Alexander Birbrair

Quando entrei na faculdade, meu objetivo de vida não era dinheiro ou status. Eu queria fazer pesquisas que pudessem mudar a vida das pessoas, ter esse poder em minhas mãos

De família de judeus, nascido na União Soviética, Alexander Birbrair mudou-se com os pais para Israel aos três anos de idade. Aos sete veio para o Brasil, inicialmente ao Rio de Janeiro e depois para o Ceará, onde passou a infância e adolescência. Passou em Medicina na universidade federal do estado, mas trocou o curso por Biomedicina da Uesc, no interior da Bahia. Atualmente é professor do Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, pesquisador colaborador da Faculdade de Medicina e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

“Sempre sonhei em ser da área acadêmica, porque admirava demais os meus pais que são professores. Mas não sabia o que exatamente queria ser”, conta Birbrair. Depois de um acidente pessoal, ele passou a considerar a área médica pela possibilidade de ajudar outras pessoas. “Neurocirurgiões, radiologistas, cardiologistas e outros médicos fazem diferença na vida dos pacientes. Mas há o outro lado: por mais competentes que sejam, há pacientes que morrem. É uma profissão dura e não queria isso”, explica, justificando a troca de curso.

“Quando entrei na faculdade, meu objetivo de vida não era dinheiro ou status. Eu queria fazer pesquisas que pudessem mudar a vida das pessoas, ter esse poder em minhas mãos. Na primeira semana de aula eu já estava dentro do laboratório”, conta o professor. “Mais da metade da minha vida nesta carreira eu passei dentro de um laboratório. Hoje, sou realizado com as pesquisas. Mas quero alcançar novos sonhos”, continua.

No seu último ano de estágio para concluir a graduação, realizado por um vínculo entre a universidade da Bahia e a Escola Paulista de Medicina (Unifesp), Birbrair foi convidado para fazer seu doutorado em neurociência na Wake Forest University, na Carolina do Norte, nos EUA. “Como fizemos varias descobertas sobre células-tronco e não era a área principal do laboratório, fui fazer meu pós-doutorado em biologia das células-tronco na Albert Einstein School of Medicine em Nova York”, relata. No término do pós-doutorado, realizou o concurso da UFMG, onde está atuando há cerca de um ano.

Revolução nas pesquisas com células-tronco

No segundo ano da graduação de Alexander Birbrair, um dos seus melhores amigos sofreu um acidente e ficou hemitetraplégico. De acordo com o professor, em casos de lesão de medula, a principal esperança são terapias com células-tronco. “Dessa forma, meu objetivo passou a ser ajudá-lo ou ajudar pacientes como ele”, comenta.

Nós descobrimos um tipo de célula do músculo esquelético (pericito) da qual conseguimos derivar, em laboratório, células-tronco neurais, aquelas que formam neurônios.

Segundo Birbrair, um dos “carros-chefes” do seu laboratório, o qual conta com financiamento da FAPEMIG e do Instituto Serrapilheira, além de verbas internacionais, são as pesquisas sobre células-tronco. “Nós descobrimos um tipo de célula do músculo esquelético (pericito) da qual conseguimos derivar, em laboratório, células-tronco neurais, aquelas que formam neurônios. Só isso já é uma revolução, porque é possível fazer biópsia, a extração das células, de forma acessível”, declara. “Os métodos para extração de células-tronco neurais endogenas são invasivas, já que estas podem ser coletadas somente do sistema nervoso central”, completa.

Esta descoberta influenciou sua pesquisa sobre o glioblastoma, um câncer de cérebro, que o professor descreve como um problema grave de saúde por ter o prognóstico de vida de até dois anos após ser diagnosticado. Birbrair explica que a gravidade se dá pela particularidade da doença de espalhar rapidamente suas células tumorais por todo órgão. “Hoje já é possível abrir o cérebro e retirar um tumor. Mas, neste caso, sobram varias células tumorais espalhadas, que fazem o câncer reaparecer”, esclarece.

“O problema maior é que ele está dentro de uma caixa de osso, separado do resto do organismo por uma barreira hematocefálica, fundamental para infecções, drogas e álcool não chegarem àquele órgão”, acrescenta. Essa característica de proteção do cérebro acaba funcionando como barreira também para a radiação, usada na radioterapia para tratamento de cânceres, ou na quimioterapia, que usa um coquetel de medicamentos.

O pesquisador ainda aponta outra questão sobre a complexidade do tratamento de glioblastoma: “Em células tumorais cultivadas no laboratório, usamos algumas drogas que funcionam muito bem, matando-as e deixando só as saudáveis. Mas quando injetamos isso, seja nos camundongos ou em humanos, às vezes essas drogas nem chegam dentro do cérebro, por causa da barreira”. “Com a injeção das drogas diretamente no cérebro, ainda que seja em alta concentração no tumor primário, nem sempre chega até as células tumorais espalhadas. Além disso, tem a questão da meia-vida. No cérebro não dá para injetar as drogas de 12 em 12 horas, por exemplo, por ser um método invasivo”, continua.

Então, seguindo suas pesquisas, Birbrair descobriu que aquelas células-tronco neurais derivadas do músculo esquelético tinham a tendência de migrar para as células de tumores de cérebro, o que o fez pensar em usá-las como um veículo entregador de medicamentos. Para isso, com engenharia genética, retirou o gene causador da Aids do vírus HIV, deixando-o apenas com as propriedades de infectar a célula e transferir seu DNA, além de incluir o medicamento contra o tumor. As células-tronco infectadas por esse vírus conseguiam, assim, produzir e levar o medicamento para os tumores.

Fizemos testes nos camundongos com tumor de cérebro, injetando as células-tronco, e resolvemos o problema do medicamento não chegar a todas as células tumorais

“Fizemos testes nos camundongos com tumor de cérebro, injetando essas células-tronco, e resolvemos o problema do medicamento não chegar a todas as células tumorais. Assim, essas células-tronco passaram a ser mortais”, salienta Birbrair. Ele também garante que as células-tronco não se transformariam em tumorais, uma possível crítica à sua descoberta, já que ela tem a caraterística de se transformar em outros tipos de células. “Fizemos um controle de segurança, injetando as células-tronco em animais saudáveis e analisamos estes por dois anos, o que equivale até 80 anos das nossas vidas, sem detecção de qualquer formação tumoral,”, explica.

No entanto, ele alerta que este projeto foi feito em um modelo experimental, que depende de questões financeiras para continuar. “Para testar isso em humanos pode chegar a um custo de milhões de reais. Mas é uma descoberta muito promissora, que trata da vida ou morte dos pacientes”.

Descobrindo novas funções dos pericitos

“Minha paixão é pesquisar sobre as funções e comportamento das células, por isso a palavra-chave do meu laboratório é microambiente tecidual”, declara Birbrair. De acordo com ele, usando tecnologias modernas que conseguiu trazer para a UFMG, por exemplo, é possível dar cores diferentes às células, facilitando a análise de um tecido.  “Com o uso dessas tecnologias podemos ver as células do sangue na cor verde e as do músculo em vermelho, por exemplo. Além disso, nós conseguimos eliminar geneticamente apenas um tipo de célula naquele respectivo tecido. Isso é importante para inferir a sua contribuição e função, verificando como o tecido funciona sem a célula ou o que acontece em determinada doença”, exemplifica.

Segundo Birbriar, as técnicas também ajudam a entender como as células comunicam entre si e como uma célula-tronco consegue se transformar em outra. “Essas análises contribuem para projetos com outras unidades da UFMG, como a Faculdade de Medicina em pesquisas com temas como Alzheimer, doenças no sistema nervoso central, zika, malária, leishmaniose, doença renal, entre outros assuntos”, afirma.

Mais recentemente descobrimos que há diferentes populações de pericitos. Em lesões musculares, por exemplo, algumas dessas células conseguem se transformar em novo músculo, enquanto outras não

Um dos principais tipos de células pesquisadas pelo professor são os pericitos, presentes em todo o organismo e responsáveis pela estabilidade dos vasos sanguíneos. Birbrair conta que nos últimos dez anos, incluindo seus trabalhos, descobriu-se que eles também podem funcionar como células-tronco. “Mais recentemente descobrimos que há diferentes populações de pericitos. Em lesões musculares, por exemplo, algumas dessas células conseguem se transformar em novo músculo, enquanto outras não”, completa. Além das mencionadas, o professor cita outras funções das células como formação de gordura, tecido fibroso e cicatrizes.

Das pesquisas sobre o assunto, ele conta que está desenvolvendo um projeto com o objetivo de estudar os pericitos no coração com doença de Chagas. O destaque está na pesquisa, realçada na capa da Revista Science em junho de 2016, sobre os pericitos no desenvolvimento embrionário, especificamente no fígado fetal, com potencial de promover a expansão das células-tronco hematopoiéticas. Estas, com o avanço da pesquisa, poderão ser usadas para aplicações clínicas como ocorre com as células-tronco derivadas do  cordão umbilical, cujas extrações são mais difíceis.

O professor pontua que célula-tronco hematopoiética é de onde todas as células do sangue se derivam. Inclusive, o transplante de medula óssea foi baseado nessa descoberta. “O fígado é um dos órgãos mais importantes na fase embrionária e onde as células hematopoiéticas se expandem mais. Então decidimos estudar a razão dessa expansão ocorrer ali”, diz. Para isso, ele realizou testes retirando os pericitos do órgão em questão. Verificou, então, uma diminuição no crescimento das hematopoiéticas. “Conseguimos ver que os pericitos são fundamentais para formar esse microambiente das células-tronco hematopoiéticas. Essa foi uma importante descoberta do ano passado”, pontua.

Já neste ano, Birbrair descobriu que há uma heterogeneidade de pericitos nos ossos. “Constatamos que um tipo de vaso sanguíneo na medula óssea tinha um tipo de pericito associado, enquanto outro vaso diferente tinha outro tipo de pericito, o que mostra que há uma relação entre as células, como se conversassem uma com a outra”, expõe.  “Um tipo de pericito mediava um tipo de comportamento de células-tronco hematopoiéticas através de um tipo de sinal. Enquanto isso, outro tipo pericito usava sinal diferente”, completa.  Ele ressalta que essa análise é importante para descobrir uma maneira de cultivar as células-tronco hematopoiéticas em laboratório e para facilitar a situação atual de transplante de medula, que tem a dificuldade de compatibilidade genética e, às vezes, há necessidade de mais de um transplante, o que torna a situação ainda mais difícil.

A ideia das pesquisas, segundo o professor, era expandir as células-tronco hematopoiéticas ao máximo e congelá-las para quando a pessoa precisasse. “Mas elas têm uma particularidade. Quando as colocamos em pratinhos de laboratório, rapidamente se transformam em células do sangue, perdendo a sua potência”, relata. “Por isso é importante entender qual é o nicho de expansão para podermos utilizar essa informação na tentativa de forçar o crescimento dessas células in vitro e poder formar um banco. Ainda não conseguimos, mas estamos caminhando para isso e já avançamos”, prossegue.

Revelando o microambiente tumoral

(…) tentamos melhorar o diagnóstico de vários tipos de cânceres. Descobrimos, por exemplo, que se eliminarmos os pericitos dos vasos dessas células, conseguimos diminuir o tumor

O professor informa que seu laboratório também está desenvolvendo pesquisas sobre o microambiente tumoral, benigno e maligno. “Sabemos que as células malignas modificam o ambiente em que se encontram. Então, ainda que as eliminemos, o ambiente já está tão favorável a desenvolver tumor, que a pessoa se torna rescindível”, informa. “Estudamos os mecanismos desse microambiente e tentamos melhorar o diagnóstico de vários tipos de cânceres. Descobrimos, por exemplo, que se eliminarmos os pericitos dos vasos dessas células, conseguimos diminuir o tumor”, comenta.

Birbrair assegura que todas essas pesquisas podem trazer mudanças significativas para diversas vidas e critica o imediatismo do brasileiro. “Nos Estados Unidos investe-se em pesquisas de ciência visando os resultados que virão daqui a 20 ou 30 anos. Já no Brasil, se não veem o resultado em um ano, cancelam e tiram a verba da ciência. Isso força os pesquisadores a entregarem produtos sem qualidade, como drogas que são injetadas em pacientes sem pesquisar devidamente os efeitos”, afirma.

Redação: Deborah Castro
Edição: Mariana Pires
Foto: Carol Morena

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