Preparo para possível epidemia no Brasil passa pela APS
Capilaridade do SUS é trunfo, mas pode enfrentar restrições nos cortes do orçamento da saúde.
04 de fevereiro de 2020 - Atenção Primária, coronavírus
“É nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) que vamos enfrentar a epidemia do novo coronavírus, se ela chegar aqui”. A afirmação é do infectologista e professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Unai Tupinambás. Fundamental para o controle de epidemias, os profissionais da atenção primária já conhecem os cuidados necessários (que vão do uso de máscara e capote até os encaminhamentos necessários), mas a restrição orçamentária pode afetar a oferta de insumos na ponta.
Segundo o professor, não é momento para pânico. “Nem pânico e nem acreditar em fake news, que estão sendo divulgadas. Se tiver dúvidas sobre a epidemia, procure a UBS para se informar”, orienta. Ele ressalta que ainda não sabemos o potencial do vírus, já que não temos nenhuma imunidade contra ele e não há dados sobre o quão fácil irá se espalhar. “Não temos visto aumento exponencial em outros países, o que é uma boa notícia. As medidas tomadas devem ter efeito. As próximas duas semanas são fundamentais para saber se vai haver uma epidemia, como o caso clássico da gripe, ou se vai ficar no país de origem”, avalia.
Segundo o Ministério da Saúde, a definição de casos suspeitos deve seguir critério clínico de febre acompanhada de sintomas respiratórios e atender uma das situações: ter viajado nos últimos 14 dias antes do início dos sintomas para a China ou ter tido contato próximo com um caso suspeito ou confirmado.
Sobre o preparo do país, o infectologista vê as instituições públicas capacitadas para eventuais situações. “Nós temos capacidade técnica e laboratorial, com as Universidades e a Fiocruz, por exemplo. Temos capacidade técnica e humana para desenvolver vacinas e combater essas e outras epidemias que vão aparecer ao longo dos anos”, segue Unaí. Para isso, o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser compatível. “Pegamos a pessoa infectada no aeroporto com a vigilância sanitária (parte do SUS), transportamos em uma ambulância do SUS, levamos para hospitais da rede pública, onde são tratadas por profissionais do SUS, colhem exames em laboratórios públicos e são tratados também no Sistema”, explica.
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O que está sendo feito
Entre as recomendações do Ministério da Saúde – feitas na esteira do aumento do nível de alerta dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) -, estão a restrição de viagens para a China (que devem ser realizadas apenas em casos de extrema necessidade), a orientação das equipes de vigilância sanitária e dos postos médicos dos pontos de entrada para a detecção de casos suspeitos e a intensificação dos procedimentos de limpeza e desinfecção nos terminais portuários e aeroportuários, entre outras. Além disso, foi criado o Comitê de Operações de Emergência (COE), composto por técnicos do Ministério, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Evandro Chagas (IEC), além de outros órgãos.
O professor Unaí aponta para o papel que a população também deve exercer: higiene respiratória. “Se tiver quadro respiratório, pode tossir num lenço ou na manga da camisa. Sempre lavar as mãos. Ficar em casa se estiver gripado e, em casos de quadros grave (com falta de ar e febre alta), procurar o serviço de saúde, avisando sobre o quadro respiratório”, diz.
Experiências anteriores
O 2019-nCoV, como vem sendo chamado o novo vírus, faz parte de uma família que infecta principalmente animais, mas pode causar também infecções em seres humanos. Dois vírus dessa família causaram epidemias graves: a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), responsável por uma epidemia mundial entre novembro de 2002 e julho de 2003, e a Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), identificada em 2012.
Descoberto na década de 60, esses vírus causavam, a princípio, um resfriado comum e diarreia, mas sem necessidade de internação. “A partir de 2002 houve uma quebra de barreira genética. Ele passou do morcego para o gato selvagem e depois para o ser humano. No homem, ele causa um quadro respiratório muito grave, com mortalidade de 10%”, conta o infectologista.
Em 2012, uma nova “pneumonia estranha” surgiu. Pessoas se infectaram com um coronavírus diferente, o Mers, e houve uma mortalidade de 35%. “Estranhamente ele continua existindo, mas não sai da Península Arábica, nem vai além dos profissionais da área da saúde, portanto não afeta a população em geral, de forma pandêmica”.
Das centenas de casos do 2019-nCoV, nenhum foi em pessoas abaixo de 15 anos. O mesmo ocorreu na Sars, que não apresentou casos em crianças menores de 10 anos. Isso pode indicar episódios em que há contaminação, mas não houve doença. As populações vulneráveis são idosos e pacientes com condições crônicas: doenças cardiovasculares, bronquite, enfisema, DPOC, doença renal crônica, pessoas com HIV, entre outras.
O aprendizado com a Sars e a Mers auxiliam no enfrentamento ao 2019-nCoV, que já conta com uma plataforma em desenvolvimento para vacinas. “Acredito que a ciência pode enfrentar isso, de forma bem tranquila, se tomarmos os cuidados devidos”, finaliza Unaí.