Ada Ávila

Pensar na saúde dos trabalhadores é pensar na melhoria dos serviços ofertados aos cidadãos brasileiros como um todo

Saúde e Trabalho é a linha por qual a professora titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Ada Ávila Assunção, traça sua trajetória. Ela é doutora em ergonomia na França, com pós-doutorado em saúde pública, coordenadora do Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho  (Nest) da UFMG e editora-chefe da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. Suas pesquisas, nos últimos anos, trouxeram resultados sobre as condições de trabalho e saúde dos professores da Educação Básica, dos profissionais de saúde, dos operadores do transporte coletivo urbano, entre outros.

Além disso, no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade, Ada Ávila orienta os discentes a entenderem os efeitos das mudanças no mercado de trabalho e de que maneira os novos arranjos do emprego afetam a vida dos adultos. “Ao escolher a saúde pública, estava integrada ao movimento da reforma sanitária, nos anos 1980, imbuída pela experiência desenvolvida durante os estágios da formação médica, quando me deparava com o sofrimento dos pacientes diante das desigualdades de acesso, uma forma de injustiça, como eu entendia naqueles tempos”, conta a professora.

Saúde pública é assim: entender o que ocorre na saúde dos grupos, como saúde e trabalho interferem no curso da vida das pessoas, para gerar evidências sobre o que precisa ser modificado

Na residência médica em Medicina Preventiva e Social na UFMG, Ada Ávila entrou para o grupo que se concentrava em entender e elaborar bases para orientar mudanças nas formas e processos de trabalho. “À época, me detive nas pesquisas sobre os problemas musculoesqueléticos que atingiam os profissionais da informática. Foi o meu primeiro trabalho de pesquisa, meu TCC”. “Saúde pública é assim: entender o que ocorre na saúde dos grupos, como saúde e trabalho interferem no curso da vida das pessoas, para gerar evidências sobre o que precisa ser modificado por meio de programas e novos desenhos de atenção à saúde, e, sobretudo, novos conhecimentos sobre as relações entre a saúde e a organização da sociedade”, acentua.

De acordo com ela, a área de saúde e trabalho investiga atividade laboral do indivíduo empregado ou subempregado, “situação grave nos últimos anos”. “Os resultados da pesquisa do IBGE apontam crescimento do grupo de desalentados, que desistiram de procurar emprego. Isso é muito grave para uma sociedade em que o trabalho é o principal organizador da vida social”, alerta. “Vivemos uma sociedade de adultos sem emprego. Então procuramos saber em que medida essas relações trazem prejuízos”, afirma.

Trabalhar traz risco e pode levar ao adoecimento. Trabalhar sem contrato adoece mais. Mas não trabalhar é ainda pior. O foco, então, está nessas relações e vínculos

Ada lembra que as relações de desemprego podem levar a comportamento e estilos menos saudáveis de vida, sendo base das doenças crônicas, principal grupo de causa de mortalidade precoce e incapacidade. Entre as mais comuns estão as cardiovasculares, depressão e musculoesqueléticas, que têm relação direta com a capacidade para se manter no mercado do trabalho. “Os desempregados fumam mais do que os que trabalham, por exemplo. Dessa forma, o emprego é fator protetor. Mas, nosso quadro de pesquisa evidencia que não é tão simples assim. Trabalhar traz risco e pode levar ao adoecimento. Trabalhar sem contrato adoece mais. Mas não trabalhar é ainda pior. O foco, então, está nessas relações e vínculos”.

Ada Ávila esclarece sobre a relação entre vínculos precários de emprego e maior prevalência de comportamentos e estilos menos saudáveis, além dos riscos ambientais, como exposições ao movimento repetitivo, ruído e às substâncias químicas. “Os que trabalham sob vínculos instáveis sofrem mais os efeitos desses riscos. E aqueles que estão desempregados têm mais chance de adoecerem porque não contam com o aparato protetivo do emprego”, lembra.  

Complexidade da relação emprego e saúde

O trabalho protege, porque a maior parte do dia e da semana das pessoas é dedicada a ele, é onde ocorrem eventos marcantes das suas vidas. “Responder aos desafios presentes nesse ambiente ajuda no desenvolvimento cognitivo, é a dimensão formadora que a experiência do trabalho proporciona aos adultos”. Outro ponto que Ada Ávila destaca é o apoio dos colegas, o convívio social, que insere a pessoa na sociedade. “Não trabalhar pode fazer com que se sintam isoladas e o isolamento favorece comportamentos pouco saudáveis”.

Mais do que trazer sentido para a vida, o emprego pode favorecer a vigilância, como a regra de não fumar, e oferece a possibilidade, pela exigência legal, de ter assistência à saúde

Mais do que trazer sentido para a vida, o emprego pode favorecer a vigilância, como a regra de não fumar, e oferece a possibilidade, pela exigência legal, de ter assistência à saúde, por exemplo”, comenta. “Há normas previstas na legislação que protegem esses indivíduos. Sem esquecer que o trabalho é o maior meio de sobrevivência, pois com ele se tem meios para conseguir acesso à moradia, alimentação, transporte, entre outros”, adiciona Ada Ávila.

Mas, o trabalho também pode adoecer. Em suas recentes pesquisas sobre a saúde dos motoristas e cobradores de ônibus de Belo Horizonte, por exemplo, a professora identificou alta exposição a agressões, principalmente por parte de passageiros; estresse com o trânsito; jornada prolongada; ausência de pausas fixas para alimentação, sendo associado à alta prevalência de problemas gastrointestinais, obesidade e sobrepeso; e alteração do sono. “Ou seja, essa vivência cotidiana nos ônibus sem pausa para recuperação traz uma vida penosa a esses indivíduos que pertencem ao grupo de vulneráveis a doenças cardiovasculares”, pontua.

Em outra pesquisa, ela analisou os professores da educação básica, considerando a questão da ausência ao trabalho por disfonias, alteração na produção da voz, e a falta de recursos nessas unidades. “As diferenças são claras quando se compara as regiões norte e nordeste do país, por exemplo, onde há maior precariedade nos ambientes escolares, alunos com mais necessidades, com dificuldades de engajarem em processos pedagógicos, o que resulta em uma demanda cognitiva maior aos professores, com sobrecarga de trabalho”, informa.

Segundo Ada, é comum que os professores procurem mais de um emprego para compensar os baixos salários e há uma desvantagem ainda maior para as mulheres, com jornadas duplas ou triplas, considerando a vida familiar. “Nossas pesquisas vão identificando um conjunto de determinantes sociais para esses fatos da saúde. Atualmente, discutimos junto aos profissionais, que essa situação tem que ser modificada quando se projeta a melhoria da qualidade da educação nacional. Pensar na saúde dos trabalhadores é pensar na melhoria dos serviços ofertados aos cidadãos brasileiros como um todo”, assegura.

Na elaboração de políticas de melhoria para a sociedade como um todo, é preciso pensar nas políticas para os trabalhadores. É um passo importante para o bem comum

Ela ainda acrescenta a área de saúde nessa questão. “Mostramos alta prevalência da depressão em médicos, relacionada ao ambiente onde estavam inseridos, como comunidades carentes, de população mais vulnerável, e que exige mais desses profissionais, muitas vezes, gerando grandes conflitos internos”, discorre. “Ou seja, na elaboração de políticas de melhoria para a sociedade como um todo, é preciso pensar nas políticas para os trabalhadores. É um passo importante para o bem comum”, defende.

Base para novas políticas e metodologias

Pesquisar e trazer subsídio para mudar as situações faz parte da saúde pública

Os objetos de pesquisas da professora são voltados ao contexto do trabalho e os desafios da sociedade como um todo, pensando no emprego como algo que garante a qualidade de vida, não só dos adultos ali inseridos como dos demais em torno desse trabalho e que dependem dele. “Pesquisar e trazer subsídio para mudar as situações faz parte da saúde pública. No caso dos motoristas e cobradores, instigou-se a regulamentação de horário para alimentação e pausas, com postos de trabalho confortáveis para isso”, ressalta Ada.

Suas pesquisas também apontaram protocolos de atendimento de saúde aos professores que apresentam disfonia. “As orientações bem fundamentadas servem aos profissionais de saúde que irão atender a essa população vulnerável. Assim, nossas pesquisas, alinhadas a outras, geram um movimento para direcionar protocolos de assistência à saúde dos grupos ocupacionais e medidas de transformação das condições de trabalho”, declara.

Além disso, Ada Ávila está desenvolvendo uma pesquisa nacional sobre esses profissionais da educação básica no país, em que conseguirá obter um retrato inédito, sendo o único estudo com representativo de professores de todo território nacional. “Os resultados foram unidos para um número especial do Caderno de Saúde Pública, que será lançada no começo de 2019, e são base para implantação do Plano Nacional de Educação (PNE), que tem a meta de valorização dos professores, explicita a necessidade das mudanças de trabalho, melhoria da qualidade de vida e diminuição do absenteísmo (falta no trabalho por adoecimento)”.

Podemos oferecer cientificamente indicações, transformação de situações e elaboração de mecanismos de proteção

Desta pesquisa, ela destaca os distúrbios de voz como principal causa de ausências escolares por motivos de saúde, tendo as mulheres como maior representativo, e reforça a necessidade de mudança no ambiente de trabalho.  “Não é inevitável que as professoras tenham distúrbios vocais ao ministrarem aulas. Pode-se proteger o ambiente acusticamente, oferecer microfone para que não tenham que competir com os ruídos externos, exacerbando a intensidade da sua voz para conseguirem comunicar. A proteção vocal é a questão a ser priorizada”, discorre.

“Ainda vimos que é recorrente trabalharem apesar de doentes. Esse é um resultado inesperado, já que se veicula que os professores faltam muito. De fato, faltam. Mas também comparecem muito, mesmo estando doentes. A justificativa relatava é de que sofrem pressão para comparecerem nessas situações, sem autonomia para repouso de recuperação” revela.

Se a pessoa lida com situações extremas, por exemplo, tem que ter apoio psicológico, social e de grupos, em que possa falar dessas vivências”, esclarece. Ada alerta que ocorrências como essas também estão nos ambientes de saúde, com médicos sendo agredidos e sofrendo a pressão social e de familiares.

Também faz parte das pesquisas informar à sociedade o que acontece com esses indivíduos. Muitas vezes eles têm pouco poder para melhorar a qualidade dos serviços prestados

“Muitas vezes os indivíduos lidam com isso de forma individual, acreditando que são fracos, pois prevalece uma ideia de que somos inesgotáveis na sociedade. Mas o ser humano não se desenvolve assim”, afirma.  “Por isso também faz parte das pesquisas informar à sociedade o que acontece com esses indivíduos. Muitas vezes eles têm pouco poder para melhorar a qualidade dos serviços prestados. Os resultados permitem modificar o senso comum que culpa a professora da educação básica, por exemplo, pelo ensino sem qualidade, o motorista pela precariedade dos ônibus ou o médico por ter ficado esperando muito tempo até ser atendido”, continua.

Na mesma ideia de oferecer subsídio para melhorias na área e como integrante da Rede Latino-Americana de Especialistas em Inquéritos sobre Condições de Trabalho, Emprego e Saúde (Red ECoTES), Ada Ávila também procura desenvolver um consenso de metodologias para pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores. “Nosso objetivo é comparar os resultados entre os países da América Latina e Caribe e oferecer indicadores para o monitoramento das condições de trabalho nos estados. No Brasil, estamos muito envolvidos com a Pesquisa Nacional de Saúde”, informa.

Análise atual das condições de saúde no trabalho

Sobre as recentes reformas trabalhistas, Ada Ávila também desenvolve estudos. “Tradicionalmente pesquisou-se sobre as condições de trabalho e adoecimento. Hoje o foco é analisar o que a flexibilização das relações de trabalho pode provocar sobre os indivíduos ocupados”. Ela destaca alguns resultados que já mostram as pessoas sem contrato de trabalho estável, como os temporários, a mercê de serem chamados, aceitando condições degradantes.

Os que estão mais vulneráveis no espectro socioeconômico, são os que se expõem a mais riscos, que adoecem mais e, adoecidos, têm menos chances de encontrar emprego seguro, terminando por desisti

“Assim há uma coincidência de riscos: os que estão mais vulneráveis no espectro socioeconômico, são os que se expõem a mais riscos, que adoecem mais e, adoecidos, têm menos chances de encontrar emprego seguro, terminando por desistir. São os desalentados, na linguagem do IBGE”, explica. “Eles ganham menos, ficam submetidos a jornadas atípicas. Os médicos, por exemplo, em períodos de austeridade, estão submetidos a jornadas desumanas, incompatível com a necessidade de repouso e de recuperação, além de enfrentarem parcas garantias de recursos para obter a satisfação clínica”, esclarece. “São situações que adoecem aqueles que cuidam da saúde dos outros”, continua.

Da mesma forma como nas outras pesquisas, Ada Ávila espera que esses resultados sobre emprego, desemprego e subemprego, ainda não divulgados, possam servir como subsídios à melhoria das formas de inserção na força de trabalho. Mas, ela reafirma a necessidade de inovações na agenda de pesquisa.

Texto: Deborah Castro
Edição: Mariana Pires
Foto: Raíssa César

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