Grande parte da minha vida foi dentro da Universidade, tanto do ponto de vista da minha carreira profissional quanto pessoal
“Grande parte da minha vida foi dentro da Universidade, tanto do ponto de vista da minha carreira profissional quanto pessoal. Às vezes, elas até se confundem”, frisa o professor Agnaldo Lopes da Silva Filho, que destaca a Faculdade de Medicina e o Hospital das Clínicas da UFMG como importantes espaços para a construção dessas trajetórias. Isso porque, além de se formar médico e residente em Ginecologia e Obstetrícia, nessas unidades ele exerce a docência desde 2006, tornado-se Titular em 2012.
“Graduei-me aqui, fiz residência em Cirurgia fora, a de Ginecologia e Obstetrícia aqui, o doutorado fora, voltei, depois fiz o pós-doutorado fora até, por fim, voltar para cá”, conta Agnaldo Lopes. No entanto, assim, resume-se muito o percurso de quem sempre esteve em um processo de saída e retorno à Instituição. “A UFMG é minha casa, mas ao mesmo tempo tive oportunidade de ter experiência fora. Eu procurei evitar a homogenia. Como sempre voltei, mostra que aqui é realmente minha grande referência”, continua.
Com essas diferentes vivências, o professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia desenvolveu pesquisas na Faculdade de Medicina da UFMG com colaboração de outras instituições, principalmente da Universidade do Porto, em Portugal, e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde também é professor na pós-graduação. Atualmente, a realização dos estudos ainda conta com a parceria entre a Pós-Graduação em Computação da PUC Minas, Instituto René Rachou – Fiocruz Minas e a Fundação Ezequiel Dias (Funed).
“O professor Aroldo Camargos dizia que um índio só conhece sua própria aldeia quando sai dela. Acho que é muito nesse sentido. Aqui tem uma super universidade, com questões extremamente importantes e de muita relevância. Mas a oportunidade de conhecer outras pessoas, outras estruturas de funcionamento, melhorou a minha atuação aqui dentro. Tudo foi influenciado por essas experiências”, avalia o professor.
Conquistas para a ginecologia e obstetrícia a partir de estudos transdisciplinares
A visão diferente de um determinado problema pode suscitar soluções também diferentes. É com esse princípio que Agnaldo Lopes procura aplicar a transdisciplinaridade em suas pesquisas. A finalidade, por outro lado, é sempre a mesma: beneficiar os pacientes. “O ponto-chave é extrapolar a pesquisa básica, com aplicação clínica interessante. Isso é o que reflete a minha vida de ser médico, pesquisador e professor. Essa é minha impressão digital no que tenho feito”, afirma.
Um dos exemplos desses estudos é a biologia molecular do câncer ginecológico, na qual se busca biomarcadores, especialmente do câncer de ovário. Ou seja, a partir da análise das alterações genéticas e marcadores moleculares por via da apoptose – morte celular programada, ocasionada por diversos motivos -, avalia-se a resposta à quimioterapia. Assim, é possível dizer se a mulher vai responder bem ao método e, com isso, definir o melhor tratamento.
“Visamos um diagnóstico mais precoce ou uma definição terapêutica mais acertada, com a personalização de tratamento para mulheres com câncer de ovário”, ressalta Lopes. De acordo com ele, esse câncer é uma doença importante do ponto de vista médico, uma vez que 60 a 70% das pacientes são diagnosticadas tardiamente e só 10 a 20% estarão vivas daqui a cinco anos. Por isso, esse é um trabalho que traz grandes desafios. “Agora, já temos cinco patentes e kits desses biomarcadores relacionados ao câncer de ovário”, orgulha-se.
Outro estudo que acrescenta conhecimento externo à Medicina, neste caso o da Engenharia e da Computação, é sobre as características biomecânicas do tecido pélvico. O objetivo é avaliar o prolapso genital ou a deformidade durante um trabalho de parto, bem como pensar em modelos de simulação.
Pioneiro no Brasil, o estudo teve repercussão mundial. A importância dessa pesquisa também está no fato de o prolapso ser uma ocorrência comum. A doença é causada pelo enfraquecimento dos músculos da região pélvica, que desce por não suportar os órgãos femininos (útero, uretra, bexiga e reto, por exemplo), podendo ir até o exterior.
“Isso foi algo marcante na minha vida como pesquisador. Tivemos resultados realmente interessantes, mostrando que a posição do recém-nascido em relação ao parto ou mesmo a fisioterapia durante o pré-natal pode interferir no menor risco em relação ao dano perineal de um parto normal”, comenta o professor. “E, para além da Medicina, começamos a conhecer algumas propriedades biomecânicas desse tecido. Isso foi interessante para verificar a aplicação de tela sintética – usada na correção do prolapso genital”, pontua.
A tecnologia na pesquisa e na clínica
Atualmente, o professor considera como prioridade a elaboração de um aplicativo para facilitar o pós-operatório das suas pacientes. O protótipo deve estar disponível ainda no primeiro semestre deste ano. “Há uma questão muito nova que se chama Eras (Enhanced Recovery After Surgery), com a quebra de alguns paradigmas no manejo perioperatório das mulheres. É como um processo de gamificação”, explica Agnaldo.
Ele conta que, no aplicativo, a mulher operada recebe pontos quando faz atividades fora do leito, por exemplo. “Esse aplicativo funciona como um game para o pós-operatório, para que a mulher se sinta mais motivada e tenha uma participação mais ativa na alta mais precoce e na diminuição de complicações”, destaca.
O professor também está desenvolvendo uma metodologia de análise das fake news (notícias falsas), tema recorrente nos dias de hoje. A avaliação é sobre a qualidade da informação disponibilizada na internet em relação à endometriose, sangramento anormal e vacina contra HPV.
“Vamos verificar se uma fake news interferiu em uma cobertura populacional, nos programas de vacinação, ou seja, o estrago que se fez com uma informação falsa. Além disso, verificar quem é que passa essas informações sobre as questões prevalentes nas mulheres, como é a qualidade dessa informação e como ela é acessada”, informa.
“O papel do médico é muito importante, inclusive no cuidado com redes sociais e internet, devido à enorme abrangência disso tudo”, defende o especialista. De acordo com ele, é preciso mudar o modelo de ensino médico em vários aspectos, assim como o compromisso com a população, pensando nessas novidades.
“A tecnologia tem um papel muito importante em todas essas pesquisas. Preocupamo-nos muito com publicação, mas a inovação tecnológica é tão importante quanto. Essa é uma questão dentro do papel da universidade, em trazer produtos para a sociedade, como as patentes próprias”, completa.
Ele argumenta que essa mudança, incluindo a tecnologia, segue o que está acontecendo no mundo e pode ajudar a melhorar tanto a sobrevida, quanto a qualidade de vida das pacientes, como a oferta de tratamentos personalizados, assim como propôs em sua pesquisa. “Os avanços são tímidos, mas constantes. No final das contas, a gente vai acrescentando um pouquinho de cada vez. Assim, em algum momento, vamos mudar a realidade dessas doenças”, conclui.
A pesquisa e o ensino para Agnaldo Lopes
Além das universidades, Agnaldo tem vínculo com o Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Funed, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Sociedade Internacional de Câncer Ginecológico (EUA) e a Sociedade Europeia de Oncologia Ginecológica (Inglaterra).
Como professor, ele diz que tenta sempre passar a importância do amor pela Medicina e deixar claro que é preciso se dedicar muito. “A Medicina tem uma responsabilidade muito grande com os pacientes. Não é melhor nem pior do que qualquer outra profissão, mas para mim é um estilo de vida”, pontua. “Esse compromisso diz respeito a oferecer sempre o que temos de melhor, com ética, ampará-los e escutá-los. Olha que eu lido com oncologia, mas nós ainda podemos oferecer muito às pessoas”, continua.
Como pesquisador, ele comenta que seu perfil mudou muito com o modelo atual de pesquisas no HC. Ele diz perceber um afastamento dos docentes e maior dificuldade de realizar suas pesquisas práticas. “Isso mudou minha vida, meu entusiasmo com a universidade e com o que eu poderia oferecer e receber daqui”, declara. Por outro lado, ele reafirma que “ser pesquisador é nunca parar”. “Estamos sempre em transição. Ser pesquisador é procurar responder a uma importante questão. Minhas pesquisas parecem ter linhas óbvias. Mas procuram responder as questões do momento, como com as fake news, com o objetivo final de beneficiar as pacientes”, conclui.
Redação: Deborah Castro
Fotos: Carol Morena
Página Inicial
Voltar