A visão tem um impacto extraordinário na qualidade de vida das pessoas, e isso é facilmente compreensível: basta fechar os olhos e perceber como seria a vida sem a visão
Professor Titular do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Márcio Bittar Nehemy entrou na equipe docente da Instituição em 1996. Além de já ter orientado 25 teses de doutorado e mestrado, ele é chefe do Serviço de Retina e Vítreo do Hospital São Geraldo, que integra o complexo do Hospital das Clínicas da UFMG, vice-presidente da Academia Brasileira de Oftalmologia e membro de vários conselhos diretores de sociedades médicas nacionais e internacionais na área de oftalmologia.
Os trabalhos de Nehemy se dividem em uso das células-tronco na Oftalmologia, cirurgia vitreorretiniana e, principalmente, degeneração macular relacionada à idade (DRMI), a principal causa de cegueira legal em indivíduos acima de 50 anos e umas das quatro principais causas de cegueira do mundo. Em indivíduos acima de 65 anos, a doença está presente em 5% a 7% da população. Além da idade, a obesidade e o fumo são fatores de risco, de acordo com o oftalmologista.
“A sua prevalência aumenta com a idade. Com o aumento da longevidade dos indivíduos haverá um número cada vez maior de portadores da DMRI. Ela é uma doença multifatorial, em que a genética tem importância, na medida em que alguns polimorfismos genéticos predispõem à doença”, explica Nehemy. “Em um trabalho pioneiro, realizado aqui na Faculdade de Medicina da UFMG, nós identificamos, em uma representativa amostra de brasileiros portadores de DRMI, os polimorfismos genéticos associados a esta doença”, continua.
Estes estudos são fundamentais para conhecermos nossa própria realidade. São trabalhos citados em todo o mundo quando se estuda esta matéria
O professor comenta que esse é um trabalho de referência frequentemente citado em estudos sobre a epidemiologia da DRMI em diferentes países. “Vimos que o perfil genético não apenas predispunha à doença, como podia ter certa influência nos resultados dos tratamentos propostos”, acrescenta. Nehemy acrescenta que sua equipe identificou a prevalência dos diferentes subtipos de DMRI neovascular no Brasil, o que é diferente da prevalência de amostras dos pacientes de outros países. “Estes estudos são fundamentais para conhecermos nossa própria realidade e criarmos uma base de dados, que em última análise, permite melhor escolha para tratamentos de acordo com as nossas peculiaridades. Estes também são trabalhos citados em todo o mundo quando se estuda esta matéria”, completa.
Inovação no tratamento da DRMI
Márcio Nehemy conta que, inicialmente, os tratamentos para degeneração macular eram feitos com laser. Ele, inclusive, orientou algumas teses de doutorado que mostraram o efeito de novas modalidades de aplicação de raios laser na retina. A DRMI caracteriza-se pelo crescimento de vasos anormais no fundo do olho, causando vazamentos de fluidos ou de sangue, que causam baixa de visão. “Dessa forma, por serem indesejáveis, estes vasos anormais (neovasos) precisam ser tratados. O primeiro tratamento visava destruí-los com raios laser. Mas, isso também destruía parte da retina sadia”, discorre.
O professor acrescenta que, em muitos casos, este tratamento apenas evitava a piora, da visão. “Depois surgiu um tipo de laser especial que não lesava a retina. Ele criava uma reação fotoquímica e causava o fechamento dos neovasos. Desenvolvemos algumas teses sobre essa técnica, testamos em animais, e contribuímos para estabelecer os seus parâmetros de segurança em humanos”, esclarece. “Estes trabalhos representaram um significativo avanço na época. Mas, obviamente, era preciso avançar e incorporar tratamentos mais seguros e efetivos”, completa.
“Começamos a testar medicamentos que, ao invés de destruir os vasos, inibiam o seu crescimento e ainda faziam alguns regredirem aos estágios iniciais. Isso mudou totalmente o cenário, permitindo não apenas a estabilização da visão, mas também a recuperação de boa parte da já perdida”, destaca Nehemy. O medicamento é aplicado com injeções no interior olho, em um procedimento indolor, considerado simples, e realizado apenas com uso de colírios anestésicos.
Conseguimos manter ou recuperar a visão em 90% dos pacientes
De acordo com Nehemy, estes medicamentos mudaram o paradigma do tratamento da degeneração macular e de outras vasculopatias retinianas, principalmente da retinopatia diabética. “O resultado é tão favorável que os pacientes aceitam isso muito bem. Ele altera totalmente o prognóstico da doença, já que conseguimos manter ou recuperar a visão em 90% dos pacientes. O advento desses medicamentos para tratamento das doenças coriorretinianas é um dos maiores avanços da Oftalmologia nos últimos 20 anos”, ressalta Nehemy.
Diferenciação no tratamento de acordo com o fator genético
“Além dos medicamentos mencionados, os pacientes podem se beneficiar de uma combinação de vitaminas com antioxidantes, que ajudam a prevenir a doença. Mas este complexo vitamínico está indicado apenas para indivíduos que já tenham manifestações iniciais da DMRI”, afirma Márcio Nehemy. Essa é uma terapia complementar, que não substitui os demais tratamentos, e pode ser usada tanto na forma seca como na forma neovascular , também chamada úmida, ou exsudativa.
O professor conta que para a forma seca da DRMI, até hoje, não existem tratamentos com efeitos curativos. Há vitaminas, cujo efeito benéfico já foi estabelecido, e novos medicamentos que ainda estão sendo pesquisados. Já para a forma úmida, menos comum e mais agressiva, podendo levar a baixa de visão em questão de meses, há vários estudos para novos medicamentos.
De acordo com Nehemy, o tratamento antiangiogênico funciona bem com dois dos três subtipos da degeneração macular do tipo exsudativa. No terceiro tipo, é aconselhável associar com a terapia fotodinâmica, que utiliza um laser infravermelho, que não destrói a retina.
Por isso, o oftalmologista acentua a necessidade de conhecer estes subtipos e sua prevalência em pacientes brasileiros, em busca do melhor resultado possível com o tratamento. “O trabalho que desenvolvemos nesta linha é o único desse tipo no país. Por isso, os trabalhos publicados com os resultados dessa pesquisa são citados em todo o mundo”, aponta.
Nehemy expõe que uma possibilidade de alguns pacientes não responderem bem ao tratamento é que a carga genética de determinada pessoa pode favorecer ou não uma boa resposta ao método. “De fato temos trabalhos evidenciando que determinados polimorfismos genéticos atuam de maneira desfavorável, ou seja, quando a pessoa tem aquela carga genética ela não responde bem aos medicamentos”, prossegue. Para o professor, essas pesquisas permitem refinar o conhecimento e o tratamento das doenças da retina.
Identificar os polimorfismos genéticos para o tratamento mais eficaz
“Dessas pesquisas, o mais importante foi a caracterização dos polimorfismos genéticos e os subtipos de degeneração. Porque, normalmente, nos congressos da área, apresentavam-se os perfis dos Estados Unidos, Europa, Ásia e Japão, por exemplo. Agora o Brasil aparece lá. Nossos trabalhos são muito citados quando se analisa as peculiaridades dos diferentes países”, aponta Nehemy.
Ele esclarece que os resultados das suas pesquisas não refletem apenas uma característica dos brasileiros. “Analisamos a ancestralidade dos nossos pacientes e percebemos que a maioria era geneticamente de origem europeia. Nós chamamos a atenção para estes fatos, sugerindo que a prevalência de alguns subtipos de DMRI pode ser maior do que se pensava na Europa e Estados Unidos”, frisa.
Dessa forma, segundo o professor, os trabalhos também chamaram a atenção para a necessidade de reavaliar o tratamento, que era feito do mesmo jeito para todos os tipos de degeneração macular. “O ideal é refinar ao máximo o diagnóstico e individualizar o tratamento de acordo com cada paciente. É isso que oferece os melhores resultados terapêuticos”, completa.
A visão tem um impacto extraordinário na qualidade de vida das pessoas, e isso é facilmente compreensível: basta fechar os olhos e perceber como seria a vida sem a visão.
O professor ainda ressalta que, pela alta prevalência da doença, é importante que os oftalmologistas identifiquem o quanto antes, já que é possível impedir a evolução quando é tratada no início, na maioria dos casos. Um dos primeiros sintomas da forma úmida da DMRI, por exemplo, é a percepção de deformações dos objetos. Uma linha reta é vista como curva. Já no caso da DMRI seca, enxergam-se pequenas manchas no centro da visão.
“A visão tem um impacto extraordinário na qualidade de vida das pessoas. E isso é facilmente compreensível: basta fechar os olhos e perceber como seria a vida sem a visão. Então, ao sentir qualquer problema, é importante procurar um oftalmologista”, continua.
Reconhecimento internacional
Nehemy foi presidente da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo e fez parte do Board internacional da Sociedade Americana de Especialistas em Retina, da Sociedade Europeia de Retina e Vítreo, Associação Pan-americana de Oftalmologia e do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
O professor também já recebeu homenagens da Sociedade Americana de Especialistas em Retina e da Academia Americana de Oftalmologia, pelas significativas contribuições para o programa científico dessas sociedades. Acumula, ainda, prêmios da Sociedade Europeia de Retina e Vítreo, Sociedade Americana de Retina e Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo.
Nehemy ainda é autor de um livro de Retina e Vítreo (Retina e Vítreo – Clínica e Cirurgia) direcionado para especialistas, e de um livro de oftalmologia geral (Oftalmologia na Prática Clínica) direcionado aos estudantes de medicina e generalistas. Este último está disponível em volume impresso na Biblioteca J. Baeta Vianna e como e-book. Um dos pontos inovadores dele é que, em ambos tipos, é possível assistir a cirurgias utilizando o QR código (acessado por um leitor de QRCode, em celular ou tablet).
Texto: Deborah Castro
Edição: Mariana Pires
Fotos: Carol Morena
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