Por que as adolescentes devem ir ao ginecologista?

Professoras da Faculdade Medicina explicam principais temas e tiram dúvidas de adolescentes.


14 de agosto de 2020 - , , , ,


* Anna Carolina Barbosa

A adolescência é uma fase de evolução física e psicológica cercada por dúvidas. Entre as meninas adolescentes, alguns tabus a serem vencidos são a sexualidade, o ciclo menstrual e a primeira ida ao ginecologista – que pode ser fundamental para sanar dúvidas e acompanhar precocemente doenças do sistema reprodutor.

Mas existe idade mínima para ir ao ginecologista? De acordo com a professora Ana Luiza Lunardi, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina, não existe uma idade ideal para começar a frequentar o especialista. “O legal é que elas tenham liberdade para conversar isso com alguém, seja com a mãe, pai ou pediatra. É quando elas se sentirem preparadas ou se sentirem confortáveis para ir a uma consulta ginecológica”, explica.

Para a professora, o momento mais apropriado seria em torno da primeira menstruação ou próximo a ela, para que a adolescente conheça e entenda a existência de um profissional que cuida da saúde da mulher e das questões relacionadas ao seu sistema reprodutor.

No entanto, muitas deixam para ir ao ginecologista próximo aos 18 anos de idade, procurando o especialista devido algum problema que surge. Foi o caso de Gabriela Nunes, hoje com 21, e que foi a sua primeira consulta ginecológica com 17 anos, devido a um problema menstrual. “Eu sempre tive vergonha… Imagina um médico me examinando! Nem eu curtia olhar no espelho, imagina os outros. Resolvi ir porque tive um problema de atraso menstrual e não via motivos, porque era virgem, então não fazia sentido ela atrasar”, comenta a jovem.

Outro motivo que levou Gabriela a ida tardia foi a falta de comunicação com seus pais sobre o assunto. “Em casa também nunca me disseram ser essencial ir, não era falado sobre”, conta. Entre os tabus da idade, a primeira ida ao ginecologista não é sinal de que já se iniciou a vida sexual. “Reconheço que muitas famílias ainda têm dificuldade de entender a importância da primeira consulta. Então, talvez a adolescente possa chamar a mãe ou o pai para acompanhar”, explica a professora Ana Luiza.

Já a estudante Soffia Horta, de 19 anos, começou a frequentar o ginecologista aos 12 anos. “Foi tranquilo para mim e minha mãe sempre achou importante ir ao médico, porém eu escolhi uma ginecologista mulher para ter mais segurança”, conta. No início, a estudante se sentia deslocada. “Eu ficava sem graça de falar, mas logo percebi que todas deveriam ir, mesmo sem ter tido uma relação sexual”, afirma.

“É importante que a adolescente saiba que existe o sigilo médico e que ela será respeitada. Esse sigilo só é quebrado se existir risco de vida iminente para aquela paciente”, explica a professora Ana Luiza Lunardi.

Vínculo e informação

A grande qualidade de ir ao médico desde cedo é o vínculo que a adolescente cria com o profissional, fortalecendo a confiança, dando a abertura para que ela se sinta à vontade para se expressar. “Essa criação do vínculo desde cedo é importante para a saúde física e mental da mulher, pois ela vai ter apoio, um suporte fundamental com acompanhamento técnico. Vai ajudá-la a realmente a passar por essa fase de transição da criança para a vida adulta de uma maneira muito tranquila, saudável, respeitosa, que ela fique mais feliz”, explica a ginecologista.

No Brasil, a saúde das adolescentes pode ter acompanhamento multiprofissional, no âmbito do SUS, por meio da Estratégia de Saúde da Família (ESF). “Temos o médico da equipe de Saúde da Família que, ao lado do enfermeiro e do agente comunitário de saúde, acompanha a criança, o adolescente e a família”, comenta Cristiane Cunha, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.

A professora explica que a escola deve abordar questões de sexualidade e de gêneros, de forma a promover conhecimentos específicos que vão ser enfrentados nessa fase. Ela também relata a necessidade de haver uma interlocução entre o centro de saúde e a escola, através do Programa Saúde na Escola.

A internet e as mídias sociais podem ser aliadas, seja para as adolescentes ou aos ginecologistas, ao proporcionar acesso fácil à informação. “Isso ajuda a adquirir mais liberdade e fundamento para conversar com os pais e com toda a família”, entende a professora Ana Luiza. Ainda assim, Soffia e Gabriela concordam que ir ao ginecologista é importante para obter conhecimento do corpo feminino “da maneira certa”. “É importante cuidar da saúde, independente de ter relação sexual ou não, pois lá você vai entender o funcionamento dos ciclos, dos seus órgãos, coisas que na escola e em casa não serão ensinadas a fundo”, exalta Gabriela.

Uma questão comum das consultas, por exemplo, é o uso de contraceptivos. De acordo com a professora, na maioria das vezes, são usados para evitar algumas doenças e não só a gravidez. Por isso, a informação de qualidade vai ajudar a entender que a adolescente está ali por uma questão de saúde e não por uma questão sexual.

Como proposta da matéria, algumas adolescentes enviaram dúvidas para serem respondidas pela professora Ana Luiza Lunardi do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG.

– O que fazer quando a menstruação atrasa, mesmo que eu nunca tenha tido uma relação sexual? Isso quer dizer que estou doente?

Isso pode ser relativamente normal, principalmente se a adolescente está nos dois primeiros anos depois da primeira menstruação. Então, se ela menstruou a primeira vez com 12 anos, até os 14 o ciclo menstrual pode ficar um pouco irregular, podendo atrasar alguns dias, ou vir perto do outro. Essa irregularidade nos dois primeiros anos é considerada normal e provavelmente é só o amadurecimento do sistema reprodutor da mulher, em que está acontecendo uma transformação, com vários hormônios agindo ao mesmo tempo.

Depois desse período é preciso começar a investigar o que está acontecendo. Existem algumas características em que a menstruação pode atrasar. Algumas mulheres irão ter os ciclos mais longos, outras vão ter síndrome dos ovários policísticos, por exemplo. Em algumas situações será necessário aplicar dosagens hormonais, em outras será feito um ultrassom para ver se há característica no ovário responsável pelo atraso da menstruação.

– A diferença entre o tamanho dos seios é normal?

As mulheres tendem a ter uma mama diferente da outra. Isso às vezes nem é tão perceptível. Mas, em muitas, uma mama vai ser maior ou mais alta. Isso é normal. É muito difícil ter as mamas completamente do mesmo tamanho, da mesma altura, da mesma forma. No período da adolescência, acontece de uma mama crescer muito mais rápido do que a outra.

Em algumas meninas a assimetria fica tão importante que é preciso corrigir cirurgicamente, mas é muito raro. Na grande maioria, essa diferença é discreta, é comum, é normal e vai se igualando depois da adolescência, permanecendo uma mama pouco diferente da outra.

– Ter muita cólica durante o período menstrual é sinal de alguma doença?

A cólica menstrual pode acontecer de maneira leve nos dois primeiros dias da menstruação, mas aquela com dor importante, em que você deixa de fazer alguma coisa – por exemplo, deixa de malhar, não consegue estudar, toma muitos remédios e vomita -, tem que ser investigada. É muito difícil uma cólica dessa magnitude ser totalmente normal.

A adolescente que, ao ficar menstruada, tenha realmente muita dor, acompanhada de alteração do hábito intestinal, como diarréia, precisam ir ao ginecologista, porque pode sim ser um sinal de uma doença que chama endometriose, e a cólica (principalmente se for importante) é um sinal de alerta.

– O uso de anticoncepcional traz realmente algum mal para saúde ou é mito? Existe algum que não retem liquido?

Existe um leque enorme de variedades de anticoncepcionais. Há os orais, injetáveis, DIU que libera hormônio, implante… Então quando se fala em anticoncepcional, estamos colocando muita coisa no mesmo grupo. Importante saber que a maioria dos métodos hormonais vão ter dois tipos de hormônio: um derivado de estrogênio e o derivado da progesterona. Para a maioria das mulheres isso não vai fazer mal nenhum, mas ela não deve tomar anticoncepcional sem antes passar por um ginecologista para avaliar se existem algumas características na sua história e no exame físico que a impeça de tomar determinado tipo de pílula.

Uma pílula que foi boa para sua amiga, nem sempre vai ser boa para você. Por isso, não se deve tomar anticoncepcional sem antes passar pelo especialista, para verificar sua história, saber os fatores de risco, fazer o exame físico, medir a pressão e auscultar o coração, para saber qual anticoncepcional a pessoa deve e pode tomar. As pílulas são muito seguras para a grande maioria das meninas, mas devem ser usadas com prescrição médica.

Em relação à retenção de líquido, existem pílulas que têm nível de progesterona que até ajuda nessa questão do inchaço. Existem pílulas de muito baixa dosagem, que tem menos efeitos colaterais. Também existem os DIUs, que só tem levonorgestrel e não causam inchaço. Vale a pena conversar com o ginecologista, mostrar os seus temores, aquilo que você tem receio que aconteça, e ele poderá te indicar o melhor método para você.

– Ter um fluxo muito grande durante o período menstrual é um sinal ruim?

Sabemos que existem grandes variedades de fluxo menstrual entre as meninas. Não é normal sangrar mais do que sete dias, ter os absorventes em transbordamento do sangue, sujar o lençol, o pijama, as calças… Esses fatores devem ser avaliados. A maioria vai ter um sangramento entre três e cinco dias, sendo o segundo dia com o volume um pouco mais aumentado, mas vai conseguir segurar esse sangramento com absorvente normal. Quando uma menina tem um volume menstrual muito grande, que deixa de fazer alguma coisa no período menstrual com medo de sujar, ou deixa de usar certas roupas, deve ser avaliada sim, pois pode ser um sangramento uterino anormal.

– Quando sei que estou pronta para começar a ter uma relação sexual? Tenho que ir ao ginecologista antes?

É muito importante que tenham as informações adequadas para que façam as melhores escolhas, que se sintam seguras com o seu corpo. Que façam isso porque estão com vontade e seguras para iniciar uma vida sexual e não por pressão dos namorados, ficantes ou amigas. Que isso seja uma liberdade de escolha exclusiva dela.

É importante marcar um ginecologista e conversar com ele. Escolha o seu método contraceptivo, pergunte sobre todas as infecções sexualmente transmissíveis, informe-se sobre vacinação de HPV, cheque tudo com ele se você está pronta do ponto de vista de saúde, quais são as suas dúvidas, os seus mitos, os seus receios, para que você vá ainda mais segura para esse momento tão importante na vida da mulher. E que seja feita de maneira leve, tranquila, segura, protegida contra as infecções sexualmente transmissíveis e contra a gravidez não planejada.


* Estagiária de Jornalismo
Edição: Vitor Maia e Deborah Castro