Problemas de saúde afastam mais da metade dos professores da educação básica

Estudo inédito apresenta os motivos para a ausência ao trabalho desses profissionais


22 de outubro de 2018


Estudo inédito da Faculdade de Medicina apresenta os motivos para a ausência ao trabalho de professores da educação básica no país

*Raíssa César

Mais da metade dos professores da educação básica no Brasil faltam pelo menos uma vez por ano por algum motivo de saúde, sendo o principal deles os problemas de voz. É o que apontam dados recolhidos, entre 2015 e 2016, na pesquisa “Educatel Brasil: análise dos condicionantes de saúde e situação do absenteísmo-doença em professores da educação básica no Brasil”, desenvolvida pelo Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho (Nest) da Faculdade de Medicina da UFMG.

Foto: Carol Morena

De acordo com a professora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina, Adriane Mesquita de Medeiros, os professores atuam com elevada demanda para o uso da voz. O esforço excessivo pode causar distúrbios como rouquidão e perda desse som vocal. Esses problemas interferem no trabalho de 20,5% dos profissionais da educação básica.

Adriane explica que diversos fatores contribuem para desencadear e agravar distúrbios vocais. “Condições de trabalho como tamanho da sala, presença de ruído constante dentro e fora da sala, trabalho estressante, carga horária semanal acima de 20 horas e indisciplina dos alunos, dentre outros, podem favorecer o adoecimento vocal nesta população”, pontua.

Ausentes

Os professores da região Nordeste são os que mais se ausentaram por questões de saúde: 58% faltaram ao menos um dia no último ano. Nas escolas municipais dessa região, o percentual de absenteísmo foi de 55,5%. Nas instituições que tinham entre 21 e 30 professores, quase 55% dos profissionais estivaram ausentes.

Já na região Sul, foi registrado o menor percentual de absenteísmo: 48,3% dos professores faltaram porque estavam doentes,  48,5%  são exclusivamente de escolas privadas e 51,7% atuam em escolas com 10 ou menos professores.

De acordo com a professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina, Ada Ávila, a ausência dos educadores também é consequência da violência presente nos entornos das escolas e nas salas de aulas. “O indivíduo que relata ter vivenciado um episódio de violência ou de agressão tem mais chances de faltar ao trabalho por questões de saúde”, reflete.

Indisciplina

A indisciplina dos alunos foi um dos dados analisados na pesquisa. O maior percentual de queixa está entre os professores da região Sul do país: 71,6% relacionaram o ambiente de trabalho agitado à indisciplina. Entre aqueles que atuam em escolas estaduais, o percentual foi de 73,2%.

“Os professores passam a maior parte do tempo, que deveria ser destinado ao conteúdo, tentando contornar os eventos de indisciplina”, explica a professora Ada. “Isso tem relação também com as condições e infraestrutura das escolas”, completa.

Confira outros resultados:

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Fora da agenda 

Segundo Ada Ávila, já existem legislações e protocolos que objetivam proteger a saúde do professor. Porém ainda é prevalente na sociedade a ideia de que educação pode se desenvolver mesmo que os professores não estejam em boas condições de saúde. “É como se esses atores não fossem importantes para o desempenho do ensino”, esclarece.

Ada enfatiza que a saúde dos professores não é um tema que aparece na agenda brasileira, embora os desafios para a educação já sejam reconhecidos. “Nossa proposta é que esses resultados sensibilizem a sociedade como um todo, não só quem toma decisões políticas, mas também as famílias e a comunidade. Os professores são fundamentais nesse processo de ensino e aprendizagem”, explica.

Para a professora, a divulgação desses resultados no contexto da implantação do Plano Nacional de Educação (2014-2024) tem força para sensibilizar gestores das escolas e das respectivas esferas administrativas, mesmo em cenário de restrições orçamentárias.

“Os resultados do Educatel chamam atenção para a necessidade de estratégias e alternativas, uma vez que no território nacional apenas 19,2% dos professores têm acesso a exame periódico na escola, sendo 20,1% e 14,5% nas áreas urbana e rural, respectivamente”, alerta.

Educatel

A pesquisa, realizada pela Faculdade de Medicina da UFMG, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), teve como objetivo produzir a síntese das ocorrências de eventos de saúde e registros das condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil e identificar elementos para a elaboração de Programas de Valorização dos Profissionais da Educação.

O Educatel recolheu dados entre 2015 e 2016, por meio de entrevistas realizadas via telefone. O método conseguiu abranger, de forma rápida, em torno de sete mil professores, uma amostra representativa dos 2,2 milhões de professores da educação básica. Os profissionais estavam distribuídos no território nacional, atingindo zona rural e urbana, independentemente do tamanho das escolas.

*Raíssa César – estudante de Jornalismo

*edição: Karla Scarmigliat