobre tudo que cerca a prostituição, fazendo a interação entre esses mundos distintos, houve o desenvolvimento da Medicina com o uso do método clínico centrada na pessoa, considerando o contexto dessas mulheres. “Fazendo isso eles aprendem elementos da anamnese, exames clínicos e físicos, educação em saúde, elementos de planejamento estratégicos de projetos, além da habilidade de trabalho em equipe”, argumenta.

“Nós que somos da Medicina de Família e Comunidade temos que nos responsabilizar sobre a saúde da população de onde exercemos nosso trabalho. Então, ao fazer isso, é uma forma de mostrar aos alunos de graduação e pós-graduação o que é essa responsabilização na prática”, declara. Além disso, para ele, as áreas de influência dos cursos de Medicina deveriam ser devidamente mapeadas e estudadas através de diagnósticos situacionais, para saber quais são as necessidades das pessoas e aplicar projetos participativos intersetoriais, baseados em evidências.