População de baixa renda ainda sofre com o tabagismo apesar dos avanços no país

Políticas públicas reduziram o número de fumantes no país, mas ainda não conseguem atingir parcela mais pobre da população


27 de agosto de 2018


Políticas públicas reduziram o número de fumantes no país, mas ainda não conseguem atingir parcela mais pobre da população

Imagina correr meia maratona sem o preparo adequado… Provavelmente, você chegará ao fim da prova se sentindo exausto e sem ar. Para o zootecnista Matheus Ferreira, 26 anos, o trajeto da casa à faculdade, mesmo sendo bem menor que uma meia maratona, causava a mesma sensação. A falta de condicionamento físico, ele sabia, era conseqüência de oito anos de dependência ao cigarro. Parar não foi fácil, mas necessário para recuperar o fôlego.

“Eu ficava muito casado quando chegava, ia na cantina pegar um café e acabava fumando outro cigarro. Além disso, tenho histórico de câncer na família e isso me levou a abandonar o vício”, conta Matheus.

Campanhas reduzem o número de fumantes. Foto: Raíssa César.

Ele acredita que ficar em ambientes livres do tabaco o ajudou a superar a dependência. E para evitar recaídas, a lei que proíbe fumar em locais fechados, ajuda muito. A restrição também evita a exposição passiva ao fumo. Essa é uma das políticas públicas adotadas no Brasil desde 2011, que o tornou o um dos países mais eficazes no combate ao tabagismo. De 34,8% de fumantes nos fins da década de 1980, o percentual caiu para 10,1% em 2017, segundo dados do Ministério da Saúde.

O país é um dos signatários das recomendações da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, chancelada pela Organização Mundial de Saúde e instituída em 2003. E dos poucos a conseguir implementá-la. Entre as medidas, está o banimento da publicidade e da promoção dos produtos do tabaco, e o tratamento médico dos fumantes.

“Essas medidas permitiram alterar a imagem positiva de ser fumante e transformá-la em uma imagem negativa. A nossa cultura vai mudando e a pessoas vão sofrendo uma limitação social”, explica o professor da Faculdade de Medicina e coordenador do Ambulatório de Dependências Químicas do Hospital das Clínicas da UFMG, Frederico Garcia.

BENEFÍCIOS NÃO SÃO PARA TODOS

As políticas públicas adotadas, entretanto, não conseguem chegar a uma parcela importante da população. “Tem estudos que mostram que a população mais pobre não é tocada por essas campanhas de prevenção”, diz Frederico Garcia. Segundo ele, o percentual maior de fumantes se concentra na população de menor renda. “O que mostra que ou existe uma segregação ou alguma coisa que facilita”, completa.

O facilitador da dependência tem relação com a cultura do local e o trabalho mal remunerado. “Você tem uma desculpa para fazer uma pausa. Tem hora para almoçar, para tomar banho, mas não para descansar. Então, o cigarro possibilita essa pausa”. O cigarro de pior qualidade, importados de regiões em que são mais baratos, e a falta de tempo para buscar tratamento prejudicam ainda mais.

Campanha antitabagismo. Fonte: Ministério da Saúde.

Para Frederico, o desafio das políticas públicas atualmente é atingir essa população mais específica. “É importante, nesse momento, focar nessa população com campanhas de prevenção. E onde acessá-las? No ônibus, nos canteiros de obras, e não somente na grande mídia”, conclui.

TRATAMENTO

Foi na mesa de cirurgia que o autônomo Hélvio da Cruz, de 59 anos, sentiu os impactos de mais de quatro décadas acompanhado pelo cigarro. “Fui fazer uma cirurgia na vesícula e precisei de uma bombinha de ar. O médico disse que os riscos da operação eram maiores por causa do meu histórico de fumante. Depois disso, resolvi procurar ajuda para parar de fumar”, relata. As tentativas anteriores, por conta própria, não haviam funcionado. Por isso, Hélvio procurou o posto de saúde para fazer o tratamento gratuitamente, com duração de 30 dias. Mas não foi necessário tanto tempo. “Com 15 dias já tinha parado de fumar. Hoje tenho um paladar melhor, meu apetite melhorou e meu fôlego também”, comemora.

Cerca de 80% dos fumantes querem parar de fumar, porém, a cada ano, sem ajuda profissional, somente 3% conseguem. De um modo geral, quando conseguem parar definitivamente de fumar, as pessoas já fizeram de três a sete tentativas. Para ajudar a abandonar a dependência, o serviço público de saúde oferta tratamento aos fumantes. “A abordagem inclui técnicas psicossociais, como Entrevista Motivacional e Terapia Cognitivo-comportamental, e o apoio com medicamentos e tem se mostrado eficaz”, explica a pneumologista e presidente da Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e Uso de Outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais, Maria das Graças de Oliveira.

A pneumologista também reforça a importância de aconselhar os fumantes a mudarem o estilo de vida, praticando exercícios físicos e adotando uma alimentação saudável.  Segundo ela, a sociedade civil organizada também tem muito a contribuir, seja na elaboração das políticas públicas ou na fiscalização de sua aplicação no país.

BENEFÍCIO PARA SAÚDE E PARA O BOLSO 

Os benefícios de parar fumar podem ser sentidos no bolso dos fumantes, que vão economizar o valor gasto com a dependência, e também do governo. “O custo do tratamento é menor do que tratar um paciente com câncer. Uma dose de quimioterápico custa entre 30 e 20 mil reais, sendo que o de prevenção custa em torno de 400 reais, o tratamento inteiro”, afirma o professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Frederico Garcia.

Lei proíbe o fumo em locais fechados. Fonte: Ministério da Saúde.

O fumo do tabaco é responsável, direta ou indiretamente, por cerca de 55 doenças. As mais frequentes são o câncer (em diversos locais do corpo), as doenças do coração e vasos sanguíneos e as dos pulmões. Após 15 anos longe dos cigarros, o risco de câncer do pulmão pode igualar-se ao dos não fumantes e o risco de outros tipos de câncer também diminui.

Mas os benefícios também podem ser observados a curto e médio prazo. Após dois dias há melhora do olfato e do paladar. Os brônquios começam a funcionar melhor e a limpar os resíduos deixados pelo fumo nas vias respiratórias. Com dois meses, há melhora do condicionamento físico e após um ano longe dos cigarros os riscos de infarto do miocárdio e morte por ataque cardíaco diminuem pela metade. Com cinco anos, os riscos vão se tornando iguais aos dos que nunca fumaram.

A pneumologista Maria das Graças aponta outras vantagens, que implica até em ficar mais bonito. “Quanto mais cedo parar de fumar, melhor. Os benefícios também incluem sensação de bem estar e melhora da autoestima, melhora do hálito e do cheiro nas roupas, na casa e no carro, a pele fica mais hidratada e com menos rugas, além de ser um exemplo positivo para filhos, companheiros, amigos e colegas de trabalho”.