Olhos podem indicar gravidade da febre amarela
Estudo da Faculdade de Medicina identificou e caracterizou alterações na retina associadas à doença
02 de julho de 2019 - febre amarela, oftalmologia, Pesquisa, sintomas
A coloração bem amarelada da parte branca dos olhos, indicando icterícia, é um dos sintomas que dá nome à febre amarela, doença infeciosa grave transmitida por mosquitos. Mas, para além de uma mudança de cor, os olhos podem revelar muito mais sobre essa enfermidade. É o que mostrou a pesquisa coordenada por professor da Faculdade de Medicina da UFMG, que identificou e caracterizou alterações na retina associadas à febre amarela, até então desconhecidas, e que podem indicar a gravidade da doença.
O estudo coordenado pelo professor do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Daniel Vitor Vasconcelos Santos, foi publicado recentemente na revista da Associação Médica Americana, JAMA Ophthalmology, que devido à relevância da pesquisa, também publicou editorial comentando o estudo e entrevista com o editor-chefe.
Para a pesquisa, foram coletados dados de 94 pacientes com suspeita de febre amarela transferidos do interior de Minas ou da região metropolitana para o Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte. A instituição é referência em doenças infeciosas em Minas Gerais e no país. A análise foi feita após dois recentes surtos da doença, que ocorreram no início de 2017 e de 2018. Somente entre julho de 2017 e junho de 2018, o Ministério da Saúde registrou 1376 casos da doença e 483 mortes.
Os pacientes foram submetidos a avaliação do fundo de olho, como parte do exame oftalmológico. De acordo com o professor Daniel Vítor, o exame é relativamente simples, exigindo dilatação das pupilas para observação da retina. Essa delicada membrana de tecido nervoso capta a luz e a transforma em estímulo elétrico, que é então transmitido pelo nervo óptico até o nosso cérebro. Do total de pacientes com suspeita da doença, 64 receberam diagnóstico confirmado de febre amarela. “Os outros 30 pacientes em que a febre amarela foi descartada acabaram, por outro lado, constituindo um grupo controle interessante para a pesquisa, possibilitando que comparássemos os resultados”, observa o professor.
Lesões retinianas
O estudo mostrou que 20% dos pacientes tiveram lesões na retina, caracterizando a chamada retinopatia. “Até aquela época, para nossa surpresa, não havia caracterização sistemática de manifestações oculares relacionadas à febre amarela. Isso nos causava estranheza, uma vez que outras doenças virais transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e chikungunya, levam a manifestações oculares com frequência”, comenta o professor.
A maior parte das lesões poupava a parte central da retina, chamada mácula, a mais importante para a visão. Por isso, nenhum dos pacientes que estavam conscientes relatou sintomas visuais atribuíveis à retinopatia. No entanto, essas lesões estavam associadas a alguns biomarcadores laboratoriais, como número mais baixo de plaquetas, aumento de bilirrubina, creatinina, lactato e mesmo da aspartato aminotransferase, uma enzima produzida no fígado. Todas estão relacionadas à doença sistêmica mais grave. “Vimos que os pacientes com retinopatia tinham doença mais grave, ou seja, a presença de retinopatia era indicador da gravidade da febre amarela”, explica o professor Daniel Vitor.
Manifestações da febre amarela
Os primeiros sintomas da febre amarela são febre alta, cansaço, calafrio, dores na cabeça e no corpo, náuseas e vômitos, que geralmente persistem por três a quatro dias. Parte dos pacientes, entretanto, evolui para a forma mais grave da doença, com insuficiências hepática e renal, icterícia e manifestações hemorrágicas. Nos olhos, a pesquisa mostrou que as alterações mais comuns entre os pacientes com retinopatia foram oclusões microvasculares, levando a infartos da camada de fibras nervosas da retina. Também foram observadas hemorragias superficiais e outras lesões retinianas mais profundas.
“Acredita-se que muitas das complicações viscerais da febre amarela estão relacionadas a uma resposta inflamatória que leva a dano do endotélio dos vasos sanguíneos, causando sua obstrução e isquemia de órgãos vitais”, avalia Daniel.
De acordo com o professor, o trabalho é um pontapé inicial para entender melhor o possível papel dessas alterações oculares como biomarcadores da doença. “A ideia é trazer o oftalmologista para a equipe de cuidado desses pacientes. O exame de fundo de olho é relativamente simples e não-invasivo, podendo auxiliar na melhor compreensão do impacto da doença no organismo. A indicação de doença mais grave, por exemplo, pode orientar o encaminhamento mais rápido do paciente para o tratamento adequado”, conclui.